Título: Justiça intervém em TV do Grupo Clarín
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 21/12/2011, Mundo, p. 19

Mais de 50 policiais armados ocupam empresa e recolhem documentos, enquanto juiz nomeia coadministrador. Ação teria partido de empresa aliada de Cristina Kirchner

Um fato sem precedentes, que se inscreve na "sistemática campanha de perseguição do governo nacional contra as empresas do Grupo Clarín". Assim Lorena Marino, gerente de comunicações externas da Cablevisión, classificou a invasão da sede da principal tevê a cabo da Argentina — de propriedade do Clarín. Por volta das 10h (11h em Brasília) de ontem, mais de 50 policiais armados ocuparam o nono andar do prédio, no bairro de Barracas, em Buenos Aires. Só saíram dali 3 horas e 15 minutos depois, levando uma série de documentos. Segundo o jornal Clarín, toda a ação foi registrada por emissoras do governo.

Walter Bento, o juiz da província de Mendoza que ordenou a busca, designou o contador Enrique Anzoise como interventor para atuar como coadministrador da Cablevisión. O novo capítulo da disputa entre a presidente Cristina Fernández de Kirchner e as empresas de comunicação privadas teve como mote uma denúncia apresentada pela empresa Supercanal, uma operadora de TV a cabo de Mendoza que mantém laços com o kichnerismo e é controlada pelo grupo Vila-Manzano.

Em entrevista ao Correio, por telefone, o jornalista Sergio Danishewsky, editor-chefe de Conteúdos Digitais do Clarín, disse considerar a intervenção "bastante estranha". Segundo ele, o pivô da ação judicial teria sido a compra da empresa de TV a cabo Multicanal pela Cablevisión, em 2008. "A Cablevisión se tornou a operadora mais importante do mercado e toda a negociação foi feita com a ordem expressa do ex-presidente Néstor Kirchner, que era muito amigo e tolerante com o Clarín", explica. "A aquisição foi repudiada pelas outras companhias, que denunciaram prática de monopólio. A Supercanal decidiu entrar com um pedido de busca de documentos da Cablevisión", acrescenta Danishewsky.

O juiz federal Walter Bento disse ao jornal El Sol que o objetivo da operação policial em Barracas é desfazer a fusão comercial entre a Cablevisión e a Multicanal. O magistrado ressaltou que a negociação violou as normas sobre a Lei nº 25.156, também conhecida por Lei de Defesa da Competição. "O caso não está fechado. O Grupo Clarín apelará dessa medida. A decisão foi tomada apenas na primeira instância", observa Danishewsky. O jornalista lembra que a Justiça jamais conseguiu reverter fusões entre empresas de comunicação. "O que ocorre aqui é um golpe para a liberdade de imprensa. O mesmo governo que apoiou a compra da Multicanal agora vê o Grupo Clarín como opositor e condena a negociação", emenda.

O editor do Clarín lembra que há 12 anos o grupo vem sofrendo uma série de retaliações do governo. "A perseguição ao jornal incluiu a proibição de publicação aos domingos e uma operação de invasão ao Clarín por parte de 300 inspetores, em 2009. Além disso, um ministro muito importante avisou que a provedora de internet Fibertel, do grupo, deixaria de existir após o término de sua licença. Também se inscreve nesse processo a lei de regulação do uso de papéis em diários, que tem prejudicado o Clarín e o La Nación", cita Danishewsky. Outro sinal de endurecimento de Cristina Kirchner em relação aos maiores diários da Argentina está na distribuição de publicidade oficial do governo. Ao apoiar os meios de comunicação públicos e os privados que se simpatizam com a Casa Rosada, Cristina tem escasseado os anúncios nos jornais críticos ao sistema. "Para se ter uma ideia, o Clarín recebe apenas 2% de toda a publicidade oficial do governo", explica o jornalista.

Para Facundo Galván, professor de ciência política e de relações internacionais da Universidad Católica Argentina, existe uma tensão entre o Grupo Clarín e o governo nacional. "Essa situação seria consequência da suposta violação da lei de monopólio", afirma ao Correio, por telefone. Ele lembra que Cristina Kirchner já avisou que sua política seria marcada por uma presença maior do Estado no controle do papel usado em jornais. "Há um enfrentamento midiático", assegura.