MAIA: ‘TALVEZ NÃO SEJA HORA DE VOTAR ABUSO E FIM DO FORO’

Catarina Alencastro

Maria Lima

29/04/2017

 

 

Presidente da Câmara considera que ambiente está ‘radicalizado’

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ao GLOBO que ainda não analisou o mérito da lei de abuso de autoridade, mas avaliou que, como o ambiente está “radicalizado”, talvez não seja a melhor hora para votar nem esse projeto, nem o do fim do foro privilegiado, aprovados no Senado na última quarta-feira. Maia vai discutir o trâmite do projeto de abuso na semana que vem com os líderes.

— É preciso parcimônia, o ambiente está muito radicalizado. Muitos dizem que não é o momento de tratar de abuso de autoridade. Talvez também não seja o melhor momento de tratar do foro. Mas o abuso eu quero ouvir os líderes na semana que vem para saber se eles acham que já está maduro para levar para o plenário ou se é melhor discutir primeiro na comissão — afirmou.

As mudanças na lei de abuso aprovadas no Senado limitam o uso de algemas, a condução coercitiva, os horários e meios utilizados no cumprimento de mandados de busca e apreensão. Além disso, punem quem deixar de relaxar prisões “ilegais” e quem prolongar “sem motivo justo” prisões temporárias.

— Já veio um monte de deputado que é policial me pedir para relatar essa matéria — afirmou Maia, negando-se a identificá-los.

Embora alegue desconhecer os detalhes do projeto, Maia tem dito que concorda com alguns pontos do texto aprovado pelos senadores, como o artigo que pune quem divulgar gravações de investigados com o intuito de “ferir a honra ou imagem” da pessoa ou se o material estiver sob sigilo. São os chamados “vazamentos”, condenados quase que de forma unânime pelos políticos.

Já o fim do foro é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que tem de ser votada em dois turnos no Senado e em dois turnos na Câmara. O texto aprovado na primeira votação acaba com o foro privilegiado de cerca de 35 mil autoridades no país. Como está o texto, o foro privilegiado fica restrito aos presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal (STF), da Câmara e do Senado.

Na Câmara, alguns parlamentares têm defendido mudanças no texto, como a permanência de medidas cautelares contra políticos no âmbito do Supremo Tribunal Federal. O argumento é que, se um juiz de primeira instância puder decretar prisões sob o argumento de se tratar de uma prevenção, haveria uma “caça às bruxas” de juízes locais contra políticos locais com quem têm rusgas.

Numa previsão otimista, o relator da PEC que acaba com o foro privilegiado por prerrogativa de função, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), acha que a votação em segundo turno no plenário do Senado deve acontecer por volta do dia 10 de maio. Pelo regimento, o prazo de três sessões deliberativas necessárias entre o primeiro e o segundo turnos começa a ser contado depois da leitura do resultado da primeira votação. Como às quintas-feiras geralmente não há sessão deliberativa, o prazo venceria daqui a duas semanas. Se a mudança for aprovada no Senado e na Câmara, em dois turnos, dos 76 inquéritos abertos contra parlamentares na Operação Lava-Jato, 74 desceriam para a primeira instância. Somente dois, os dos presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Maia, ficariam no STF.

RANDOLFE CRITICA GILMAR

Randolfe lamentou as críticas do ministro Gilmar Mendes, do STF, à extinção do foro para cerca de 35 mil autoridades, que teriam seus processos enviados à primeira instância em seus estados. Gilmar disse que a medida pode levar à prescrição dos crimes dos políticos poderosos.

—É o ministro Gilmar sendo Gilmar. O Congresso não pode fugir a sua responsabilidade de fazer essa mudança histórica, cobrada pela população. É lamentável que um ministro do Supremo questione a legitimidade do Congresso para fazer essa mudança — reagiu Randolfe.

Essa semana, a PEC do fim do foro, de autoria do senador Álvaro Dias (PVPR), foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no mesmo dia no plenário, por 75 a 0. Gilmar disse ter ficado muito “desconfiado” com a euforia com que se votou a suspensão do foro e afirmou que as instâncias de primeiro grau não têm estrutura para dar conta dos processos dos parlamentares sem que prescrevam.

Randolfe avalia que, nessa fase, embora o regimento permita, não deverão ser apresentadas novas emendas. As emendas apresentadas no primeiro turno pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), e por Roberto Rocha (PR-MA) e Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), foram rejeitadas.

— Regimentalmente, tenho dúvidas se eles podem reapresentar as mesmas emendas, porque já foram rejeitadas e votadas — disse Randolfe.

O globo, n.30581 , 29/04/2017. País, p. 6