AO MEIO DA NÉVOA

Georgr Vidor

10/04/2017

 

 

O Banco Central já deu muitos sinais nesse sentido e para o mercado financeiro são favas contadas que o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzirá em um ponto percentual a taxa básica de juros. E para a reunião do fim de maio, uma outra redução de um ponto percentual. Decorridos mais 45 dias, os juros básicos no Brasil vão beirar os 10% ao ano, desarmando um pesadelo. As empresas, as famílias e o setor público estão muito endividados. Com o custo do capital na estratosfera, a economia fica andando em círculos, sem capacidade para reagir.

O piso dos juros da economia em torno de 10% é ainda muito alto, considerando-se que a inflação média para o consumidor já recuou para o centro da meta — bem antes do esperado — e que a expectativa geral é que caia para menos de 4% até o fim do ano. No passado, os empresários estavam habituados a taxas de retorno de seus negócios variando em cerca de 20%. Isso quer dizer que, em cinco anos, podiam recuperar todo o capital investido, podendo contar também com a valorização futura do patrimônio acumulado. Em uma economia estagnada, quem obtém agora um retorno em torno de 5% acima da inflação está soltando fogos. Como conciliar isso com juros básicos reais girando em mais de 6%? Uma economia que não pode se apoiar no crédito definha.

A equipe econômica espera que haja mudança nas expectativas. Que as empresas enxerguem a perspectiva de juros mais baixos e menos endividamento, dispondo-se a retomar investimentos. Fatores psicológicos assumiram peso muito forte no comportamento dos diversos agentes econômicos por tudo o que o país passou. São fatores que os modelos de previsão econômica não conseguem antecipar. Daí a sensação de estarmos no meio da névoa, sem conseguir ver muito bem o que temos pela frente.

 

No começo, lavando os pratos

Quase todos os hotéis e restaurantes mais sofisticados do Brasil compraram ou ainda compram alguma coisa deles em determinado momento. Pratos, copos e talheres, principalmente. Há cinquenta anos, o português J. Rodrigues começou com uma pequena loja à Rua do Humaitá, no Rio. Seu Rodrigues, que completou 80 anos, saiu moço de Viseu, região da Beira Alta, em Portugal, para trabalhar no Brasil. Lavava pratos (cerca de 10 mil peças no fim de semana) na cozinha do Itanhangá Golf Club. Virou garçom e depois maître em boates cariocas da época. Teve a oportunidade de abrir o próprio negócio ao ganhar a concessão do bar-restaurante de um clube na Lagoa Rodrigo de Freitas, o Caiçaras, frequentado por famílias de alta classe média. Ele, a mulher e mais uns poucos empregados dividiam as tarefas. A segunda oportunidade surgiu quando foi chamado para montar o “bandejão” para estudantes, professores e funcionários da PUC-Rio. Já tinha então a ideia de se tornar fornecedor de louças para restaurantes, sonho que conseguiu realizar quando um amigo também português o apresentou à família que tinha construído um prédio no Humaitá, com lojas para alugar no térreo.

A Humaitá Louças, que usa o nome J. Rodrigues em sua loja, atende também clientes individuais. Quando a floricultura vizinha fechou, seu Rodrigues ocupou o espaço dedicando essa filial mais para presentes. A razão social homenageia a origem, mas empresa funciona mesmo é em São Cristóvão, onde armazena o estoque e despacha todos os dias encomendas para clientes. Mas seu Rodrigues não deixa de ir à loja do Humaitá. O filho e o neto agora comandam os negócios, que envolvem importação de louças, copos e talheres exclusivos, geralmente fabricados em Portugal ou na Alemanha. A tentativa de importar da China não deu certo, pois a qualidade variava muito.

Fevereiro foi um mês difícil para o ramo. Mas nos últimos dez dias Júlio Cesar Rodrigues, o filho que responde pela diretoria comercial da Humaitá Louças, percebeu uma recuperação. Os clientes estão reaparecendo.

 

Lá vêm as noivas

Um negócio que não chegou a entrar em parafuso, como a maioria das atividades na economia, foi o de festas, sejam as relacionadas com cerimônias de casamento ou as que marcam os 15 anos de mocinhas. Muitas envolvem cerimonialistas, fotógrafos, bufês, casas de eventos, costureiras, especialistas em arranjos de flores, entre outros. Em São Paulo já existia uma atividade que só surgiu há poucos anos no Rio: o de empresas que alugam objetos voltados para a decoração dos eventos. A Excelência & Etc foi a pioneira no mercado carioca. A mãe de uma das sócias era decoradora e motivou a filha a entrar no ramo, tornando-se uma das primeiras clientes.

Agora há mais concorrência e, para se diferenciar, a empresa resolveu investir em instalações amplas, no Rio Comprido, com área suficiente para abrigar uma “show room”, onde decoradores levam os clientes para simular o ambiente sugerido. As duas sócias não tinham antes intimidade com essa atividade. Eram executivas de uma companhia de telecomunicações. Desgostosas com o que faziam, resolveram empreender. E não se arrependem.

O globo, n.30562 , 10/04/2017. Economia, p. 18