Pressão na base aliada

Geralda Doca 

Cristiane Jungblut

Letícia Ferndades

28/04/2017

 

 

Governo deve adiar votação da Previdência. Para ministro, é preciso tempo para convencer

 

Um dia depois da aprovação da reforma trabalhista, o Palácio do Planalto escalou uma tropa de choque, formada por líderes e vice-líderes dos partidos governistas na Câmara, para resgatar o apoio dos deputados da base aliada que votaram contra o projeto. A avaliação é que, estrategicamente, será melhor adiar a votação da proposta de mudanças na Previdência, porque, se a sessão fosse hoje, talvez não houvesse votos suficientes para aprová-la. Em entrevista ao GLOBO, o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, admitiu que poderá levar tempo até que a maioria qualificada esteja assegurada, porque os congressistas e a população ainda estão com o texto antigo na cabeça:

— A partir da aprovação da reforma na comissão especial que discute o tema, vai-se fazer um intenso trabalho de divulgação. Isso é uma tarefa de grande responsabilidade e que demanda tempo. A gente não sabe aferir se serão três semanas, se será um mês. Claro que quanto mais rápido votar, melhor para o país — ponderou Imbassahy.

O alerta sobre a falta de votos suficientes foi transmitido ao Palácio do Planalto pelos ministros que reassumiram seus mandatos para votar a reforma trabalhista. Segundo um deles, o Planalto precisar reforçar a explicação da nova proposta aos parlamentares e, principalmente, o corpo a corpo e o discurso de que não aceitará infidelidades.

A missão dada pelo presidente Michel Temer é fazer com que os rebeldes votem a favor da reforma da Previdência. O placar de 296 votos favoráveis para a reforma trabalhista ficou pouco abaixo dos 308 necessários para a aprovação das mudanças no sistema de aposentadoria, uma proposta ainda mais polêmica. Ontem, a data da votação da matéria na comissão especial da Câmara foi adiada de terça-feira para a quarta-feira que vem, dia 3 de maio, o que levou parlamentares e fontes do próprio governo a projetarem que a proposta só será apreciada em plenário na última semana de maio, e não mais no dia 15.

Segundo Imbassahy, o governo não quer estabelecer uma data exata para a aprovação da reforma. Primeiro, terá de trabalhar para esclarecer que a proposta mudou em vários aspectos, que os mais vulneráveis não serão afetados pelas mudanças e que um dos objetivos é combater os privilégios. O ministro afirmou que o resultado da votação da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados ficou dentro do mapeamento de votos desenhado pelo Planalto. A expectativa, disse, era ultrapassar os 287 votos obtidos na aprovação da urgência da matéria na semana passada, beirando os 300.

— Temos certeza de que, no momento em que o texto for do conhecimento de todos, o quórum constitucional será ultrapassado — destacou o ministro, que acompanhou a votação final da reforma ao lado de Temer.

Durante a votação da reforma trabalhista, emissários diretos de Temer foram avisados de que há problemas na bancada do PSDB, que, em almoço esta semana, mostrou-se resistente a vários pontos. Os tucanos consideram que ainda há itens problemáticos, como a concessão de pensão por invalidez permanente.

— São preocupações que esperam soluções — disse um deputado tucano ao interlocutor de Temer.

O governo também percebeu que, nas bancadas, há deputados que votaram a favor da reforma trabalhista, mas que não concordam com a proposta da Previdência. No mapa de votações da reforma trabalhista, houve 64 traições dos partidos da base, incluindo o PMDB — sete parlamentares votaram contra. O PSDB foi o mais fiel.

O grande desafio do governo, segundo avaliações de interlocutores do Palácio do Planalto, é garantir a manutenção dos 296 votos que teve na trabalhista e a presença de deputados que faltaram e poderiam ter ajudado, como alguns tucanos. Tudo isso em uma votação que ocorrerá em dois turnos, diferentemente da trabalhista.

A ofensiva de Temer passará por redirecionar os cargos para partidos e deputados que prometerem entregar votos na Previdência. Um dos casos mais flagrantes de legenda que não entregou votos foi o PTN, que ocupa a diretoria da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e praticamente não aumentou a adesão da bancada à pauta das reformas. A bancada do Pros também irritou o Planalto, com apenas um voto pró-reforma trabalhista em uma bancada de cinco deputados.

— Precisamos direcionar os cargos para pessoas que possam votar com o governo. Com o PTN, vamos ter que discutir a relação, eles ganharam a Funasa mas não entregaram votos. O Pros, mesma coisa. Por que tão pouco voto? — perguntou um interlocutor do presidente.

 

NA OPOSIÇÃO, PUNIÇÃO A QUEM VOTOU A FAVOR

Já em relação ao PSB, partido mais rachado da base e que deu mais votos contrários que favoráveis à aprovação da reforma trabalhista (16 a 14), o governo não espera conquistar mais votos. Acredita poder trazer mais um ou dois votos dos socialistas, mas admite que parte da bancada não mudará de posição.

— É um esforço muito grande que será feito nas próximas semanas, mas tem margem para o governo aprovar a Previdência — avaliou um assessor do Planalto.

