Valor econômico, v. 17, n. 4231, 07/04/2017. Política, p. A6

Projeto do ministro da Defesa anula poder do TCU em acordo de leniência

 

Murillo Camarotto
 

Um projeto de decreto legislativo de autoria do ministro da Defesa, Raul Jungmann, deputado federal licenciado (PPS-PE), exclui a participação do Tribunal de Contas da União (TCU) nos acordos de leniência negociados entre o Ministério da Transparência (antiga CGU) e as empresas acusadas de desvios de recursos públicos.

Apresentado em 2015, o projeto foi desengavetado pelo relator, Vicente Cândido (PT-SP), e seu relatório estava prestes a ser votado na quarta-feira pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.

A votação foi adiada a pedido do deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA). O parlamentar disse tratar-se de uma questão delicada e combinou com Cândido de retomar a votação na semana que vem.

"Cheguei à convicção de que valeria a pena retirar. Não existe mais aquele conflito entre TCU e CGU. Nenhuma das instituições isoladas conseguiria realizar todas as análises para a tomada de decisão mais justa", disse Edmilson, que se reuniu com alguns técnicos do TCU.

O objetivo do projeto é anular a Instrução Normativa nº 74, criada pelo TCU em fevereiro de 2015 para disciplinar a participação do órgão nos acordos de leniência. Pelo que ficou definido, o tribunal deveria acompanhar cada fase do acordo, desde a manifestação do interesse até a proposta final e a assinatura.

Nas justificativas do projeto, o agora ministro da Defesa disse que, além de ser "casuística", a instrução normativa extrapola os limites das competências do tribunal. "A mencionada instrução, em razão da sua natureza jurídica, terá efeito vinculante em relação a todos os acordos firmados com base na Lei 12.846/2013, caracterizando verdadeira inovação legislativa, competência esta da qual a Corte de Contas não dispõe", diz Raul Jungmann. O ministro foi procurado, mas afirmou, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar.

A exclusão do TCU, em tese, facilitaria o trabalho do Ministério da Transparência, que apesar de estar trabalhando há mais de dois anos nos acordos de leniência ainda não assinou nenhum. Entre os principais entraves está, justamente, a dificuldade na obtenção do aval da Corte de contas para os valores de ressarcimento previstos nos instrumentos.

Enquanto o Ministério da Transparência detém a competência legal para fazer acordos administrativos, cabe ao Ministério Público Federal celebrar os acordos judiciais. O MPF já assinou com três protagonistas da Lava-Jato: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.

Alegando risco de quebrarem, as empresas que já assinaram acordos com o MPF não querem ter que desembolsar mais dinheiro em um acordo com o Ministério da Transparência, o que tem dificultado as negociações. Outro problema foi a recente aproximação entre o TCU e o MPF, que isolou a antiga CGU.

Em uma jogada estratégica, o TCU usou sua prerrogativa de declarar empresas inidôneas para ganhar protagonismo nas negociações. Depois de condenar sete empreiteiras, o tribunal fez um acerto com a força-tarefa da Lava-Jato, no qual se comprometeu a não declarar inidôneas empresas que tenham assinado com o MPF desde que elas contribuam com as investigações do TCU e reparem os danos apontados nos processos do tribunal.

Com isso, um eventual acordo com a antiga CGU perdeu "valor de mercado" para as empresas, pois não daria as garantias suficientes de que elas não seriam declaradas inidôneas pelo TCU.

A relação entre o tribunal e a CGU azedou ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, quando a Controladoria entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para não ser obrigada a compartilhar informações dos acordos com o TCU. A liminar, posteriormente derrubada, foi concedida pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Desde então, os dois órgãos tiveram uma relação conflituosa em relação aos acordos de leniência.