Reforma trabalhista pode permitir microempreendedor terceirizado

Barbara Nascimento

Henrique Gomes Batista

21/04/2017

 

 

Relator retira limitação do texto da lei. Meirelles admite impacto na Previdência

O parecer do relator da reforma trabalhista, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), abre um precedente que preocupa a equipe econômica. Ao tratar das salvaguardas à lei da terceirização, o projeto permite que os microempreendedores individuais (MEI) possam prestar serviços como terceirizados, o que estava proibido na lei que foi sancionada há algumas semanas pelo presidente Michel Temer. E o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admitiu ontem em Washington que a possibilidade de terceirização direta de MEIs pode ter efeito negativo nas contas da Previdência.

O receio é que isso cause uma migração de trabalhadores com carteira assinada para esse outro tipo de contrato e impacte a arrecadação. Isso porque os celetistas pagam um percentual maior de impostos do que o MEI, que tem um regime especial de tributação e pesa nos cofres públicos. Só em 2017, a estimativa é que haja uma renúncia de R$ 1,7 bilhão com o benefício concedido aos microempreendedores. No ano passado, a Receita Federal estima que o impacto foi de R$ 1,67 bilhão.

Na prática, o relator retirou do texto a definição de que apenas “pessoas jurídicas de direito privado” podem terceirizar atividades, o que abriria caminho para a contratação de microempreendedores. Ao GLOBO, Marinho explicou que essa é uma interpretação e que apenas deixou mais claro, em seu relatório, o que o texto da lei já sancionada prevê: que a terceirização é ampla e irrestrita. Ele ressaltou que essas salvaguardas foram elaboradas em parceria com o Ministério do Planejamento e a Casa Civil e que, até o momento, não houve pedido formal da equipe econômica para alterar esse item:

— O relatório foi apresentado, recepcionaremos sugestões. Eu não sou o dono do projeto. Se houver imperfeições, que podem ocorrer, isso pode ser modificado.

Já Meirelles, que está em Washington para a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, reconheceu que a terceirização de MEIs pode significar perda de receita, uma vez que essa categoria tem direito à aposentadoria, mas paga uma contribuição menor.

— Caso se caminhe nessa direção, certamente nós vamos ter de analisar um pouco como evitar que ocorra uma erosão de receita em geral, inclusive na Previdência. Evidentemente, caso haja uma possibilidade de uma contratação em larga escala de microempreendedores, nós vamos ter de levar isso em conta nas contribuições previdenciárias, se for necessário haver alguma mudança nesse sentido — afirmou Meirelles, ressaltando que é cedo para saber o real risco.

Ele também acha difícil haver migração em massa para essa modalidade:

— É pouco provável que haja uma migração massiva da força de trabalho de dezenas de milhões de pessoas para se transformarem em MEI. É muito complicado fazer isso em qualquer país do mundo. Imagine uma fábrica de 10 mil funcionários, dos quais 9 mil são microempreendedores. Apesar de ser um risco teórico, ele não é um risco prático.

O ministro disse ainda não ter posição fechada sobre essa possibilidade. E afirmou que seu foco é a reforma da Previdência.

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PROCURADOR: CONSOLIDAÇÃO DA ‘PEJOTIZAÇÃO’

Esse não é o único ponto que desperta a atenção da equipe econômica. O Ministério da Fazenda pediu ao relator da reforma trabalhista que incluísse no texto previsão de que a contratante tenha de reter na fonte os tributos sobre o valor pago para a terceirizada, uma forma de aumentar a arrecadação. Marinho, no entanto, afirmou que “não há clima” para uma alteração como essa e que os únicos pedidos feitos pelo governo com que ele concordou foram em relação às salvaguardas à lei da terceirização.

Além do impacto fiscal, o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, diz haver um prejuízo das condições de trabalho na permissão para que microempreendedores terceirizem seus serviços. Na prática, diz, isso consolidaria a “pejotização” (demissão de trabalhadores celetistas para recontratá-los como pessoa jurídica):

— É muito mais fácil para a empresa contratar quatro, cinco temporários a um salário baixo e não ter nenhuma responsabilidade sobre eles.

O especialista em relações do trabalho Emerson Casali pondera que a reforma trabalhista, da forma como está, não muda a CLT no que diz respeito à pejotização. Segundo ele, se há comprovação de vínculo com a empresa, ninguém pode ser pessoa jurídica (PJ), nem mesmo MEI.

— Se a pessoa tem características de vínculo, não pode ser PJ. Não concordo com esse pensamento de que vai haver “pejotização” A CLT não mudaria nesse sentido — argumentou.

O consultor jurídico Adauto Duarte acredita que a preocupação da migração de celetistas para a pessoa jurídica não é justificada. Para ele, não há por que excluir o microempreendedor da possibilidade de terceirizar serviços.

— Se uma pessoa vende roupa on-line, por exemplo, e contrata uma pequena transportadora para fazer a entrega, ela não pode fazer isso hoje, mas poderia se o MEI entrasse na lei. Tirar o microempreendedor da lei exclui a possibilidade de mais uma pessoa estar no mercado — observou Duarte. — A lei é clara sobre vínculo. Independentemente do conceito de terceirização, não há como ter mau uso disso.

O globo, n.30573 , 21/04/2017. Economia, p. 19