Valor econômico, v. 17, n. 4230, 06/04/2017. Brasil, p. A3

Dados mostram que, além de lenta, recuperação será desigual

 

Sergio Lamucci


Além da lentidão, outra característica da recuperação que começa a se materializar é o desempenho bastante desigual e errático da atividade econômica. Pelo lado da oferta, enquanto a agropecuária vai bem, devendo ter crescido a taxas superiores a dois dígitos no primeiro trimestre, os serviços tendem a seguir patinando, afetados pelo mercado de trabalho ainda em deterioração. O desemprego nas alturas inibe o consumo, que desta vez deve levar mais tempo para engrenar, diferentemente do que ocorreu em retomadas anteriores, como a registrada em 2009.

A indústria, por sua vez, dá sinais de que iniciou de fato uma recuperação, mas a um ritmo muito gradual, e com comportamento díspar entre os diversos segmentos. Enquanto a produção de bens de capital e de bens duráveis tem oscilado, alternando quedas e altas significativas, a fabricação de bens intermediários, que responde por pouco mais da metade do total produzido pela indústria, engatou uma série de quatro aumentos consecutivos na comparação com o mês imediatamente anterior, feito o ajuste sazonal.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, considera que a recuperação atual é de fato gradual e desigual, mas avalia que essa é uma característica de retomadas que se sucedem a recessões profundas como a que se iniciou no Brasil no segundo trimestre de 2014. "E a recessão atual tem o ingrediente adicional do alto nível de endividamento do setor privado, especialmente de empresas", diz Borges. Isso contribui para derrubar o investimento e também para limitar a contratação de serviços pelas companhias.

No primeiro trimestre, a expectativa da maior parte dos analistas é de que o PIB enfim cresça em relação ao trimestre anterior, em grande parte por causa da agropecuária. Para Borges, o setor deve ter alta de 10% em relação ao quarto trimestre de 2016, feito o ajuste sazonal. Nas contas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), o avanço deve ser de 6,8%, número que seria compatível com a projeção de um crescimento da safra superior a 20% neste ano.

Para o Ibre, o PIB deverá crescer 0,3% no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior. Se excluído o desempenho do setor agropecuário, haveria uma queda de 0,3%. O setor de serviços deve continuar fraco, ainda que tenda a mostrar daqui para frente um resultado mais favorável que a queda de 2,2% observada em janeiro em relação a dezembro, segundo a pesquisa mensal do IBGE sobre o segmento.

Para a média do ano, os serviços devem ter um desempenho melhor que em 2015 e em 2016, quando caíram 2,7% em cada um dos anos, como diz o economista Leandro Padulla, da MCM Consultores. A questão é que o resultado ainda deixará muito a desejar. Padulla acredita que o setor vai cair 0,3% em 2017, enquanto a LCA projeta uma alta de 0,3%. Como responde hoje por quase três quartos da economia, o fraco desempenho esperado para o segmento ajuda a entender as estimativas de um crescimento modesto do PIB para 2017, na casa de 0,5%.

Para o economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, a situação do mercado de trabalho tem segurado os serviços. "O desemprego subiu muito nesta crise", diz ele. Isso acaba por afetar a retomada dos serviços, pelo lado da oferta, e do consumo das famílias, pelo lado da demanda. Nos três meses até fevereiro, a taxa de desocupação ficou em 13,2%.

A indústria tem dado sinais de reação, mas a recuperação deverá ser gradual. Em fevereiro, subiu 0,1% em relação a janeiro, na série livre de influências sazonais. O número geral foi fraco, mas a abertura mostrou um resultado mais positivo, com altas expressivas na produção de bens de capital (6,5%) e bens duráveis (7,1%) e um aumento mais modesto de intermediários, de 0,5%. A expectativa de queda dos juros deve ajudar a indústria nos próximos meses, uma vez que vai aliviar a situação financeira das empresas excessivamente endividadas. No entanto, não deverá haver um desempenho dos mais robustos no ano. A LCA projeta uma alta de 1,1% para o PIB industrial em 2017, bem abaixo dos 8,4% previstos para a agropecuário, mas melhor que o 0,3% esperado para os serviços. Para o PIB, a LCA estima um crescimento de 0,9% neste ano, depois do tombo de 3,6% registrado no ano passado. Padovani espera um crescimento mais modesto, de 0,5%.

A melhora da confiança de empresários e consumidores colabora para a avaliação de que a retomada ganhará fôlego ao longo do ano, mas a recuperação deve ser lenta, diz Padovani. Para ele, essa demora se deve principalmente a três fatores - o elevado nível de endividamento das empresas, o excesso de investimentos que levou à má alocação de capital em muitos projetos, e o impacto da Operação Lava-Jato, em especial sobre os setores de construção civil e petróleo e gás.

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Planejamento vê fim da fase de redução de estoques na indústria

 

Fabio Graner


O secretário de Planejamento e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Marcos Ferrari, disse que o processo de redução de estoques industriais no Brasil se encerrou e que este é um elemento que corrobora o cenário mais favorável para a economia neste ano. "Houve uma redução de estoques entre 2015 e 2016. Chega um momento em que a indústria tem que recompor esses estoques e isso significa produzir mais", disse Ferrari. "Os dados apontam que essa redução já se encerrou", diz.

Para ele, o crescimento das importações de bens intermediários é outro fator que mostra que a indústria entrou na fase de produção e encerrou o ciclo de redução de estoques. De janeiro a março, as compras de bens intermediários, que Ferrari considera insumo para produção de bens industriais, cresceu 16,2%, ante igual período de 2016.

Ferrari destaca também que o cenário de volta dos investimentos está ficando mais claro e será outro vetor importante para a retomada da economia. Nesse sentido, ele destacou a alta de 6,5% na produção de bens de capital da indústria em fevereiro, ante janeiro.

"Isto me leva a pensar que haverá crescimento nos investimentos", disse o secretário. "Talvez não seja um crescimento robusto, mas como tivemos três anos de queda na produção de bens de capital, em algum momento as empresas têm que renovar seu maquinário.".

O secretário apontou ainda que a queda da Selic, viabilizada pelo IPCA abaixo da meta, e a queda da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) também fortalecem as condições para o investimento. Ferrari destaca que a queda da TJLP não é "episódica" e está dentro do contexto de queda da inflação e do ciclo de afrouxamento monetário. Nesse sentido, ele também lembrou a redução dos juros do crédito consignado e das taxas de fundos constitucionais, definidas na semana passada, que são ações que ele reconhece estarem interligadas e ajudam o crescimento.

A visão dele é que a demanda interna, depois de dois anos no terreno muito negativo, também deve ter um cenário mais favorável neste ano, não só pelos investimentos, mas também pelo consumo.

Para Ferrari, a liberação do FGTS, que tem 70% do valor em contas com até dois salários mínimos, tem grande potencial de consumo no curto prazo. Mesmo que seja usado para pagar dívida em vez de gastar, o recurso do FGTS melhora o balanço das famílias e, junto com inflação mais baixa e alta do salário mínimo, fortalece o consumo futuro.

O secretário também comemora a melhora do saldo comercial, destacando que, no caso atual, diferentemente dos últimos anos, está havendo aumento da corrente de comércio, com as exportações e importações subindo. Para ele, esse é mais um sintoma favorável.