Prescrição está distante para salvar delatados

Eduardo Bresciani

29/04/2017

 

 

Políticos citados pela Odebrecht e com inquéritos no Supremo só começam a se beneficiar a partir de 2022

 

Esperança de alguns políticos que passaram a ser investigados com base na delação de executivos da Odebrecht, a prescrição dos processos ainda é uma possibilidade distante. Levantamento do GLOBO mostra que, nos casos de 95 dos 96 investigados em inquéritos sem sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF), os crimes só começam a prescrever em 2022; para 33 deles, isso só ocorrerá em 2030.

O cálculo da prescrição dos crimes é feito com base na pena máxima da infração apontada e de acordo com os critérios definidos no Código Penal. A contagem de prazo para a prescrição só é interrompida no momento em que a denúncia é aceita pela Justiça. Nos casos da delação da Odebrecht, o crime que tem a prescrição mais rápida é o de falsidade ideológica eleitoral, tipificação usada para enquadrar o caixa dois. Como a pena máxima é de cinco anos, a prescrição ocorre em 12 anos, pelas regras do Código Penal. O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) é acusado de ter recebido caixa dois somente em 2006 e, por isso, pode se livrar da investigação se uma eventual denúncia não for recebida pelo Supremo até o ano que vem. É o único caso que pode ser beneficiado nesta década.

Os senadores Aécio Neves (PSDBMG) e Romero Jucá (PMDB-RR), que respondem a cinco inquéritos cada um na delação da Odebrecht, são exemplos dos que só se beneficiarão caso o julgamento não ocorra até 2030. Em todos os inquéritos dos dois as acusações envolvem os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que só prescrevem 16 anos depois do fato.

No caso do tucano, a suspeita de desvios na cidade administrativa de Minas Gerais prescreverá em 2023, mas o inquérito que trata de desvio de recursos para a sua campanha à Presidência em 2014 só será afetado se não houve desfecho até 2030. Para Jucá, o primeiro caso que poderia prescrever, em 2026, é o de recebimento de propina em troca de ajuda à Odebrecht nos leilões de usinas no rio Madeira; os dois inquéritos relativos a recebimento de propinas pela aprovação de diferentes Medidas Provisórias só prescrevem em 2030.

 

PRESIDENTES DA CÂMARA E DO SENADO

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), também estão no grupo dos que demorarão para ser salvos pela prescrição. Os dois respondem a um inquérito juntos por supostamente terem recebido propina em troca de auxílio à Odebrecht na aprovação da Medida Provisória 613. Como Rodrigo recebeu o último pagamento em 2013, a acusação contra ele prescreveria em 2029, enquanto que para Eunício há registro de repasse em 2014, o que levaria a prescrição para 2030. No caso de Maia, ele responde a outro inquérito em que é acusado de receber recursos em troca de ajuda à empreiteira no Rio e no Congresso e, nesse caso, a prescrição só ocorrerá em 2030. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), responde a quatro inquéritos e, como também é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, os casos contra ele só prescreverão em 2029 e 2030.

Poderão se beneficiar do instituto em 2022 somente 19 dos investigados. Destes, 13 são acusados de prática de caixa dois nas eleições de 2010 e os demais de crimes de corrupção e lavagem realizados no ano de 2006. Entre os que podem se beneficiar nesta data estão o governador do Acre, Jorge Viana (PT), e os senadores Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), todos investigados por caixa dois, e o ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT), e o deputado Alfredo Nascimento (PR-AM), suspeitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

 

PRAZOS MUDAM PARA QUEM TEM 70 ANOS

O ex-ministro e senador José Serra (PSDB-SP) foi acusado de ter recebido propinas de € 1,59 milhão e R$ 6,25 milhões de 2006 a 2009. O dinheiro teria sido pago em contas no exterior. Seu caso só prescreve em 2028.

O levantamento não considerou mudanças nos prazos que ocorrem quando o investigado completa 70 anos. Nestes casos, o cálculo da prescrição é cortado pela metade. Com base nisso, o ministro Edson Fachin já devolveu ao procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, sete pedidos de inquéritos para que ele avalie se a prescrição já ocorreu. São os casos, por exemplo, do ministro da Cultura, Roberto Freire (PPS), dos senadores José Agripino (DEM-RN), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) e Marta Suplicy (PMDB-SP) e do deputado Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE).

O benefício da prescrição poderá ainda ser aplicado em outras instâncias do Judiciário. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foi acusado de ter recebido recursos da Odebrecht para suas campanhas até 1997. O caso foi remetido para a Justiça Federal de São Paulo sem que a Procuradoria-Geral da República analisasse em qual crime se enquadraria. Mas independentemente de a acusação ser por caixa dois ou corrupção o caso estaria prescrito, uma vez que o tucano já tem 85 anos.

O mesmo pode ocorrer com o ex-presidente José Sarney. Ele foi acusado de ter recebido recursos desviados da Ferrovia Norte-Sul no ano de 2009. O caso foi encaminhado à Justiça Federal de Goiás, onde já há apuração sobre o tema. Como já tem 87 anos, o prazo de prescrição cai à metade, e ele pode se livrar neste ano, ainda que a acusação seja de corrupção.

No caso dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Fernando Collor, o instrumento não deverá ser aplicado em breve porque as acusações feitas pelos delatores são de crimes que teriam sido praticados nesta década.

O globo, n.30581 , 29/04/2017. País, p. 8