Queda de braço na previdência 

Geralda Doca, Eduardo Barretto, Martha Beck e Catarina Alencastro 

12/04/2017

 

 
 
Deputados tentam suavizar regras de transição; equipe econômica resiste para ter efeito fiscal

BRASÍLIA - As negociações do governo com o Congresso em torno da reforma da Previdência estão tensas e esbarram em um ponto fundamental da proposta para as contas públicas, que é a regra de transição. O único consenso neste item é que a linha de corte por idade, de 50 anos para homem e 45 anos para mulher, prevista no texto original, será abandonada. Em seu lugar, serão fixadas idades mínimas para a aposentadoria que vão subindo, em um prazo a ser determinado, até chegar aos 65 anos.

Enquanto os parlamentares querem suavizar ao máximo a fase da transição, a equipe econômica tenta restringir o prazo e o universo de trabalhadores contemplados, para evitar reduzir o efeito fiscal da reforma. Segundo um ministro que participou da reunião ontem do presidente Michel Temer com líderes dos partidos, o relator da proposta, deputado Arthur Maia (PPS-BA), fez uma apresentação genérica dos ajustes na regra de transição, sem apresentar números fechados. Não apontou, por exemplo, para qual grupo de trabalhadores a idade mínima de 65 anos seria obrigatória.

— Ninguém entendeu muito bem a apresentação do relator. Ele disse que a regra de transição será diferente, que haverá idade mínima para quem antes não tinha essa obrigatoriedade, mas não deu maiores detalhes sobre os mais jovens — disse a fonte.

Pela proposta original, a idade mínima de 65 anos seria obrigatória para homens com menos de 50 anos de idade e mulheres com menos de 45 anos, independentemente do tempo de contribuição — o que atingiria a maior parcela da força de trabalho do país. Os demais ficariam na regra de transição e poderiam se aposentar pelas regras atuais, pagando um pedágio, que seria o adicional sobre o tempo de contribuição que falta.

Depois do encontro com Temer, apenas o relator e o presidente da comissão especial da Câmara, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), falaram com os jornalistas. Não havia ninguém pelo governo. Arthur Maia disse que a regra de transição poderá valer para todos os trabalhadores com mais de 30 anos — o que reduziria bastante o corte proposto anteriormente pelo governo.

Segundo cálculos do especialista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rogério Nagamine, se isso prevalecer, serão retirados das regras permanentes um universo de 27,8 milhões de segurados — o que pode comprometer a economia pretendida com a reforma. Os números são baseados na Pnad/IBGE.

No início da reunião com os líderes, Temer disse que as concessões vão exigir novas mudanças na aposentadoria em um prazo de 20 anos. O texto original assegurava o controle das despesas com benefícios por 30 anos a 40 anos.

— Confesso que o projeto original que nós mandamos é uma reforma que visa a 30, 40 anos. Se não pudermos fazer por 30, 40 anos, faremos por 20 anos — disse Temer.

IDADE E TETO: ESPINHA DORSAL DA REFORMA

Ao ser perguntado sobre isso, o relator respondeu que não faz essa conta:

— A conta que eu faço é que nós temos que aprovar a reforma possível.

Ele minimizou as alterações na proposta original, alegando que serão preservados dois pontos cruciais da reforma: idade mínima e teto do INSS (hoje em R$ 5.531) ara as aposentadorias de todos os trabalhadores:

— Esses pontos são a espinha dorsal da reforma.

Nos bastidores, técnicos da equipe econômica temem que as concessões se ampliem, o que vai elevar os custos dos ajustes na reforma, estimados inicialmente em R$ 115 bilhões. Ao deixar a reunião, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, comentou que a cada concessão será preciso incluir uma contrapartida para segurar os efeitos fiscais da reforma:

— Estamos trabalhando para fazer uma reforma de fato, que tenha condições de assegurar o equilíbrio fiscal e não aumentar as despesas da Previdência com proporção ao PIB (Produto Interno Bruto). Senão, não conseguimos equilibrar as contas.

