Em carta, Odebrecht pede desculpas a funcionários

Cleide Carvalho

19/04/2017

 

 

Empresa afirma que delações expõem ‘entranhas’ de seus negócios

O diretor-presidente da Odebrecht, Newton de Souza, distribuiu essa semana uma carta aos funcionários da empresa pedindo desculpas pelo constrangimento causado pelos relatos dos delatores da construtora que assinaram acordo de colaboração com o Ministério Público Federal (MPF). Segundo ele, por mais que essa etapa seja “dolorosa”, ela é “necessária” para a reconstrução da companhia.

“Peço desculpas aos nossos integrantes pelos constrangimentos que os relatos dos colaboradores estão causando a vocês e às suas famílias”, afirma o texto.

A carta faz referência aos depoimentos de dezenas de executivos e ex-executivos da Odebrecht que foram tornados públicos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada e afirma que o conteúdo surpreende até mesmo os integrantes da empresa. As delações revelam o pagamento de caixa dois e propina a 98 políticos que serão investigados em 76 inquéritos que correm no STF, de acordo com autorização dada pelo ministro Edson Fachin. Mais de 201 pedidos de investigação feitos pela Procuradoria Geral da República (PGR), também com base nas delações da construtora baiana, foram encaminhados por Fachin a instâncias inferiores da Justiça.

“Esta etapa de tanta exposição negativa para a Odebrecht é dolorosa, mas necessária. Nós precisávamos passar por isso. Seria impossível reconstruir a empresa que queremos para o futuro sem enfrentar a realidade de fatos ocorridos anteriormente e que só agora vocês e a sociedade passaram a conhecer”, diz o texto assinado por Souza.

O executivo lembra que assumir a culpa pelos casos de corrupção é parte do compromisso assumido pela empresa ao assinar a colaboração com a Lava-Jato. O acordo também envolve pagar pelos crimes cometidos e indicar outros responsáveis por eles, além de reconstruir a empresa “em padrões de ética, integridade e transparência”. Souza diz que outro objetivo da Odebrecht ao assinar o acordo foi “contribuir para a construção de um Brasil melhor, em que as relações entre empresas privadas e o setor público ocorram sem corrupção.”

___________________________________________________________________________________________________________________

“ATENTEM PARA O CONTEÚDO"

A carta chama a atenção para o conteúdo das delações, que expõem como a empresa negociava benefícios em contratos com o poder público em troca de propinas e doações eleitorais. “Gostaria que observassem menos as interpretações superficiais e às vezes agressivas de analistas sobre o comportamento de um ou outro colaborador. Atentem mais, por favor, para o conteúdo dos depoimentos. Eles exibem as nossas entranhas. Mas o conjunto de relatos também expõe ao público um retrato inédito da atuação de governantes e políticos no nosso país. Estamos fazendo a nossa parte para mudar esta situação”, diz a carta, que continua citando o aparato dado aos delatores:

“As revelações têm a profundidade agora demonstrada porque a Odebrecht ofereceu todas as condições para que os 77 colaboradores que prestaram depoimento à Justiça estivessem absolutamente tranquilos em relação à própria sobrevivência e à de suas famílias. Foi assim que puderam fazer seus relatos com segurança e da forma mais ampla, detalhada e espontânea possível.”

O documento enumera os passos que estão sendo dados para combate à corrupção dentro da Odebrecht e afirma que desde março a empresa tem sido monitorada — inclusive nas movimentações financeiras e contábeis — por especialistas e indicados pelo Ministério Público do Brasil e da Suíça e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A atuação de um monitor externo por três anos é uma das exigências do acordo feito pela Odebrecht com as autoridades norte-americanas.

Anteontem, a Justiça dos Estados Unidos confirmou o acordo, que prevê o pagamento de uma multa de US$ 2,6 bilhões a autoridades norte-americanas, suíças e brasileiras. Segundo a empresa, a confirmação desse acordo significa que “não há restrição de qualquer natureza para a atuação da Odebrecht nos Estados Unidos”.

O globo, n.30571 ,19/04/2017. País, p. 6