Para Odebrecht, política de petróleo era ‘meio burra’

Eduardo Bresciani

17/04/2017

 

 

Delator diz que exigência de conteúdo nacional para sondas é irreal

O empreiteiro Marcelo Odebrecht afirmou em um de seus depoimentos de delação premiada que a política de conteúdo local aplicada no setor de petróleo pelos governos Lula e Dilma era “meio burra” e definiu como “maluquice” o modelo de negócios da Sete Brasil, empresa criada para fabricar sondas de perfuração no país. O empresário incluiu o tema em sua delação premiada porque teria havido um pedido de propina do ex-tesoureiro do PT João Vaccari de 1%a 2% do valor de um contrato de construção de seis sondas por um estaleiro do qual Odebrecht, OAS e UTC eram sócios.

Marcelo Odebrecht conta que recusou-se a fazer o pagamento porque já tinha outros acordos globais de pagamentos ao PT. O caso foi remetido para a Justiça Federal do Paraná, onde já há processo em andamento sobre o tema. Marcelo, inclusive, prestou depoimento ao juiz Sérgio Moro na semana passada e reiterou as críticas feitas neste primeiro depoimento, que foi prestado em dezembro. Neste, ele critica o modelo adotado para por questões técnicas. Ressalta que a exigência de 60% de conteúdo nacional nas sondas era fora da realidade do mercado.

— Eu sou a favor do conteúdo nacional bem gerido. Porque digo isso? Porque acho que conteúdo nacional você não mede pela quantidade, mas pelo que quer desenvolver, pelo o que o país tem condições de desenvolver. Quando você estabelece que 60% de um projeto tem que ter conteúdo nacional é uma maneira meio burra de gerenciar a questão. Porque você pega o exemplo das sondas. A grande produtora internacional de sondas é a Coreia do Sul. Uma sonda coreana tem 35% de conteúdo nacional coreano. Como é que o Brasil, que nunca produziu uma sonda dessa envergadura, exige 60%? Aí tem uma ineficiência — disse o ex-presidente da Odebrecht.

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MODELO QUE NÃO FUNCIONA

Ele prossegue afirmando que o modelo de negócios da Sete Brasil, empresa criada para construir as sondas, não teria como funcionar porque os custos para a produção no Brasil não teriam como ser compensados pelos contratos da Petrobras, que teriam de estar próximos aos praticados no mercado internacional.

— No final das contas, acabou gerando esse modelo Sete Brasil, que eu, pessoalmente, sempre achei uma maluquice esse modelo. Eu nunca entendi. Eu falei com vários investidores da Sete Brasil porque eu não entendi como a conta fechava para eles. Você tem um problema que você contrata um afretamento com a Petrobras que não pode fugir muito de uma referência internacional e você tem que construir uma sonda que tem custos do Brasil implícito. Não sei como é que a conta fecha — afirmou Marcelo.

O ex-presidente da Odebrecht afirma que a empresa acabou entrando no negócio porque desejava atuar como operadora das sondas e havia uma pressão para que as empresas que fossem operar também participassem da construção. Assim, a empresa entrou com uma participação acionária em consórcio com OAS, UTC e uma empresa japonês em um estaleiro que construiria seis sondas na Bahia. Porém, como o negócio naufragou, Marcelo estima que haverá um prejuízo de até R$ 2 bilhões da Odebrecht nesse caso.

 

PERCENTUAIS FORAM REDUZIDOS

O governo Temer reduziu recentemente os percentuais da política de conteúdo local para os campos de petróleo que serão licitados. A exigência foi cortada em pela metade e também houve redução das multas para quem não conseguir atingir as metas. A Sete Brasil, por sua vez, prepara um plano de recuperação judicial e negocia com a Petrobras a entrega de apenas uma parte das sondas que tinham sido contratadas inicialmente.

 

“Sempre achei uma maluquice esse modelo. Eu nunca entendi. Eu falei com investidores porque eu não entendi como a conta fechava”

Marcelo Odebrecht

Delator da Lava-Jato

O globo, n.30569 , 17/04/2017. País p. 4