Valor econômico, v. 17, n. 4231, 07/04/2017. Brasil, p. A2

Mercosul tenta sair do marasmo e anuncia acordo de investimentos

 

Daniel Rittner

 

Os quatro sócios do Mercosul devem anunciar hoje sua primeira iniciativa concreta que rompe com anos de virtual paralisia e sem nenhum milímetro de avanço na integração regional. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai já acertaram a assinatura de um acordo para dar mais proteção e segurança jurídica aos investimentos de um país em outro do bloco. A Venezuela, suspensa desde dezembro do ano passado, não participou das negociações.

O Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos terá os mesmos moldes de outros nove acordos bilaterais firmados pelo governo brasileiro desde 2015. Na semana passada, o primeiro tratado - com o Peru - foi aprovado em caráter final pelo Senado e já pode entrar em vigência. Um de seus avanços mais relevantes é dar tratamento nacional aos investidores estrangeiros oriundos do país signatário do acordo.

A assinatura está sendo comemorada como um sinal de dinamismo do Mercosul após um longo período de marasmo. Para o secretário de Comércio Exterior, Abrão Neto, o acordo tem uma relevância especial. "É a região que representa o principal destino de nossos investimentos e mostra claramente que o bloco ainda tem capacidade de fazer entregas relevantes", disse o secretário. Segundo ele, haverá um aprimoramento do ambiente de negócios com o novo protocolo.

Os sócios do Mercosul trabalhavam com a expectativa de só anunciar o acordo em meados deste ano, possivelmente em junho ou julho, quando deve ocorrer a reunião de cúpula que transmitirá a presidência rotativa do bloco da Argentina para o Brasil. No entanto, em uma atitude surpreendente, o Paraguai, que ainda manifestava dúvidas em relação ao protocolo de investimentos, aceitou firmá-lo.

Ao contrário dos tratados bastante difundidos nos anos 1990, que chegaram a ser assinados pelo governo brasileiro à época e nunca foram aprovados pelo Congresso Nacional, os acordos de cooperação e facilitação têm cláusulas bem menos hostis e buscam a prevenção de conflitos.

Uma das grandes diferenças é que eventuais divergências passam primeiro por um "ombudsman" nomeado pelos países signatários para facilitar entendimento entre as partes. Se não houver solução, o contencioso passa a ser entre os dois Estados. Com isso, elimina-se a polêmica cláusula investidor-Estado, que já provocou mais de seis centenas de processos em âmbito global.

Com essa cláusula, multinacionais podem acionar diretamente tribunais estrangeiros - como uma câmara especializada do Banco Mundial - para dirimir seus conflitos. Três quartos dos contenciosos investidor-Estado até hoje foram contra países em desenvolvimento e economias emergentes, sendo que os países da América Latina e do Caribe representam 29% dos casos. A Argentina foi uma das vítima preferenciais após o "default" de 2002.

O Brasil já tem acordos de cooperação e facilitação de investimentos com países como México, Chile e Angola. Outro tratado no âmbito do Mercosul, que deve dar tratamento nacional às empresas participantes de licitações públicas, está em fase adiantada de negociação. A expectativa do governo brasileiro é assinar o protocolo de compras governamentais até o fim deste ano.

Os ministros de Comércio do Mercosul se reúnem, em Buenos Aires, desde terça-feira. Eles também participam da edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial e fazem, junto com os chanceleres, uma reunião hoje com a Aliança do Pacífico - México, Chile, Colômbia e Peru.

"Queremos transmitir uma mensagem clara de aproximação entre os dois blocos", afirmou o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira. Ele teve encontros paralelos com os ministros de Economia e Comércio do México e do Peru.

Com o mexicano Ildefonso Guajardo, confirmou a realização de uma nova rodada de negociações em junho para avançar na ampliação do acordo comercial entre os dois países. Há uma tentativa de aumentar o número de produtos beneficiados com descontos nas alíquotas de importação. Hoje são apenas 792 itens. Busca-se, no mínimo, triplicar a abrangência do acordo.

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Fórum Econômico Mundial deve ser em SP em 2018

 

Daniel Rittner

 

A próxima edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial deve ocorrer em São Paulo. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) se encontrará hoje em Buenos Aires com o fundador e presidente do fórum, Klaus Schwab, para acertar os detalhes.

Se for confirmado o anúncio da capital paulista como sede do evento, em 2018, será um retorno ao Brasil após sete anos de distanciamento. O fórum, conhecido pela reunião anual que congrega a elite global em Davos (Suíça), organiza também edições regionais.

A versão da América Latina veio ao Rio em 2011, mas houve decepção entre os organizadores. Na ocasião, a ex-presidente Dilma Rousseff desfez o combinado e não esteve presente. Para receber o fórum, exige-se que o chefe de Estado ou de governo, bem como uma cota expressiva de autoridades, marque presença e faça parte das discussões.

Depois do Rio, o evento já foi para diversas outras cidades da região, como Lima (Peru), Cancún (México), Cidade do Panamá e Medellín (Colômbia). Desta vez, Buenos Aires foi escolhida graças à proximidade criada entre o presidente Mauricio Macri e os organizadores. Semanas após sua posse, Macri foi um dos "queridinhos" em Davos, no ano passado.

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Chile e México prometem reagir a Trump com mais abertura

 

Daniel Rittner


México e Chile, os dois países latino-americanos que mais assinaram tratados de livre comércio nas duas últimas décadas, prometeram responder às ameaças protecionistas do americano Donald Trump com mais abertura. Afinal, conforme disse o ministro das Relações Exteriores do Chile, Heraldo Muñoz, os efeitos da liberalização comercial para seus cidadãos são amplamente benéficos.

Ele mostrou que desde 1990, quando começaram a ser assinados esses acordos, o nível de pobreza caiu de 39% da população para os atuais 11%. A renda per capita subiu de US$ 5,8 mil anuais para US$ 24 mil. "Seguir no caminho da abertura nos parece absolutamente fundamental", disse Muñoz, em mesa-redonda sobre comércio no Fórum Econômico Mundial.

Para o chileno, uma das possibilidades de avanço é entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul, que fazem hoje uma reunião de alto nível em Buenos Aires. São dois blocos de naturezas distintas e não seria realista falar em "fusão", mas pode-se negociar, no limite, até a livre circulação de pessoas nos oito países-membros.

Antes de pensar alto, o ministro brasileiro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, elencou quatro áreas que podem receber ações de curto prazo na relação Aliança do Pacífico-Mercosul: desburocratização de procedimentos aduaneiros, convergência de normas técnicas e sanitárias, regras de origem, mecanismos de apoio às micro e pequenas empresas.

Citando dados da Cepal, Pereira lembrou que as exportações dos países latino-americanos caíram 5% e as importações encolheram 9% em 2016. Mas isso, destacou o ministro, nem é tanto perto da queda de 20% no comércio intrarregional no ano passado.

O ministro da Economia do México, Ildefonso Guajardo, não se preocupou com meias palavras. "Temos que reagir com força às incertezas que vêm de Washington sobre o futuro das políticas comerciais", afirmou. Segundo ele, os governos mexicanos adotaram um caminho sem volta.

"Não estamos dispostos a jogar fora o capital político que colocamos nas negociações [de livre comércio]", disse Guajardo. Para ele, a integração regional pode se fortalecer: "É uma oportunidade histórica e temos que aproveitar o alinhamento que existe na América Latina".