A DESCULPA DO CAIXA 2

Cleide Carvalho

Dimitrius Dantas

Thiago Herdy

Gustavo Schmitt

28/04/2017

 

 

Cabral diz que usou sobras de campanha; Adriana fala em relacionamento ‘matrimonial, não financeiro’

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral alegou ontem, em depoimento ao juiz Sergio Moro, que usou, para benefício próprio, sobras do caixa 2 destinado para abastecer sua campanha eleitoral ao governo do Rio. Ao explicar como pagou por produtos de luxo — como termos de grifes e joias, por exemplo —, Cabral disse que o uso de caixa 2 “é um fato da vida nacional”. O ex-governador se negou a responder a perguntas de Moro. Ficou em silêncio quando perguntado se estava arrependido de sua conduta, e apenas se pronunciou em questionamentos feitos por sua própria defesa. No depoimento, procurou eximir sua mulher, Adriana Ancelmo — também ouvida ontem —, de qualquer responsabilidade sobre o uso de recursos indevidos. Ela, por sua vez, disse que desconhecia a origem do dinheiro.

— Vossa Excelência tem ouvido aqui muitas observações a respeito de caixa 2, sobras de campanha. Isso é um fato. É um fato da vida nacional. Reconheço esse erro. São recursos próprios e recursos de sobra de campanha, de caixa 2. São com esses recursos, nada a ver nem com a minha mulher e muito menos com essa acusação de Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) — disse ele, negando que tivesse recebido dinheiro de propina referente ao esquema de corrupção no complexo.

Apesar de mencionar apenas caixa 2 no depoimento de ontem, Cabral responde por uma série de crimes. Na Operação Eficiência, ele é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter recebido, em 2011, segundo o Ministério Público Federal, US$ 16,5 milhões em propina do empresário Eike Batista, também preso. A investigação sustenta que o valor foi pago em troca da facilitação de interesses de Eike no Rio. Na mesma operação, Cabral é réu por ter cometido crime de lavagem de dinheiro 184 vezes. De acordo com o MPF, Cabral e a organização que ele comandava ocultaram R$ 39,7 milhões no Brasil; US$ 100,1 milhões no exterior; € 1 milhão em diamantes; US$ 1 milhão também em diamantes; US$ 247,9 mil em barras de ouro. Os valores ocultados no exterior alcançam R$ 317,8 milhões, segundo a Justiça.

 

EX-GOVERNADOR SE DIZ “INDIGNADO”

Cabral defendeu a mulher o tempo todo:

—Minha mulher não tem responsabilidade sobre esses gastos. Não tem ligação nenhuma com as pessoas que estão aí. Me sinto indignado com o nome dela vinculado a esses fatos.

Adriana Ancelmo, por sua vez, afirmou jamais ter desconfiado da origem dos recursos usados para pagar suas contas e que, desde que casou com o exgovernador, foi orientada a mandar todas as contas a pagar para a secretária dele, que, segundo ela, era quem a responsável por decidir como fazer pagamentos. Ao responder se sabia o valor do salário do marido, disse que achava se tratar de R$ 20 mil, mas que ele tinha uma consultoria e recebia dividendos.

— Meu relacionamento é matrimonial, não econômico-financeiro — afirmou ela.

A ex-primeira-dama admitiu ter participado da compra de móveis e itens de luxo comprados por meio de nota fiscal emitida em seu nome nos últimos anos. Mas negou ter participado do pagamento dos itens, tampouco saber a razão de o marido usar depósitos fracionados e em espécie.

— Tudo aquilo que fosse pertinente à casa, aos filhos e à família, eu, na condição de mulher, acabo tendo essa atribuição também, fazia esse trabalho. De escolha de mobiliário, de reformas, de trocas de armários, enfim, o que fosse necessário — disse a mulher de Cabral.

Sérgio Moro perguntou se ela desconfiava da origem dos recursos usados para blindar carros do casal, financiar móveis de um home office ou ternos encomendados para o marido sob medida, que custaram mais de R$ 280 mil.

