Valor econômico, v. 17, n. 4231, 07/04/2017. Especial, p. A12
Governo cede em cinco pontos da reforma
 
Raphael Di Cunto
Edna Simão,
Andrea Jubé
Cristiane Bonfanti
Bruno Peres

 

Sem saída, o governo redefiniu a estratégia de comunicação e decidiu anunciar ontem a flexibilização de cinco pontos da proposta de reforma da Previdência Social. O parecer ao projeto será apresentado no dia 18 de abril pelo relator, deputado Arthur Maia (PPS-BA), mas as resistências dos deputados da base vêm crescendo e colocando em risco a aprovação da matéria, prioridade do presidente Michel Temer.

Serão alteradas a regra de transição, aposentadoria do trabalhador rural, os regimes especiais para policiais e professores, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) - para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda - e as pensões. Segundo Maia, a idade mínima de 65 anos é "um ponto definitivo". "São mudanças na direção de atender as pessoas menos favorecidas e acabar com os privilégios", afirmou.

O discurso de preservar os mais vulneráveis foi repetido à exaustão após reunião de Temer com o relator, o presidente da comissão, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, da Casa Civil, Eliseu Padilha, e do Governo, Antonio Imbassahy. O tom atende reclamações da base de que é preciso "construir uma narrativa" de defesa da reforma que não seja focada apenas na necessidade de sanear as contas.

Temer interrompeu a reunião para desencadear a estratégia em entrevista ao apresentador José Luiz Datena na Rádio Bandeirantes - ouvido pelas camadas mais populares - e dizer que autorizou o relator a fazer acordos nos pontos mais sensíveis, "desde que se mantenha a idade mínima, que é o que aconteceu em vários países". O presidente ainda tratou do assunto em entrevista à imprensa e gravou vídeo para redes sociais.

Ficou decidido que nenhum benefício previdenciário pagará menos que um salário mínimo por questão de "justiça social". A proposta original permitia que isso ocorresse nas pensões porque o beneficiário ficaria com apenas 60% do valor caso não tenha filhos. A PEC também desvincula o BPC do salário mínimo, sem estabelecer regra de reajuste, o que visava reduzir o valor dos pagamentos, que somam R$ 45 bilhões por ano.

Nos dois casos, será garantido pelo menos o salário mínimo. O relator só analisa, segundo contou a parlamentares, uma regra para diferenciar o BPC - que não exige tempo de contribuição - da aposentadoria por idade. A PEC pretendia elevar o acesso dos idosos ao BPC de 65 anos para 70. Mas para não deixar essa população desassistida, e ao mesmo tempo não ser injusto com quem contribuiu, está sendo avaliado pagar 50% para quem pedir o BPC aos 65 anos. Esse valor subiria 10 pontos percentuais ao ano até chegar ao valor integral para quem aguardasse até os 70 anos para solicitar o auxílio.

Maia também informou a parlamentares que permitirá o acúmulo de pensões e aposentadorias, o que, pela PEC, estaria proibido e o segurado deveria optar por apenas um dos benefícios. Mas ainda discute o limite que será fixado. PSDB e do SD defendem que seja o teto do INSS, hoje de R$ 5.531,31, para não prejudicar a classe média. O governo defende valor menor, de até dois salários mínimos (R$ 1.874,00), com o argumento de que a maioria da população estaria contemplada e evitaria um impacto maior nas contas públicas.

A regra de transição, um dos pontos mais polêmicos e complexos, ainda é discutida. A proposta do governo é que homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos sejam afetados com um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para solicitação da aposentadoria. Os com menos idade seriam integralmente atingidos e teriam que completar 65 anos de idade com 25 anos de contribuição.

Há duas alternativas sendo estudadas e que podem acabar até sendo combinadas na versão final. Mas todas consideram que, para aumentar o número de beneficiados, aqueles que estavam mais próximos da aposentadoria pelas regras da PEC terão que trabalhar a mais. "Como estamos defendendo que ninguém deve se aposentar com 50 anos, não faz sentido manter uma regra que permite alguém receber o benefício com 51 anos", disse Marun. "É o que eu defendo, que tenha uma regra mais justa."