Para isso, tanto os ministros como os líderes do governo e dos partidos da base já começaram a atuar. Um deputado do PMDB confidenciou ao GLOBO que um colega que votou contra a reforma trabalhista levou um puxão de orelha e foi convencido a mudar o voto a favor da reforma da Previdência. Todos estão no radar, inclusive os que fazem parte do chamado baixo clero. Além disso, contou o parlamentar, o recado é que haverá algum tipo de retaliação por parte do Planalto — o que faz parte do jogo, ressaltou.

— Aquele que tem certeza de que a reforma é boa para o país terá que convencer os demais deputados que estão contra — reforçou o vicelíder do PSDB na Câmara, Nilson Leitão (MT).

Segundo o deputado, que esteve ontem com Temer, apesar da aprovação da reforma trabalhista, o presidente está muito preocupado com a Previdência. O mapa de votação das mudanças nas leis trabalhistas, destacou, começa agora a ser analisado, bem como as dificuldades em obter os 308 votos necessários para a mudança das aposentadorias:

— Não há clima de tranquilidade. Será preciso fazer um trabalho árduo e duro.

Para o líder da Maioria, deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES), é preciso “decantar” o resultado da votação da reforma trabalhista. Segundo ele, o governo também precisa melhorar a estratégia de comunicação da reforma para vencer a batalha.

Na oposição, por outro lado, deputados que votaram a favor da reforma estão sendo punidos. Ontem, a Direção Nacional do PSB decidiu destituir de seus cargos regionais quatro deputados. Já o presidente do PDT, Carlos Lupi, divulgou nota anunciando a expulsão do deputado Carlos Eduardo Cadoca (PE), o único que votou a favor da reforma trabalhista.

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Governo central tem um rombo histórico de R$ 11 bilhões em março

Martha Beck
 
 
No primeiro trimestre, contas da Previdência registram déficit de R$ 40 bilhões

As contas públicas voltaram a ficar no vermelho em março. O governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou déficit primário de R$ 11,061 bilhões. Esse foi o pior resultado da série histórica, iniciada em 1997. O rombo cresceu 40,1% sobre 2016. No ano, o saldo negativo acumulado é de R$ 18,3 bilhões, também recorde para o período. Somente a Previdência apresentou rombo de R$ 40,1 bilhões nos três primeiros meses de 2017, o que significa um aumento de 31,5% em relação a 2016. Até o fim do ano, esse déficit deve atingir R$ 188,8 bilhões.

Em 12 meses, o déficit primário do governo central chega a R$ 156,5 bilhões, ou 2,44% do Produto Interno Bruto (PIB) — acima da meta fixada para 2017, de déficit primário de R$ 139 bilhões. Mesmo assim, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, assegurou que o governo vai cumprir o compromisso.

Ela lembrou que os gastos entre janeiro e março deste ano ficaram R$ 17,5 bilhões abaixo do que estava previsto na programação orçamentária. Segundo relatório divulgado pelo Tesouro, houve queda tanto nas receitas quanto nas despesas no primeiro trimestre — a arrecadação, porém, caiu mais. A receita líquida entre janeiro e março somou R$ 275,470 bilhões, com recuo nominal de 0,3% na comparação anual. Em termos reais (já descontada a inflação), a redução foi de 5%. Já as despesas atingiram R$ 293,767 bilhões, o que equivale a uma queda nominal de 0,2% e real de 4,9%.

 

O Tesouro também detalhou como está o comportamento das despesas em relação à regra do teto de gastos, que entrou em vigor este ano. Esta prevê que os desembolsos do governo não podem crescer acima da inflação do ano anterior. Para 2017, o aumento máximo é de 7,2%.

Segundo o relatório, o teto de 2017 é de R$ 1,301 trilhão. Deste total, já foram gastos R$ 285,92 bilhões, ou 21,96%. Esse número é diferente do desembolsado no primeiro trimestre porque a regra do teto exclui alguns itens, como transferências constitucionais e créditos extraordinários. TLP ENTRA EM VIGOR EM 2018 Os gastos do Executivo sujeitos ao teto cresceram 1,7% em relação a 2016. No entanto, nem todos os poderes estão dentro desse limite. Os gastos com Legislativo, por exemplo, subiram 10% até março, e com o Tribunal de Contas da União (TCU), 12,6%.

A secretária informou, ainda, que a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituirá a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), trará condições para que a Selic caia entre 0,5 e 1 ponto percentual. Ela explicou que a TLP, que vai variar de acordo com a NTN-B (título do Tesouro corrigido pela inflação), reduzirá o crédito direcionado no Brasil e aumentará o poder de fogo do Banco Central. Essa convergência levará cinco anos.

A TLP entra em vigor em janeiro de 2018, conforme medida provisória publicada ontem.

 

Números

R$ 156,5 BILHÕES É o déficit primário acumulado em 12 meses. A meta para 2017 é de R$ 139 bilhões

7,2% DE LIMITE Para o aumento de desembolsos do governo este ano

R$ 285,92 BILHÕES Já foram gastos em 2017, ou 21,96% do total previsto

 

O globo, n.30580 , 28/04/2017. Economia, p. 17