Valor econômico, v. 17, n. 4230, 06/04/2017. Opinião, p. A15

Os bancos ajudarão a virada?

 

Luciano Coutinho

 

Os dados do Banco Central mostram forte contração do crédito às empresas ao longo de 2016, alcançando o 1º bimestre de 2017 e sem sinal de reversão. O crédito começou a desacelerar em 2015, mas a retração de 2016, por sua intensidade, não tem precedentes nas estatísticas. Como veremos, este "credit crunch" causou sérios danos ao sistema empresarial e bloqueia a retomada da economia.

Embora em 2016 o crédito nominal às pessoas físicas (PF) tenha crescido um pouco (+ 3,2%), o crédito às pessoas jurídicas (PJ) caiu nominalmente 10,5%. Considerada a inflação, a queda real foi de 17,4%! O estoque total de crédito à PJ (livre e direcionado) retrocedeu de R$ 1,71 trilhão (dezembro de 2015) para R$ 1,54 trilhão (dezembro de 2016). Essa foi a causa principal para a queda da relação crédito/PIB, saindo de 53,7% do PIB no início de 2016, para 49,4% no fim do ano.

A retração real do crédito foi muito intensa para a indústria extrativa (queda de 38,3%), de transportes (24,2%), de transformação (20,2%), de construção (18,8%). Nesses grandes setores - notadamente na indústria de transformação - houve marcante heterogeneidade: as pequenas e médias empresas (PMEs) enfrentaram um arrocho severo, assim como os segmentos da indústria e da construção associados à formação de capital fixo.

Além do recuo do crédito, os dados do Banco Central revelam aumentos dos juros decorrentes de aumentos significativos dos spreads dos bancos - inclusive públicos - refletindo aguda seletividade nas concessões. Ao que tudo indica, a retração da oferta superou, em muito, a queda da demanda por crédito resultante da recessão em curso.

Os efeitos negativos sobre as empresas, especialmente as PMEs, foram e continuam sendo dramáticos. Pressionadas pela carga de juros sobre dívidas pretéritas e com acesso muito restrito ao crédito e forte escassez de capital de giro, as PMEs foram forçadas a uma desalavancagem dolorosa. Na esperança de sobreviver, tiveram que sacrificar margens de rentabilidade (muitas trabalhando no vermelho para não fechar as portas); parar de recolher impostos; e demitir trabalhadores (inclusive os mais experientes).

(...)

Nesse contexto de crédito caro e seletivo as grandes empresas com poder de mercado têm gerido sua liquidez de modo a tirar proveito dos juros reais muito elevados e indexados no mercado de títulos públicos. Esticaram arbitrariamente os prazos de pagamento aos fornecedores, estressando os vários elos das cadeias de suprimento. As sequelas foram duras nas cadeias mais longas e mais intensivas em capital de giro.

Em consequência, ampliaram-se os prazos médios de recebimento das vendas, sobretudo para as PMEs, configurando-se uma situação perversa em que os pequenos financiam os grandes. Para as pequenas e médias falta capital de giro para produzir mesmo quando conseguem encomendas de grandes clientes com baixo risco bancário. Esse quadro de precarização da base das PMEs seria ainda mais grave se os bancos não tivessem renegociado débitos e ampliado prazos, embora a taxas de juros maiores e com resgate de parcela da dívida - ou seja, para forçar a desalavancagem. Aos que não conseguiram atender essas condições restou o caminho da recuperação judicial ou da falência.

Em resumo, a escassez do crédito virou um jogo de perde-perde: os ganhos financeiros das grandes empresas obtidos à custa do esgarçamento dos fornecedores; os pequenos e médios empresários fustigados pelo risco de falência; os trabalhadores castigados pelo alto desemprego; o governo premido pela continuada queda da receita tributária. Para os bancos esse jogo também não foi eficaz: a busca individual de melhoria das carteiras de crédito resultou num movimento coletivo contraproducente.

Ao estressar o setor produtivo e travar a retomada do crescimento, a banca frustrou o objetivo geral de redução da taxa de inadimplência da PJ. Ela saiu de 4,5% do crédito livre no início de 2016, para 5,4% no fim do ano, levando os bancos a provisionar cerca de R$ 130 bilhões para devedores duvidosos.

Já há, contudo, sinais de leve queda da inadimplência. Nesse contexto a questão que se coloca é se os bancos poderão auxiliar a retomada da economia nos meses vindouros em que inflação e taxa Selic devem cair fortemente. Contribuirão com oferta mais fluida e benigna de crédito ou manterão a trava, repassando a conta-gotas a redução da Selic para os juros? As projeções de aumento nominal do crédito dos grandes bancos em 2017 são cautelosas. Segundo declarações à imprensa, variam de 2% a 4%. Se confirmadas, teríamos estagnação ou alguma retração real do crédito.

O BC recentemente anunciou uma agenda válida de redução do custo do crédito. Mas as iniciativas mais importantes, como revisão dos spreads, aumento do crédito às PMEs, estímulo às inovações tecnológicas e melhoria da recuperação judicial - dependem de Grupos de Trabalho cujas conclusões costumam demorar.

A virada da economia e a regularização da receita fiscal são urgentes e demandam ações em prazo curto. Além de acelerar a queda da Selic, o BC deveria manejar os depósitos compulsórios com regras que estimulem a concessão de crédito. Os bancos públicos também poderiam ser mais arrojados. O governo deveria solicitar ao Congresso suspensão temporária da exigência de certidões negativas. O novo Refis deveria ser realista e dar carência às PMEs enquanto a retomada não se firma. Situações excepcionais como a que estamos passando na economia requerem medidas extraordinárias.