Uma das possibilidades prevê a combinação entre a idade e o tempo de contribuição, privilegiando quem entrou mais cedo no mercado de trabalho. Outra é variar a idade mínima para quem estiver dentro da regra de transição (que, no modelo mais generoso, começaria a partir dos 40 anos para os homens e 35 para as mulheres - mas equipe econômica defende uma restrição maior, para os com mais de 43 anos. A Fazenda ainda faz as contas para medir o impacto.

Outro recuo é que os trabalhadores rurais manterão um tratamento diferenciado. Atualmente eles têm idade mínima de 60 anos para homens e 55 para mulheres. O relator afirmou que isso deve ser preservado ou, pelo menos, que a elevação na idade seja menor. Está em discussão, também, que o tempo de contribuição exigido para esses casos seja de 20 anos.

O governo também está disposto a "preservar condições diferenciadas" para os professores e policiais. Segundo Maia, essas duas categorias, por características próprias, foram historicamente contempladas com condições diversas. A fórmula ainda é discutida. Seria uma idade mínima menor que a geral, mas também mais elevada que hoje. Esses são dois dos principais focos de preocupação e, por isso, o governo já chegou até a anunciar que os servidores dos Estados e municípios com regime próprio de previdência poderão adotar regras próprias em até seis meses.

A equiparação da idade mínima de aposentadoria para mulheres é ponto central para o governo e não será alterada no relatório, afirmou Maia. Articuladores do governo, contudo, dizem que há forte pressão da bancada feminina, com 43 deputadas na base, além dos homens. Se isso não for alterado, dizem, há sério risco de derrota em plenário.

O governo não deseja vender as concessões como derrota e a versão definitiva das mudanças será anunciada em reunião de Temer com o relator e a base, numa tentativa de amarrar o apoio dos partidos e dizer que a proposta está sendo aperfeiçoada. "Prestar obediência ao que o Congresso Nacional sugere - e o Congresso é o centro das aspirações populares - não pode ser considerado recuo", rebateu Temer.

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Redução do apoio na Câmara alarma o Planalto

 
Raymundo Costa
Raphael Di Cunto

 

Principal esteio de sustentação do governo Temer, desde o impeachment, a Câmara dos Deputados já não responde às demandas do Palácio do Planalto como fez ano passado, quando as matérias de seu interesse foram aprovadas, às vezes, com até 366 votos, como ocorreu na votação da PEC do teto de gastos. Só nas últimas semanas, o governo perdeu pelo menos em três projetos importantes, o que é uma péssima sinalização para a votação da reforma da Previdência. E na quarta-feira teve que adiar a votação do projeto de repactuação das dívidas dos Estados, porque não tinha segurança dos 257 votos necessários à aprovação.

É o pior momento do governo na Câmara. A explicação mais comum é que a pauta de 2017 é mais complicada que a pauta de 2016, por tratar de temas que afetam diretamente a vida das pessoas, como aposentadorias e a relação de trabalho. Mas a eleição de 2018 já exerce influência sobre a opinião dos deputados, o que o presidente Michel Temer só esperava ver mais para o fim do ano. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai ao Nordeste e diz que o governo está retirando direitos da população. A agenda do governo, aparentemente, lhe dá razão - e afugenta deputados.

As duas explicações parecem válidas, mas há outras, sendo a principal delas a descoordenação política do governo. Pelo menos três das derrotas sofridas pelo governo, nas últimas semanas, são debitadas na conta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Entre os deputados brinca-se também que o único ministério com porteira fechada na Esplanada é o da Secretaria de Governo: o PMDB fechou a porteira e deixou o ministro Antonio Imbassahy, que é do PSDB, do lado de fora. A derrota sofrida pelo Centrão na eleição de Rodrigo Maia também não foi ainda totalmente digerida. No ano passado, Temer zerou o passivo das emendas parlamentares, mas já voltou para o vermelho.

