Valor econômico, v. 17, n. 4232, 10/04/2017. Brasil, p. A3

Estatuto do BNDES limita dividendo à União

 

Francisco Góes
 

O novo estatuto do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), aprovado em assembleia geral de acionistas, estabelece pela primeira vez uma política de dividendos para o controlador, a União. Essa política não existia até o momento. A mudança assegura que parte do lucro líquido anual do BNDES seja mantido no caixa para dar suporte aos orçamentos da instituição. Pelo estatuto, um percentual mínimo de 25% de dividendos do BNDES será repassado à União, que poderá requerer, além disso, remuneração complementar de mais 35% do resultado. Preserva-se, assim, 40% do lucro ajustado do banco no exercício do ano anterior. A medida reforça a independência financeira do BNDES, segundo avaliação da própria instituição de fomento.

O novo estatuto social do BNDES faz parte da adaptação do banco à nova Lei de Responsabilidade das Estatais. O BNDES é a primeira estatal federal a adequar integralmente seu estatuto aos novos padrões de governança, controle e transparência exigidos pela lei, disse ao Valor o diretor da área jurídica do BNDES, Marcelo de Siqueira Freitas. É a maior reforma da estrutura societária do BNDES em 15 anos.

Freitas atua na Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU). Foi cedido ao BNDES em setembro do ano passado para ocupar a diretoria jurídica, criada pela atual administração. Ele disse que o BNDES não tinha até agora uma política de dividendos. A União, uma vez publicado o balanço do banco, definia quanto queria que o BNDES revertesse do resultado na forma de dividendo. E era comum, no passado, que se revertesse a quase totalidade do resultado do exercício anterior, o que terminava por descapitalizar o banco.

Na avaliação de técnicos, a política de dividendos dará maior previsibilidade ao banco sobre sua capacidade financeira. Ao ter um banco mais capitalizado, não haveria necessidade de aportes do Tesouro no BNDES, como aconteceu nos anos recentes. Essa seria uma consequência direta da mudança de ter no estatuto uma política de dividendos definida. Mas a motivação para a mudança foi a busca por maior independência financeira.

Segundo Freitas, outro aspecto relevante na governança do banco é a introdução de uma assembleia de acionistas. O relacionamento do banco com a União se dava via ministério supervisor, que já foi o Ministério do Desenvolvimento (Mdic) e hoje é o Ministério do Planejamento. Esse relacionamento com o controlador agora passa a ser feito via assembleia geral. "A União passa a orientar o BNDES dentro da assembleia e aí temos uma governança mais clara entre o controlador e a estatal [o banco]", disse Freitas. Quem vota pela União na assembleia do BNDES é a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e o voto é orientado pelo ministro da Fazenda.

Ao reforçar a política de governança, o BNDES também buscou profissionalização a gestão, com requisitos para que o controlador escolha membros do conselho de administração e da diretoria. No processo de mudanças, o conselho de administração do BNDES passou de 11 para 12 integrantes, sendo que três deles serão independentes, indicados pelo Ministério do Planejamento. Os nomes dos três ainda estão em processo de escolha. As atribuições dos membros do conselho passaram de 12 para 40.

"Os membros [de diretoria e conselho] não poderão ter atuação política recente", salientou Freitas. Pela lei das estatais, é vedada a indicação, para o conselho e a diretoria, pessoa que atuou, nos últimos 36 meses, em instância de partido político. Os membros do conselho e da diretoria também precisam ter experiência profissional mínima de dez anos.

A adaptação do BNDES à nova lei se dá em um momento em que a legislação, sancionada há nove meses, ainda não conseguiu impedir indicações partidárias em estatais, como o Valor mostrou semana passada.

O BNDES teria até junho de 2018 para fazer a adaptação à Lei de Responsabilidade das Estatais, mas fez um esforço de coordenação interna e externa (em especial, com os ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Fazenda) para alterar o estatuto. As medidas, aprovadas em assembleia em 20 de fevereiro, já estão em vigor. Freitas disse que o novo estatuto traz ganhos de confiança e credibilidade para as diversas partes interessadas do BNDES.

O novo estatuto criou novos órgãos colegiados estatutários, incluindo comitês de elegibilidade e de remuneração, além da assembleia geral. Segundo o banco, antes não havia regulação sobre conflito de interesses dos membros do conselho e da diretoria. Agora, caso isso ocorra, o conselheiro ou diretor deve se abster não apenas das deliberações, mas mesmo das discussões da matéria em que haja conflito.

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Infraestrutura terá fórum consultivo com TCU e legislativo

 

O governo quer implementar um fórum consultivo reunindo Executivo, Legislativo e o Tribunal de Contas da União (TCU) para discutir em conjunto as novas concessões de infraestrutura. A ideia é que esse fórum discuta os projetos de forma prévia para evitar problemas futuros depois do lançamento dos editais ou da realização das licitações. "O fórum deve ser implementado o mais rápido possível", disse Adalberto Vasconcelos, secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Ele vem discutindo a ideia do fórum com o TCU.

O ministro do TCU, Benjamin Zymler, disse que se o tribunal for convidado vai participar do fórum. Zymler destacou a importância de se instaurar um fórum consultivo como esse para que diferentes agentes discutam os problemas em conjunto e os encaminhem posteriormente para as instâncias de decisão. "É o que o Brasil não faz: deliberar em conjunto." Os órgãos de controle atuam como ilhas, disse Zymler.

Zymler será um dos painelistas hoje em seminário da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que vai debater os novos rumos das concessões e dos investimentos em infraestrutura no Brasil. O evento debaterá questões regulatórias e terá painéis específicos para discutir energia elétrica, telecomunicações, portos, aeroportos, rodovias e tributação no setor de concessões.

Para Vasconcelos, do PPI, ainda não está definido quem participará do fórum pelo Executivo, mas a ideia é que sejam áreas ligadas à logística, incluindo ministérios e agências reguladoras. Pelo Legislativo, participariam representantes das duas casas (Câmara e Senado), além do TCU. O fórum será um ambiente para tratar não só das novas concessões, mas também poderá discutir questões relacionadas às concessões em andamento.

Zymler, do TCU, disse que o fórum não substitui as instâncias decisórias do tribunal. "Mas o positivo é que os ministros e as equipes técnicas do tribunal poderão apresentar a priori suas dúvidas." O ministro afirmou que há hoje uma boa interação entre o PPI e os tribunais de contas. "Há uma abertura maior de informação que permite que o controle seja feito de forma mais rápida e eficiente."

Zymler avaliou que nenhum investidor vai deixar seu dinheiro aplicado em contratos de infraestrutura no Brasil, que são de 30-35 anos de vigência, sem que esteja seguro do retorno do investimento e da regulação jurídica associada a ele. Nesse sentido, a elaboração, na fase prévia das licitações, de bons estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, torna-se importante. "Percebemos, ao longo do tempo de atuação do TCU no controle das concessões [desde 1996], uma baixa maturidade dos estudos de viabilidade técnica e econômica", disse Zymler.

Na visão dele, a percepção das empresas sobre o TCU mudou. No início das concessões, em 1996, as empresas viam o TCU como um ente que queria criticar o modelo. "Hoje o TCU passou a fazer um controle mais suave, de mudança de modelagem, para que as agências reguladoras pudessem melhorar os estudos."