Valor econômico, v. 17, n. 4231, 07/04/2017. Finanças, p. C1

Bancos tentam viabilizar consignado do FGTS

 

Flavia Lima

 

O uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia adicional ao crédito consignado privado foi regulamentado pela Caixa Econômica Federal nesta semana sem atender a principal demanda dos bancos - o bloqueio dos 10% do saldo do FGTS no momento em que o empréstimo é tomado. O setor, no entanto, não deu a batalha como perdida.

Fonte a par das discussões afirma que a Caixa ainda está em fase de definição sobre como - e se - será possível fazer o controle das garantias e isso vem sendo discutido no âmbito da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). "A linha é boa, mas ainda requer alguns pontos de esclarecimento que estão sendo discutidos no âmbito da Febraban", diz o interlocutor. As discussões abordam desafios tecnológicos e jurídicos.

O principal ponto em discussão é o desenvolvimento de sistema para tornar a linha operacional e rápida. A Caixa teria deixado claro que não tem condições de fazer esse bloqueio dos 10% do saldo agora porque o banco de dados do FGTS é muito grande e o desenvolvimento tecnológico não ocorreria de um dia para outro.

"A gente entende isso, mas, por outro lado, queríamos ter essa garantia", diz outra fonte do setor. O bloqueio evitaria que o tomador usasse os recursos do fundo para comprar um imóvel - ou de acordo com os outros casos previstos em lei - antes que o empréstimo fosse totalmente pago, o que fragilizaria a garantia.

Os bancos, no entanto, não abandonaram essa possibilidade e, segundo essa fonte, a Caixa estaria em fase de definição de como vai fazer o controle das garantias. Questionada, a Caixa se limitou a explicar as novas regras.

Segundo o setor, a não retenção de 10% do saldo do FGTS assim que o empréstimo é fechado - assim como a liberação dos saldos inativos do fundo e até mesmo irregularidades nos depósitos por parte do empregador diante do cenário econômico ruim - pode tirar força do produto. O acesso à multa de 40% sobre o saldo do fundo em caso de demissão sem justa causa preocuparia menos porque o pagamento dela está nas mãos do empregador.

Com uma taxa de inadimplência de 5% em dezembro, bem acima dos calotes registrados pelo consignado público (2,2%) e pelo INSS (1,9%), o consignado privado foi a única linha que diminuiu em todos os períodos analisados pelo Banco Central (mês, trimestre, ano e 12 meses). A queda mais significativa ocorre em 12 meses, com uma baixa de 6,3%.

Com um estoque de R$ 18,4 bilhões, ou 6% do saldo total do segmento, o crédito consignado privado deve continuar apresentando crescimento mais tímido. Relatório do Bradesco, assinado pela economista Daniela Cunha de Lima, prevê alta de apenas 0,4% para o consignado privado neste ano, em razão de mais ajuste esperado para o mercado de trabalho.

O grande destaque, segundo Daniela, fica por conta da linha de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS, que, por questões demográficas, deverá apresentar desempenho superior ao do consignado para servidores públicos e ao do privado. A expectativa para a linha é de crescimento de 12,3% em 2017. Para o consignado público, a projeção é de alta de 4,2%, puxada pela normalização esperada do pagamento dos servidores públicos.

Com um estoque de R$ 291,4 bilhões, o empréstimo com desconto em folha é a principal linha voltada à pessoa física, à frente do cartão de crédito. E, segundo especialistas, o consignado deve continuar crescendo como um todo, acima de outras linhas, mesmo em meio à recessão econômica e problemas fiscais enfrentados por Estados e municípios que, em alguns casos, atingiram o pagamento de salários aos servidores públicos.

Desde 2011, ano em que dados mais completos são disponibilizados pelo BC, o consignado cresceu mais de 10 pontos percentuais, de 25% para 36,2% em 2017 da carteira total de pessoas físicas recursos livres. A força do movimento fica mais visível ao constatar que, no mesmo período, o crédito pessoal convencional manteve a participação na carteira total, ao redor de 12%.

Edson Pascoal Cardozo, diretor de empréstimos e financiamento do Banco do Brasil (BB), afirma que o consignado vinha andando de lado em janeiro e fevereiro, mas mostra alguma reação em março, "o melhor mês até agora para o consignado INSS e o público", diz. Atrás apenas da Caixa, a carteira do BB cresceu 0,8% em março sobre fevereiro. Segundo dados do BC, a Caixa tem R$ 63,9 bilhões em consignado, e o BB, R$ 62,7 bilhões.

Embora uma alta de 0,8% da carteira pareça modesta, Cardozo diz que o movimento é significativo. Ele explica que, além das novas contratações, como o prazo médio da carteira é superior a 60 meses, há também muitas amortizações sendo feitas, com origem em contratos bem maiores fechados em 2014 e 2015. "Na carteira nova, a gente verifica uma velocidade menor de contratação, mas que aumentou bastante a partir de março", diz. "Esperamos continuar crescendo com consistência."

O consignado, que no início era oferecido principalmente pelos bancos médios, foi engolido pelos grandes em um movimento cujo ato mais emblemático foi a compra, pelo Itaú Unibanco, de toda a participação na parceria com o BMG, por R$ 1,46 bilhão em dezembro.

Tradicionalmente forte nos bancos públicos, que detêm a folha de pagamento de muitos governos regionais, o consignado também ganha tração nos privados. O grupo, especialmente nos últimos dois anos, elegeu a linha como uma espécie de antídoto contra a alta da inadimplência, em uma estratégia, do ponto de vista de gestão de risco, bastante acertada.

Os cinco maiores no segmento hoje - Caixa, BB, Itaú, Bradesco e Santander - têm juntos cerca de 80% do total em consignado. A participação dos privados, que em meados de 2014 era de 39% deste total, subiu para 43% em 2015 e hoje está ao redor de 44,5%.

A despeito da fraqueza do mercado de trabalho, os bancos veem o consignado privado como um produto estratégico para a obtenção de folhas de pagamento de empresas privadas. E a garantia adicional recentemente regulamentada - o saldo de 10% do FGTS e a multa de 40% sobre o saldo do fundo em caso de demissão sem justa causa - pode ajudar neste crescimento.

O BB diz que está avaliando as novas regras e os ajustes operacionais necessários. "Há um mercado interessante no consignado privado que vale a pena olhar com carinho e a linha com FGTS como garantia vem ajudar", diz Cardozo.

Para Eduardo Jurcevic, superintendente-executivo do Santander, dado que a questão da maior rotatividade do trabalho é crucial nas concessões do consignado privado uma garantia a mais na hora de fazer a rescisão. "Vamos começar os contatos e construir isso com as empresas."