TCU manda governo mudar Iniência com empreiteiras

Fábio Fabrini

17/03/2017

 

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria- Geral da União (CGU) altere os processos de negociação de acordos de leniência para corrigir irregularidades e impedir o que considera favorecimento a empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato. Conforme antecipou o Estado, a corte detectou que a pasta concedeu benefícios indevidos às empresas, suspeitas de fraudar licitações, superfaturar contratos e pagar propinas no governo federal.

Após três anos de Lava Jato, o Executivo ainda não firmou com as construtoras envolvidas no esquema de desvios de recursos da Petrobrás nenhum acordo de leniência – espécie de delação premiada de pessoa jurídica. A leniência permitiria às investigadas evitar punições administrativas, como a proibição de participar de licitações, em troca de ressarcir os cofres públicos pelos desvios.

Por ora, as empresas chegaram a entendimentos com outras instituições, como o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), evitando apenas as penalidades que cabem a esses órgãos.

A decisão do TCU, aprovada em sessão sigilosa na quarta-feira, proíbe o Ministério da Transparência de suspender os processos de investigação abertos contra as empreiteiras quando elas manifestam o interesse em fazer os acordos de leniência.

Para os ministros do Tribunal, a prática contraria a Lei Anticorrupção, que prevê os acordos, e contribui para que os ilícitos atribuídos às empresas prescrevam sem que haja a apuração adequada.

O TCU também determinou que, ao contrário do que vinha ocorrendo, a pasta agora verifique se a empresa que propôs o acordo foi a primeira a confessar o ato lesivo. Trata-se de um pré-requisito, previsto na lei, para que o processo seja possível.

 

‘Interesses’. O ministério terá ainda de excluir dos memorandos de entendimento firmados com as empreiteiras cláusulas que, no entendimento do TCU, “atestam a possibilidade” de “obter crédito e subsídios” de bancos e outros órgãos federais, mesmo tendo desviado recursos públicos.

“A impressão que se colhe, ainda que de forma precária, é de certo açodamento tendente a favorecer os interesses da pessoa jurídica em seus negócios com o Estado. Não há no esquadro normativo da LAC (Lei Anticorrupção) qualquer orientação nesse sentido, uma vez que o memorando visa a estabelecer as condições necessárias à celebração do futuro acordo de leniência, com o objetivo de ampliar o leque investigatório, apurar atos ilícitos e quantificar o dano causado aos cofres públicos federais”, escreveu no voto apresentado ao plenário o ministro Walton Alencar, relator do processo.

Os ministros do TCU impuseram várias outras restrições. A colaboração das empresas, ao propor um acordo, não poderá mais ter limite de dois anos. A Transparência também não poderá considerar sanadas ilegalidades e prejuízos à administração pública que nem sequer apurou.

O TCU detectou indícios de que foi o próprio governo que procurou as empresas da Lava Jato para tratar de acordos de leniência, e não o contrário. A corte abriu na quarta-feira um processo específico para apurar as responsabilidades pelas falhas, no qual serão ouvidos o ex-ministro interino e ex-secretário executivo da CGU Carlos Higino Ribeiro de Alencar e o ex-secretário-geral de Consultoria da Advocacia-Geral da União (AGU), Fernando Luiz Albuquerque Faria. Eles exerceram os cargos no governo da petista Dilma Rousseff.

Se o tribunal entender que os dois cometeram irregularidades, poderá aplicar multas e até inabilitá- los para o exercício de cargos em comissão e funções de confiança.

Alguns ministros da corte sustentam que a atual gestão, iniciada em maio do ano passado, deveria ter corrigido as supostas irregularidades ao assumir e não descartam, eventualmente, convocar autoridades que estão no comando da Transparência atualmente para se explicar.

As determinações foram feitas em processo que analisou o caso da OAS. Como mostrou o Estado, na semana passada, a proposta de acordo feita pela empresa foi rejeitada pelo governo após um ano e meio, sob o argumento de que a empreiteira não colaborou efetivamente.

O Ministério da Transparência informou que não comentaria a decisão, que cabe recurso na própria corte.

 

“Impressão é de certo açodamento a favorecer a pessoa jurídica.”

Walton Alencar, ministro do TCU e relator do processo

 

PARA ENTENDER

A ‘delação’ para pessoa jurídica

Acordo de leniência

É instrumento semelhante à delação premiada, por meio do qual empresas envolvidas em ilícitos aceitam colaborar com o poder público, em troca de penas mais brandas nas esferas administrativa e judicial. No Brasil, esse acordo pode ser feito com órgãos distintos.

 

Ministério da Transparência

A pasta, que inclui a Controladoria- Geral da União (CGU), está autorizada, juntamente com a Advocacia-Geral da União (AGU), a celebrar acordos de leniência pela Lei Anticorrupção, em nome do governo federal.

 

TCU

Tribunal de Contas da União não tem competência para, por si só, fazer um acordo de leniência, mas pode, isoladamente, cobrar restituição de danos ao erário, aplicar multas e proibir empresas de participar de licitações federais.

 

Cade

Órgão antitruste vinculado ao Ministério da Justiça pode negociar benefícios com pessoas físicas e jurídicas que cometam infrações contra a ordem econômica, como formação de cartel.

 

Ministério Público Federal

Também faz acordos, mas não pode, isoladamente, assegurar à empresa celebrante o benefício de continuar fechando contratos com o poder público

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Pasta tem 15 comissões relacionadas a desvios 

17/03/2017

 

 

O Ministério da Transparência informou, em nota, que não comentaria a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). Em comunicado divulgado recentemente em seu site, a pasta alegou que as tratativas dos acordos são “complexas”. Ao citar a suspensão de processos de investigação, criticada pelo tribunal, registrou que “respeita as opiniões em contrário e pretende tratar do assunto na via própria, segundo critérios técnicos”.

“A princípio, (a Transparência) não vê justificativa para que uma empresa, ao mesmo tempo, no âmbito da negociação de um acordo de leniência, reconheça o ilícito e colabore com a investigação, e no âmbito do PAR (processo de responsabilização), preste depoimento no qual negue o ilícito e atue em contraditório para evitar uma punição”, argumentou.

A pasta informa que há 15 comissões de negociação de acordos de leniência, incluindo as da Lava Jato. Alega que tem atuado “intensamente” para que os processos “tenham a menor duração possível”. “Esse trabalho se intensificou nos últimos meses, considerando que havia processos cuja duração estava longe da ideal. Para tanto, foram redimensionadas as equipes, constituiu-se comissão de apoio técnico para auxiliar as comissões (de negociação) e estabeleceu- se um cronograma de acompanhamento dos trabalhos das comissões”, explica.

A AGU, em nota, informou que desconhece a sessão reservada do TCU.

Carlos Higino Ribeiro de Alencar disse que não há irregularidade na suspensão de processos de responsabilização e que esse e outros procedimentos seguiram orientação das comissões de investigação. “Os procedimentos adotados por todos os ministros foram absolutamente de acordo com a lei”, afirmou.

A gestão de Higino foi marcada por embates com o TCU sobre os acordos de leniência. Servidores da Transparência atribuem as críticas da corte aos conflitos institucionais.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45076, 17/03/2017. Política, p. A4.