A queda de braço envolvendo o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, que suspendeu licitações da Infraero é considerada, até o momento, incapaz de afugentar a iniciativa privada interessada no setor, conforme investidores e operadores ouvidos pelo Valor sob sigilo. Contudo, admitem, gera um clima de apreensão em relação à condução do setor - que virou vitrine do governo Michel Temer após o bem-sucedido leilão dos aeroportos de Salvador (BA), Fortaleza (CE), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS) no mês passado.
O ministério suspendeu as concessões feitas pela Infraero de terminais de carga nos aeroportos de Goiânia (GO) e Curitiba (PR) e as previstas para Vitória (ES) e São José dos Campos (SP). A estatal deflagrou os processos a despeito de um parecer jurídico do ministério que apontou que a Infraero não poderia fazer esse tipo de concessão por prazo longo.
A incumbência de realizar a licitação ou delegar o processo de concorrência à Infraero seria prerrogativa do ministério. O vaivém expôs uma disputa política-partidária entre os órgãos - ambos controlados por alas diferentes do Partido da República (PR).
"Não é suficiente para fazer alguém desistir de disputar os próximos certames, mas sempre atrapalha", diz um executivo de aeroporto. "O mercado vem buscando construir confiabilidade, seguranças jurídica e regulatória e esse tipo de situação acaba comprometendo isso", afirma a fonte.
Para um operador de aeroportos estrangeiros, o mais importante para que o Brasil continue atraindo investimentos no setor aeroportuário é que "os procedimentos e as regras sejam claros", disse, destacando que episódios como esse não afetam o interesse da empresa. A menos que se tornem recorrentes.
O ministro dos Transportes, Maurício Quintella, minimizou o conflito ontem. Disse que houve no máximo "uma divergência de ideias no debate". E que a decisão de interromper a contratação de empresas para operar os terminais de cargas em Curitiba, Goiânia, São José dos Campos, Vitoria e Recife (PE) - nesse último a licitação ainda seria lançada - foi por "precaução". Esses processos, disse, vão demandar "maior atenção" do governo daqui pra frente.
A ideia é que as licitações, caso a Infraero possa voltar a realizá-las, sejam feitas com contratos de dois a cinco anos - ou até que o novo concessionário assuma a gestão. Os atuais contratos são válidos por até dez anos.
Até agora, destacou o ministro, não foram constatados problemas em licitações já feitas pela estatal, especialmente na área comercial que envolve contratos com empresas de postos de gasolina, lanchonetes e lojas em geral. "Em relação a estes espaços comerciais não há nenhum impeditivo", disse.
Ainda de acordo com Quintella, o plano de estruturação da Infraero estará pronto no prazo de até 30 dias. A decisão foi tomada em reunião com os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), Dyogo Oliveira (Planejamento) e representantes do Banco do Brasil, que assumiu a responsabilidade de apresentar os estudos.
Quintella disse que falta, basicamente, definir quais serão os aeroportos superavitários administrados pela estatal que serão assumidos pela subsidiária a ser criada. Por enquanto, o governo trabalha para reunir sob o guarda-chuva dessa nova empresa os aeroportos de Congonhas (SP), Santos Dumont (RJ), Curitiba, Recife e Manaus (AM). Por responder por boa parte da movimentação de passageiros do país, esses aeroportos devem ajudar a bancar o custo dos deficitários.
"Esses aeroportos renderiam o capital e receita para que toda a Infraero se torne sustentável", disse. O ministro ressaltou que, ao reunir aeroportos rentáveis numa subsidiária, será possível partir para a abertura do capital da empresa com uma oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês). Para tanto, disse, o governo brasileiro se espelha em decisões bem-sucedidas adotada em outros países.
Quintella considera que as medidas já tomadas para enxugar e melhorar a gestão da Infraero, como o recente plano de desligamento voluntário (PDV), permitirão que a estatal saia do vermelho ainda este ano, independentemente da implementação do plano de reestruturação.
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Uma comissão mista do Congresso aprovou ontem a Medida Provisória 752, a chamada "MP das concessões", que entre outras coisas regulamenta a prorrogação e a relicitação de contratos de parceria dos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário que fazem parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). A medida tem como objetivo viabilizar novos investimentos no setor de transportes, em meio à crise vivida por boa parte das empresas do setor de infraestrutura. O governo editou a medida depois que concessionárias de projetos licitados durante o governo Dilma Rousseff passaram a enfrentar dificuldades financeiras e se mostraram incapazes de cumprir contratos - muitas delas por estarem implicadas na Operação Lava-Jato.
O texto tem três eixos principais: permite a prorrogação antecipada dos contratos; permite a relicitação das concessões que forem devolvidas ao governo; e permite renegociar, em vez de relicitar, contratos com concessionárias que não conseguirem fazer os investimentos previstos por razões pelas quais elas não são responsáveis - crise econômica, forte retração do crédito, alta brusca de juros, entre outras. O governo celebrou a aprovação, mas o parecer do deputado Sérgio Souza (PMDB-PR) não foi aprovado com facilidade.
Os remendos feitos no texto original MP causaram protestos no Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão sempre teve uma postura contrária à renovação antecipada das concessões e viu nas mudanças feitas no texto um "presente" para as principais concessionárias de rodovias do país. O governo tem até 3 de maio para aprovar a MP na Câmara e no Senado. Mas deve enfrentar resistência de parlamentares da região Centro-Oeste, preocupados com esse aspecto da legislação.