O cenário pode ser mais ameaçador para o governo, se tiver razão o deputado Rogério Rosso (PSD-DF). Segundo Rosso, é a reforma da Previdência que está contaminando todas as votações. Pauta central do governo e da mídia, a reforma tem levado pressão diária. "Fui dar entrevista sobre o projeto do Uber e no fim estavam me colocando na parede por causa da Previdência", diz um parlamentar favorável.

A diferença no comportamento da Câmara fica mais evidente quando se compara as votações do projeto da terceirização. Em 2015, sob a presidência do ex-deputado Eduardo Cunha, o projeto foi aprovado por 324 votos a favor, 137 não e duas abstenções. O texto votado no fim de março teve 231 sim, 188 não e oito abstenções. Ou seja, contra a opinião do governo (a presidente era Dilma Rousseff), Eduardo Cunha conseguiu quase 100 votos a mais que a proposta agora apoiada - e mal trabalhada, segundo os aliados - pelo Planalto. Os votos contrários e as abstenções também cresceram.

Os últimos resultados negativos dão uma dimensão do problema do governo. Semana passada, o Planalto tentou aprovar uma proposta que autorizava universidades públicas a cobrarem por cursos de pós-graduação lato sensu (MBA). O governo orientou voto favorável, mas faltaram quatro votos e a matéria foi ao arquivo. Foram 304 a favor, dos 308 necessários, mesmo número que será necessário para a Previdência.

Um dia antes o Executivo já havia sofrido derrota mais dura na medida provisória que criou o programa Cartão Reforma. Com apoio das bancadas do PSB e PSD, além de dissidentes de outros partidos da base, o PT aprovou emenda para aumentar de 10% para 20% os recursos destinados a residências localizadas em área rural. O governo era contra e bateu o pé, mas a mudança foi aprovada por 245 a 179.

Esta semana, todos os partidos da base fecharam acordo em torno do projeto para regulamentar o Uber e aplicativos afins, mas, na hora da votação, valeu a pressão dos taxistas e duas emendas da oposição se sobressaíram. Sem atuar diretamente, o governo liberou a base, mas no dia seguinte se apressou a defender o texto original e veto às alterações.

Na quarta-feira, a bancada do Rio Grande do Norte reuniu-se com padres do Estado e o assunto não foi outro. "Ameaçaram dizer na missa de domingo que quem votar na reforma não merece voto no ano que vem", conta outro deputado.

Reina entre os deputados a sensação de que o Senado tem aproveitado para posar de bom-moço em cima do desgaste da Câmara. Dão exemplo. A Câmara aprovou projeto para regulamentar a terceirização há dois anos, com mais salvaguardas para os trabalhadores. O Senado sentou em cima. Os deputados votaram outro projeto, com menos garantias, e então os senadores disseram que iriam votar emendas para melhorar o texto.

Essa percepção está mais presente com as críticas diárias do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), à proposta da Previdência. "A bancada está muito propensa a seguir a orientação do líder do partido do presidente no Senado", ironiza o líder do SD, deputado Áureo (RJ). Entre os pemedebistas, contudo, a análise é que Renan não tem força para barrar o projeto no Senado e, portanto, joga com a pressão em cima da Câmara.

Sob o comando de Eliseu Padilha (Casa Civil), o Planalto articula a reação. Além das concessões feitas aos partidos no texto da reforma, o governo negocia cargos e vai abrir o cofre das emendas parlamentares. É possível que o próprio Temer recorra à televisão para defender a proposta. O importante para o Palácio do Planalto é aprovar a reforma, mesmo mitigada. Mas o humor de quem o colocou no Palácio do Planalto e tem assegurado seus melhores momentos no governo, o Congresso, se não mudou está pelo menos instável.