'Sempre existiu caixa 2', afirma Emílio Odebrecht

Ricardo Brandt e Valmar Hupsel Filho

14/03/2017

 

 

Lava Jato. Empreiteiro diz que repasses ilegais a políticos eram um ‘modelo reinante no País’ e foram feitos pelas três gerações da família; ele ligou Palocci ao codinome ‘Italiano’

 

 

O empresário Emílio Odebrecht, patriarca do grupo, afirmou ontem, em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, que o caixa 2 sempre foi o “modelo reinante no País”. Emílio admitiu que as três gerações da família à frente da empresa – ele, o pai, Norberto Odebrecht, fundador do grupo, e o filho, Marcelo Odebrecht –, fizeram repasses ilegais a políticos e suas campanhas.

“Isso (caixa 2) sempre foi o modelo reinante no País e que veio até recentemente. Porque houve o impedimento e foi a partir de 2014 e 2015. Mas, até então, sempre existiu. Desde a minha época, da época do meu pai, da minha época e também de Marcelo, de todos aqueles que foram executivos do grupo”, afirmou Emílio.

No depoimento, ele disse também que “com certeza” o ex-ministro Antonio Palocci era uma das pessoas identificadas como “Italiano” na empresa e que não tinha dúvidas de que ele intermediou pagamentos ilegais para o PT.

Emílio foi ouvido pelo juiz que conduz a Lava Jato na primeira instância, em Curitiba, como testemunha de defesa na ação penal em que Marcelo Odebrecht e o ex-ministro da Casa Civil e Fazenda são acusados de corrupção na contratação de sondas exploratórias do pré-sal com a Petrobrás. Marcelo Odebrecht e Palocci estão presos na capital paranaense.

O empreiteiro negou, porém, corrupção na Petrobrás e em resposta a um questionamento da defesa de Marcelo Odebrecht disse que não foi o filho quem criou na empresa a “sistemática de pagamentos de recursos não contabilizados”. “Não, em hipótese nenhuma.” Emílio disse que em sua época à frente do comando da Odebrecht já se pagava caixa 2 e que dois executivos do grupo eram os homens de sua confiança responsáveis por esses repasses.

“Um falecido e outro com Alzheimer”, afirmou, sem citar nomes.

Para o Ministério Público Federal, o “caixa 2” mencionado por Emílio é propina de contratos da empreiteira com o governo, em especial, com a Petrobrás.

O empreiteiro negou favorecimento em contratos do grupo com a estatal.

 

Codinome. Sobre o “Italiano”, Emílio disse que outras pessoas também eram identificadas assim e não poderia afirmar que o “Italiano” que aparece na lista de propinas seja Palocci. Depois, no entanto, relatou que o ex-ministro era tratado pelo codinome.

“Eu mesmo tenho companheiros que têm ascendência italiana que eu chamava de italiano.

Mas, com certeza, ele (Palocci) também era identificado como Italiano.” Advogado de Palocci, José Roberto Batochio havia dito horas antes que Emílio “foi muito claro em dizer que jamais ouviu dizer que ‘Italiano’ fosse o Palocci e que só conversou com Palocci sobre assuntos institucionais”.

O nome de Palocci aparece ao lado do codinome “Italiano” na planilha encontrada no ano passado na casa de executivo apontado como responsável pelo Setor de Operações Estruturadas – que a Lava Jato trata como “setor de propinas” da empreiteira.

Ao codinome está associado o valor de R$ 128 milhões, montante vinculado ao PT.

Indagado se tinha conhecimento de que Palocci recebeu ou intermediou pagamentos ilegais para o PT, Emílio disse não ter dúvida de que houve repasses, embora não soubesse dar detalhes porque se afastou da empresa em 2002. “Não tenho dúvida de que deve ter havido, deve não, teve contribuição da organização ao partido.”

 

Departamento. Ele, porém, negou a existência de um setor para distribuição de “recursos não contabilizados”. “Não existe na organização o departamento. Não existiu nada disso de formalizar.

O que existiu foi um responsável por operacionalizar recurso não contabilizado. Foi dada essa nomenclatura não sei como, e isso a imprensa vem repetindo, repetindo e repetindo que isso está se tornando como se fosse uma verdade.” Também em audiência com Moro, o executivo Márcio Faria admitiu, contudo, a existência do “setor de propinas” e disse que a solicitação de repasses ilegais em contratos entre a empreiteira e a Petrobrás surgia “na fase de licitação ou após a assinatura de contrato”. E afirmou que “Italiano” era referência ao “ex-ministro Palocci”. Questionado pela procuradora Laura Tessler, do Ministério Público Federal no Paraná, Faria declarou que a relação com o ex-ministro não era de sua “alçada”.

“Não era escopo meu”, disse. “Quem tratava com o ministro Palocci?”, perguntou Laura. “Marcelo Odebrecht”, afirmou. O PT disse que as doações ao partido foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral.

 

‘Falha’. Emílio Odebrecht e Márcio Faria – que fizeram delação – falaram a Moro por videoconferência, da Justiça Federal, em São Paulo. Os depoimentos foram colocados sob sigilo pelo juiz a pedido da defesa. Os vídeos, porém, foram anexados aos autos do processo eletrônico e ficaram disponíveis por alguns minutos no início da tarde.

Em despacho divulgado no fim da tarde, Moro disse que a inclusão dos depoimentos foi uma “falha técnica”, corrigida em “dois minutos”. “Mas, aparentemente, não a tempo para evitar que terceiros acessassem os vídeos”, escreveu Moro, ressaltando que não caberia a ele providências pela divulgação dos vídeos, “prevalecendo a liberdade de imprensa”.

 

Testemunha. O empresário Emílio Odebrecht depôs via videoconferência ao juiz Sérgio Moro

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45073, 14/03/2017. Política, p. A4.