Lula nega tentativa de obstruir Lava-Jato

Fábio Fabrini e Julia Lindner

15/03/2017

 

 

Em depoimento de 45 minutos prestado à Justiça Federal em Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ontem as acusações de que teria atuado para “comprar” o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró e, com isso, trabalhado para obstruir investigações da Operação Lava Jato.

O interrogatório foi o primeiro de Lula numa ação penal relacionada à Lava Jato. O ex-presidente afirmou ao juiz federal substituto Ricardo Augusto Soares Leite, da 10.ª Vara, que, nos últimos três anos, tem sido “vítima de um massacre”, com insinuações diárias, pela imprensa, de que será delatado por empresários e políticos supostamente envolvidos em corrupção. “O senhor sabe o que é levantar todo dia achando que a imprensa está na porta de casa porque vou ser preso?”, questionou.

“Tenho dito: duvido, antes, durante e depois, os que estão presos e os que vão ser presos, que tenha um empresário ou um político que tenha coragem de dizer que um dia me deu R$ 1 mil ou que tenha coragem de dizer que um dia o Lula pediu cinco centavos para ele”, acrescentou.

 

Denúncia. A suposta atuação de Lula para impedir a delação de Cerveró foi descrita pelo exsenador Delcídio Amaral (sem partido, ex-PT-MS) em colaboração fechada com o Ministério Público Federal (MPF) depois de ser preso. Segundo a denúncia, Cerveró revelaria como recursos desviados de um contrato da Petrobrás com a Schahin foram usados para pagar empréstimo fraudulento, contraído pelo pecuarista José Carlos Bumlai para financiar o PT.

Também réu na ação, Bumlai é compadre do ex-presidente e tinha livre acesso ao Palácio do Planalto na gestão dele. Lula disse que tinha uma relação institucional com Delcídio, que era líder do governo no Senado, e que discutia vários assuntos com ele. Alegou, no entanto, nunca ter tratado da situação de Cerveró com o ex-senador, embora o assunto Lava Jato possa ter surgido nas conversas.

“Lava Jato, no Brasil, a gente fala no café da manhã, no almoço, na janta e até depois da novela.” O ex-presidente confirmou ainda que era amigo de Bumlai, mas não tinha conhecimento do empréstimo feito pelo pecuarista com a Schahin.

O juiz abriu dez dias de prazo para que a defesa e o Ministério Público Federal façam, eventualmente, pedidos de diligências que considerem necessárias.

Em seguida, será aberta a fase para que os dois lados apresentem as alegações finais. Depois disso, uma decisão já poderá ser tomada. O procurador Ivan Cláudio Marx, que representou o MPF, afirmou que o depoimento transcorreu conforme o esperado.

 

Pesquisas eleitorais. O ex-presidente dedicou boa parte do depoimento para falar do seu governo. Citou programas sociais e reiterou que os órgãos de investigação tiveram mais estrutura e autonomia durante os seus oito anos de mandato. Falou também de pesquisas eleitorais e que seu desempenho em sondagens eleitorais continuará incomodando opositores.

“Vou matar eles de raiva, porque em todas as pesquisas vou aparecer na frente”, declarou. Lula afirmou ainda que o ofende “profundamente” a acusação de que o PT é uma organização criminosa. Argumentou que o partido é o mais importante já criado no País e que trabalhou para o fortalecimento das instituições, entre elas a Polícia Federal.

“No meu governo, a PF tinha de fiscalizar, tinha de investigar, teve dinheiro para a inteligência e os delegados sabem como é que eles foram valorizados.

Eu dizia que só tem um jeito de ninguém mais ser preso: é ser honesto.” O ex-presidente voltou a criticar integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba por, supostamente, fazerem “pirotecnia com as pessoas”, mas afirmou ser a favor das investigações.

“Tem gente que acha que eu sou contra a Lava Jato. Pelo contrário, quero que ela vá fundo. Sou contra tentar criminalizar a pessoa pela imprensa, e não pelos autos”, justificou.

 

Saída. Lula falou por 45 minutos à Justiça Federal, em Brasília, e disse que tinha ‘relação institucional’ com Delcídio Amaral

 

 

Preso

“O senhor sabe o que é levantar todo dia achando que a imprensa está na porta de casa porque vou ser preso?”

 

“Duvido (...) que tenha um empresário ou um político que tenha coragem de dizer que um dia me deu R$ 1 mil ou que tenha coragem de dizer que um dia o Lula pediu cinco centavos para ele.”

Luiz Inácio Lula da Silva

EX-PRESIDENTE

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45074, 15/03/2017. Política, p. A8.