Congresso quer reforma para garantir reeleição

Igor Gadelha e Isadora Peron

16/03/2017

 

 

A DELAÇÃO DA ODEBRECHT/ A Temer e ao presidente do TSE, cúpula do Legislativo propõe lista fechada e novo fundo

 

 

Temendo os efeitos negativos da Operação Lava Jato sobre as eleições de 2018, a cúpula do Congresso quer aprovar uma proposta que privilegia a reeleição dos atuais deputados e dificulta a renovação de nomes na Casa. O objetivo é garantir a manutenção do foro privilegiado dos parlamentares em meio ao avanço da investigação da Lava Jato. Sem o foro, as apurações que hoje tramitam no Supremo Tribunal Federal poderiam passar a ser conduzidas na primeira instância, inclusive pelo juiz Sérgio Moro.

A proposta dos presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é aprovar uma reforma política que altere o sistema eleitoral para que os deputados passem a ser eleitos por meio da chamada lista fechada. A medida - que não teria efeito no caso dos senadores, cuja eleição é majoritária - foi discutida durante reunião com o presidente Michel Temer e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, ontem no Palácio do Planalto.

No encontro, eles também trataram de um novo modelo de financiamento de campanha. A ideia é criar um “fundo eleitoral”, abastecido com recursos públicos do Tesouro, para bancar campanhas. “O financiamento de pessoa jurídica volta no Brasil? Não. Nós temos cultura de financiamento de pessoa física? Não. Vamos ter que caminhar para o financiamento público. Democracia precisa de dinheiro”, disse Maia após a reunião.

Gilmar ressaltou porém que o novo modelo de financiamento só pode ser alterado se houver mudança no sistema eleitoral. “Não adianta nada falar de criar um sistema público de financiamento com o sistema que temos hoje de lista aberta.”

Segundo técnicos do TSE, o sistema de votação por lista fechada reduziria os custos de campanha, pois a propaganda política deixa de ser individualizada e passa a ser do partido. Apesar de promover a reunião no Planalto e apoiar a discussão, Temer reiterou que cabe ao Congresso analisar a questão e não pretende patrocinar nenhum tipo de proposta.



Lista fechada. Pelo sistema proposto, o eleitor vota no partido, que define previamente os candidatos que serão eleitos em ordem de prioridade. Hoje, o eleitor vota direto no candidato. Eunício e Maia defendem, porém, uma regra de transição para que, na eleição de 2018, os atuais deputados sejam os primeiros das listas da legendas.

Para valer na próxima eleição, a proposta tem de ser aprovada até 02 de outubro.

A prioridade é apontada nos bastidores como uma maneira de aumentar as chances de aprovação do sistema de lista fechada. “É única chance que você tem de aprovar isso. Seria apenas para a próxima eleição”, defendeu o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA). De acordo com ele, uma das ideias é estabelecer que os atuais deputados sejam ordenados na futura lista de acordo com o número de votos que obtiveram em 2014.

No entanto, há resistência de alguns parlamentares. O líder do PT, Carlos Zarattini (SP), disse que o partido sempre apoiou o sistema de lista fechada, mas fez críticas à ideia de dar prioridade para os atuais parlamentares. “Acho difícil passar, é uma coisa que vai levar a uma indignação pública”, afirmou.



Inconstitucional. Um dos decanos da Câmara, em seu 11.º mandato, Miro Teixeira (Rede-RJ) disse que a prioridade na lista para os atuais deputados é inconstitucional. Ele lembrou que, em 2002, o STF indicou essa inconstitucionalidade, ao suspender dispositivo de lei eleitoral que permitia a chamada candidatura nata, ou seja, o direito de detentores de mandato de deputado ou vereador de terem assegurado o registro de suas candidaturas à reeleição . “Ela fere o princípio da igualdade na disputa”, afirmou Miro. “Todo mundo sempre se preocupa em se reeleger. Mas, dessa vez, acrescenta-se a questão de tentar manter o foro.” 
O líder do DEM, Efraim Filho (PB), disse preferir o sistema em que o eleitor vota no candidato.

 

Encontro. Eunício, Temer, Gilmar e Maia se reuniram no Palácio do Planalto para discutir temas da reforma política

 

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DEBATE - É o momento para o Congresso levar adiante uma reforma política?

José Álvaro Moisés

16/03/2017

 

 

É o momento para o Congresso levar adiante uma reforma política?

SIM

A reforma política é uma urgência no Brasil. O modelo de financiamento de campanhas eleitorais vigente até há pouco alimentou a corrupção, degradou o sistema político e desequilibrou a competição eleitoral. Agora, sob impacto das revelações da Lava Jato, a urgência se atualiza. O momento é adequado para a reforma? Ela não será feita sob a égide do instinto de autodefesa dos citados nas delações? O risco é evidente. As articulações apressadas dos presidentes da República, do TSE, do Senado e da Câmara, simultâneas ao envio da segunda Lista de Janot ao STF, abrem margem para dúvidas. O problema, contudo, é que não existe momento ideal para a reforma. Sempre haverá forças a querer influenciá-la em defesa de seus interesses. O que importa, portanto, é saber de que reforma se trata, qual a sua natureza. Nesse caso, manter a proibição da influência do poder econômico nas eleições é fundamental.

 

DIRETOR DO NÚCLEO DE PESQUISA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

 

 

ALDO FORNAZIERI

É o momento para o Congresso levar adiante uma reforma política?

NÃO

Apesar de o País necessitar de uma reforma política há quase duas décadas, o atual Congresso não tem legitimidade para aprová-la. A sua omissão tem sido sistemática a ponto de obrigar o Judiciário a preencher as lacunas nessa matéria. Neste momento, vários deputados e senadores estão sob o crivo de suspeições, investigações e indiciamentos.

Realizar a reforma agora seria, inevitavelmente, contaminá-la pelas injunções de interesses imorais de muitos deputados e senadores.

Há que se considerar que os próprios partidos e demais instituições carecem de legitimidade social. Congresso, partidos e a Presidência da República têm menos de 10% de aprovação popular.

Para não deixar feridas sangrando e sequelas que demorarão anos para serem consertadas, o bom senso indica que somente instituições políticas relegitimadas pela soberania popular deveriam adotar decisões estratégicas que terão grande repercussão para o futuro do Brasil.

 

PROFESSOR DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45075, 16/03/2017. Política, p. A7.