— Não sei exatamente qual o montante que o Sérgio tinha quando nós nos casamos, como ele não sabia o que eu tinha. (...) Nosso relacionamento era de absoluta confiança. Eu, em momento nenhum, questionei ele porque estava trazendo uma pessoa para medir um terno para ele, e ele adquirir esse terno. Eu não sabia o preço de um terno da Ermenegildo Zegna. Nunca o questionei sobre isso — afirmou a Adriana.

Abatido, mas algumas vezes sem esconder o sorriso, o ex-governador disse defender o debate que se faz hoje sobre caixa 2 nas campanhas:

— Não posso negar que houve uso de caixa 2 e uso de sobras de campanha, de recursos. Em função de eu ter sido um político com desempenho eleitoral forte no estado e esses fatos são reais.

Cabral afirmou que seu governo tinha uma relação “muito difícil" com a Petrobras. Questionado sobre sua relação com o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, que teria autorizado os pagamentos de propina a Cabral, respondeu que era apenas institucional.

— Tínhamos questões na Justiça por maiores receitas de royalties e participações especiais. Pelo Campo de Libra, a Petrobras pagou muito a menor do que achávamos ser o nosso direito. Pagamentos de ICMS. Tivemos muitos embates com a Petrobras no início da nossa gestão. Isso se aguçou em 2009, quando houve a proposta da legislação do pré-sal.

Também ouvido ontem, o ex-secretário de Governo da gestão Cabral Wilson Carlos negou ter participado de reuniões para acertar propina que irrigaria o alto escalão do governo e afirmou que mantinha um estilo de comando “de portas abertas" na secretaria, o que explicaria por que ele recebia frequentes visitas de operadores. Confrontado com gastos altos de cartão de crédito ou com o aluguel de uma casa de veraneio, afirmou bancar as despesas da família para, mais tarde, ser ressarcido por parentes.

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Ex-subsecretário de Saúde do Rio: esquema começou no Into

Em delação, Cesar Romero relata benefícios à Delta e mesadas a funcionários

Novos trechos da delação premiada do exsubsecretário estadual de Saúde Cesar Romero revelam como eram feitos os desvios de dinheiro na secretaria durante a gestão de Sérgio Côrtes, nos governos de Sérgio Cabral. O esquema começou no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into). As informações são da TV Globo.

Cesar Romero era braço-direito de Côrtes, preso na Operação Fatura Exposta. Ele disse que, no início de 2007, foi apresentado pelo secretário a Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta. Côrtes teria dito que a Delta tinha interesse em fazer a obra da nova sede do Into, mas que seria necessário alterar três cláusulas do edital. Cavendish, então, deu a Romero um documento com a nova redação dos trechos do edital a serem alterados.

Romero também contou que o empresário Miguel Iskin, também preso na Fatura Exposta, convenceu 20 empresas estrangeiras a participar de licitações fraudadas no Into. Segundo a delação, as empresas formavam o “clube do pregão internacional”, no qual decidiam quem venceria cada concorrência, em esquema de rodízio. O edital de cada licitação só era divulgado pelo instituto depois que tudo estava combinado.

Ainda de acordo com o delator, Côrtes e Iskin foram a Brasília e conseguiram incluir o fornecimento de equipamentos na regulamentação do Projeto Suporte, para adquirir de próteses e equipamentos destinados às regiões Norte e Nordeste, cujas compras privilegiavam o empresário. As licitações tinham exigências técnicas que só as empresas de Iskin podiam cumprir.

Quando Côrtes assumiu a Secretaria Estadual de Saúde, em 2007, nomeou Romero para a subsecretaria e levou o esquema de fraude em licitações para a pasta. Segundo Romero, as empresas contratadas pela secretaria pagavam 10% de propina.

Quem participava do esquema recebia recompensas como viagens internacionais e até mesadas em dinheiro, de valores entre R$ 5 mil e R$ 20 mil, que eram pagos na casa de Iskin ou pelos funcionários de Gustavo Estellita, sócio de Iskin e também preso por participação no esquema de fraudes. Iskin nega participação em qualquer atividade ilícita. A defesa de Côrtes afirma que ele vai “elucidar fatos” no momento oportuno.

 

O globo, n.30580 , 28/04/2017. País, p. 3