Relator no Senado cede parcialmente; lei de abuso deve ser votada hoje

Maria Lima 

26/04/2017

 

 

Requião flexibiliza regra que permite ação de acusados contra juízes

“Moro tem que trocar a erva. É uma piada”

-BRASÍLIA -Bastante irritado com os críticos, o relator no Senado do projeto que torna mais rigorosas as penas por abuso de autoridade, Roberto Requião (PMDB-PR), aceitou flexibilizar o artigo que tratava da possibilidade do acusado processar pessoalmente magistrados e investigadores. Ainda assim, Requião assegurou que não vai ceder em outro ponto polêmico da proposta, que cria o chamado crime de interpretação. O texto de Requião deve ser votado hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O presidente da CCJ, senador Edison Lobão (PMDBMA) acredita que o parecer de Requião será aprovado, sem novos adiamentos. Como está em regime de urgência, a votação no plenário do Senado poderia ocorrer ainda hoje.

— Acho que aprova amanhã (hoje). Já demorou demais, já se discutiu muito — disse Lobão.

O ponto que Requião aceitou mudar é considerado importante por investigadores. Apesar de no artigo o acusado continuar podendo representar contra o magistrado ou promotor, o relator alterou seu parecer e adotou o mesmo texto do Código de Processo Penal (CPP), que só autoriza esse tipo de ação privada caso o Ministério Público não se posicione após uma solicitação de quem se considera vítima.

— Pelo novo texto, que é idêntico ao CPP, quando o Ministério Público não tomar providência, a parte que se considerar injustiçada tem seis meses para entrar com uma ação privada. Isso vai acabar com a possibilidade de uma enxurrada de ações — disse Requião.

Requião atacou duramente os senadores do PSDB. O partido se reuniu ontem e definiu que só apoiará o texto se o relator acatar uma emenda do senador Ricardo Ferraço (PSDBES) que retira totalmente a possibilidade de punição por crime de hermenêutica (ou de interpretação), o ponto que procuradores e juízes dizem ser um tiro mortal na Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada em reunião da bancada. — Eu acredito que vota amanhã. Só vemos um problema na questão da hermenêutica, que vamos defender que seja retirada — disse o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Requião afirma que não vai aderir à tese dos tucanos. — Não vou aprovar emenda nenhuma do PSDB. Vão a p.q.p.! Que votem contra, e no dia seguinte o Moro prende todos eles se o projeto não for aprovado. Não é possível que o juiz faça a interpretação fora da lei. Eu fiz a minha parte. Estou de saco cheio! Queria que esse povo do PSDB todo estivesse em prisão provisória, aí queria ver se estariam criticando o relatório — disparou Requião. A posição do PSDB também irritou senadores petistas. O exlíder Humberto Costa (PE) acusa os tucanos de não “botarem a cara” na CCJ para defender e votar o projeto de abuso de autoridade, apesar de, segundo ele, estarem torcendo para ser aprovado.

— Essa galera toda está torcendo para o projeto ser aprovado, mas ninguém vai lá comissão botar a cara. Um bando de fariseus. Vamos ver amanhã — atacou Humberto Costa.

Apesar do tom elevado com os colegas tucanos, as reações mais duras se voltaram contra o juiz Sergio Moro, que criticou o relatório em artigo publicado ontem no GLOBO. No artigo, o juiz da Lava-Jato diz que o relatório de Requião afeta a independência das cortes de Justiça. Moro também destacou que ninguém é favorável ao abuso de autoridade, mas que é necessário que a lei contenha salvaguardas expressas para prevenir a punição do juiz — e igualmente de outros agentes envolvidos na aplicação da lei, policiais e promotores — pelo simples fato de agir contrariamente aos interesses dos poderosos. Requião disse que a vaidade de Moro estaria se sobrepondo à racionalidade.

— Moro tem que trocar a erva. Está fumando charuto com erva estragada e está fora do juízo. É uma piada. Achei absolutamente irracionais os argumentos usados por ele. Para ele, o juiz não precisa mais ter relação com o texto da lei. No artigo, Moro não disse a verdade. Assumiu uma posição corporativista. O juiz não pode ter essa liberdade toda que ele quer. Esses caras fazem concurso e acham que são Deus. O Moro tem certeza que é Deus — reagiu o relator.

Sergio Moro não comentou as declarações do relator.

 

O globo, n. 30578, 26/04/2017. País, p. 3