Mais tarde, Meirelles reiterou que, se o governo tiver que fazer concessões muito maiores, será preciso adotar medidas para compensar essas perdas:

— A princípio, são mudanças que mantém a ideia do ajuste fiscal e do equilíbrio das contas públicas. O que já tínhamos olhado é (uma perda) entre 15% e 20% do benefício da primeira proposta, o que está dentro do razoável. Se houver mudanças muito maiores e mais substanciais do que já foi conversado, aí seria necessário medidas compensatórias. Mas, até o momento, está dentro do que nós estávamos esperando.

Segundo o ministro, a ideia inicial era conseguir reduzir gastos entre R$ 750 bilhões a R$ 800 bilhões em dez anos.

Só para se ter uma ideia das idas e vindas, primeiro se cogitou fixar idade mínima progressiva de 55 anos (mulheres) e 57 anos (homens). Ontem, ganhou força a sugestão de iniciar essa progressividade com 53 anos (mulheres) e 58 anos (homens) — como uma forma dar um tratamento diferenciado para as mulheres, que já se aposentam com essa idade em média. Já a equipe que assessora o relator fazia simulações de 52 anos (mulher) e 57 anos (homem).

O assunto foi discutido novamente ontem à noite, em reunião no Palácio do Planalto com o relator, o presidente da comissão especial da reforma e ministros e técnicos envolvidos na discussão. Marun afirmou que não houve avanços. Segundo ele, só dá para dizer que o valor cairia dos 50% previstos no texto original para 30% ou 40% sobre o tempo de contribuição. Este requisito se somará à idade mínima definida para cada faixa etária na regra de transição.

Os parlamentares também querem alterar a regra de cálculo da aposentadoria, que passaria a ser de 60% sobre a média das contribuições, mais 1 ponto percentual (pp) por ano adicional de contribuição. O texto original previa percentual de 51% sobre as melhores contribuições, mais 1pp por ano adicional de contribuição. A ideia é desmistificar que o trabalhador terá que contribuir por 49 anos para receber o benefício integral.

Já outras alterações no texto original, como regras mais amenas para aposentadorias rurais, benefícios assistenciais para idosos e deficientes de baixa renda, vedação para acumulação de pensão e aposentadoria e regras especiais para policiais e professores já estão praticamente acordados entre governo e líderes dos partidos.

Os parlamentares envolvidos nas negociações são unânimes ao dizer que as concessões vão facilitar a aprovação da reforma. Durante a reunião, Temer recebeu dos parlamentares a sinalização de que a reforma será aprovada, mantidas as modificações nos cinco pontos polêmicos. Sondagens das bancadas já apontariam um placar de 350 votos a 360 votos favoráveis — são necessários 308 (dois quintos da Casa) para modificar a Constituição.

‘O CONGRESSO VAI CONTINUAR FUNCIONANDO’

Segundo um participante do encontro de ontem, o PMDB, por exemplo, teria dobrado de 20 para 40 votos (de uma bancada de 65 deputados); o PSDB teria 30, com expectativa de aumento para quase 40 (de um total de 47). Entretanto, a contagem para valer começará a partir de segunda-feira, quando ficará pronto o parecer do relator.

Maia apresentará o texto à base aliada em jantar no Palácio da Alvorada. Os próprios líderes das bancadas afirmam nos bastidores que só depois de conhecido o relatório é que poderão cabalar votos.

O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, disse esperar que as aberturas de inquérito pelo relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, não atrasem os trabalhos no Congresso Nacional, principalmente a reforma da Previdência. Ele afirmou que não pode esperar outra reação dos parlamentares a não ser que o Congresso siga funcionando no mesmo ritmo.

— O Congresso, instituição, tem mantido um funcionamento e vai, mesmo nessas circunstâncias, continuar funcionando normalmente. Não pode ser de outra maneira. Os acontecimentos têm que seguir. As instituições prevalecem — declarou o ministro enquanto lia, no celular, a relação dos 108 nomes que tiveram inquérito aberto no Supremo.

Ao ser perguntado por jornalistas se haveria reunião sobre Previdência ontem à noite, em meio à divulgação da lista de Fachin, o ministro riu:

— Bom, eu estou aqui.

Na última quinta-feira, Arthur Maia anunciou que seu relatório teria alterações em cinco pontos: aposentadoria rural, benefício de prestação continuada (BPC), pensões, aposentadoria de professores e policiais, e regras de transição. Ainda não há detalhes sobre essas mudanças.

 

O globo, n. 30564, 12/04/2017. Economia, p. 25