ENTREVISTA - Mariano Rajoy

Eliane Oliveira

Sergio Fadul

23/04/2017

 

 

‘A Europa sairá fortalecida desta crise’ O presidente de governo da Espanha chega amanhã ao Brasil para uma visita de dois dias — a primeira de um líder europeu ao país desde que o presidente Michel Temer tomou posse, em maio de 2016. Ele passará por Brasília e São Paulo. Em entrevista ao GLOBO,por escrito,Rajoy revelou que a economia dominará a conversa com Tmer, afirmou que o Brasil é parceiro estratégico e enfatizou que o terror só será combado com esforço internacional.
 

 

 

A União Europeia enfrenta um momento de indefinições e incertezas ante a saída do Reino Unido do bloco. Quais são as consequências do Brexit?

Não existe um Brexit bom. Nós sempre estivemos contra o Brexit, e continuo pensando que não é bom nem para a Europa nem para o Reino Unido. O que devemos, agora, é tentar fazer uma negociação inteligente e rápida, que limite ao máximo os danos que serão causados com a saída do Reino Unido da UE. As consequências serão de todos os tipos e serão constatadas com o tempo. A prova é que a maioria dos principais responsáveis pelo Brexit se retiraram do primeiro plano para não terem que enfrentar as consequências de seus discursos.

 

Qual a sua expectativa sobre um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia?

Creio que, agora, temos as condições mais favoráveis para essas negociações. De fato, na última reunião do Conselho Europeu foi decidido, a pedido de Espanha e Portugal, acelerar os contatos para firmar o acordo com o Mercosul e atualizar o que já existe com o México. A Europa, que está saindo de uma crise gravíssima, continua apostando no livre comércio e isso é uma boa notícia para todo o mundo. O comércio continua sendo um dos motores mais potentes do crescimento, ao sustentar milhões de postos de trabalho e fomentar a prosperidade.

 

Qual avaliação o senhor faz da situação política hoje na Europa, com os ventos nacionalistas bem fortes em alguns países? O senhor acha que esses movimentos vão crescer ou são uma onda passageira?

Sou um europeísta convicto, como a maioria dos espanhóis. Portanto, não compartilho dessas posições contrárias à União Europeia. Acabamos de celebrar os 60 anos do Tratado de Roma e não há mais necessidade de se comparar a História da Europa nestes 60 anos e a que sofremos nos 60 anos anteriores: nem mais nem menos do que duas guerras mundiais e todos os tipos de totalitarismos. A Europa é um êxito indiscutível, por mais que alguns tenham decidido convertê-la numa espécie de madrasta responsável por todos os males, quando foi totalmente o contrário. Saberemos dar uma resposta às preocupações dos cidadãos e definir um rumo para os próximos anos. A Europa sairá fortalecida desta crise.

 

A própria Espanha e o senhor enfrentaram grandes dificuldades para formar o governo atual, após um ano e várias tentativas fracassadas. A Espanha foi berço de novos partidos bem polarizados, tanto de esquerda como de direita e ainda convive com a questão da Catalunha. Diante desse quadro, o senhor diria que o modelo político vigente se esgotou?

Esse modelo que alguns dizem que está esgotado ajudou a Europa a criar um sistema de proteção social sem comparação com o resto do mundo e é um exemplo de respeito às liberdades e aos direitos das pessoas. No caso da Espanha, a evolução é ainda mais chamativa: há muitos poucos países no mundo que tenham experimentado um progresso como o da Espanha, e isso se deu com um modelo bipartidário, baseado na moderação e na capacidade de alcançar grandes consensos nacionais. Creio que ninguém pôde demonstrar que haja uma fórmula melhor, ou que renda melhores resultados para as pessoas. Os populistas prometem tudo, mas na hora da verdade, eu não conheço nenhum governo populista que tenha feito seu país prosperar. Outra coisa é que sempre devemos estar abertos a fazer reformas e melhorar o sistema. Essa vontade deve estar sempre aí.

 

O Brasil passa por momento de transição após o Congresso ter feito o impeachment da ex-presidente Dilma. Como a Espanha acompanhou esse processo e qual avaliação o senhor faz do atual momento do Brasil?

Acompanhamos o Brasil com a atenção e o interesse que nos desperta qualquer país que é um sócio estratégico e com o qual compartilhamos interesses e valores. Temos seguido de muito perto os acontecimentos políticos no Brasil, mas com a tranquilidade e a confiança de que há solidez nas suas instituições.

 

O que o senhor elegeria como mais importante a ser acertado em seu encontro com o presidente Michel Temer durante sua visita ao Brasil?

Esta viagem tem um inegável componente econômico, que desejaria ressaltar. O Brasil é o terceiro maior destino dos investimentos espanhóis no mundo, só atrás dos Estados Unidos e do Reino Unido, e, de todos os países que investem no Brasil, a Espanha é o terceiro, depois dos Países Baixos e dos EUA. Em 2014, a Espanha tinha um estoque de investimentos de € 47,202 bilhões, e nossas empresas fizeram uma aposta estratégica no futuro deste país. Também espero tratar com o presidente Temer a questão das negociações entre a União Europeia e o Mercosul. Como sabem, a Espanha é o impulsor mais firme da UE para uma aproximação comercial e também política entre as duas regiões.

 

O governo Temer prepara um amplo processo de concessões em áreas estratégicas de infraestrutura e logística. Como os empresários espanhóis estão se preparando?

Como dizia, nos momentos de maior dificuldade, as empresas espanholas demonstraram que sua aposta no Brasil era de longo prazo. Agora, podem oferecer sua experiência internacional e sua liderança em setores, como infraestrutura de transportes, energia, telecomunicações e meio ambiente. O governo espanhol também está disposto a apoiar, com instrumentos financeiros, aquelas companhias que queiram aproveitar a oportunidade de se internacionalizar.

 

Em sua opinião, como operações da Polícia Federal como a Lava-Jato, que atingiu as principais empreiteiras do Brasil e está investigando um gigantesco esquema de corrupção envolvendo agentes públicos, influencia na imagem internacional do Brasil?

A corrupção é sempre condenável e deve ser combatida de maneira implacável no Brasil, na Espanha e em todo o mundo. Contra esse flagelo, é preciso apoiar o trabalho de instituições fiscais, procuradores, juízes e forças de segurança. Esse tipo de operação demonstra a sua independência. É certo que também produzem alarme e mal-estar na população, mas são a prova evidente de que as instituições funcionam e não existe impunidade.

 

A Espanha e outros países da Europa têm sido alvos frequentes de ataques terroristas. O que o senhor pode comentar sobre isto?

A Espanha tem sofrido durante muitos anos a violência do ETA, que, felizmente, está em vias de desaparecer. Mas, agora, todos os países enfrentamos outro tipo de ameaça, que é a do terrorismo jihadista. É uma ameaça global, que requer uma resposta global da comunidade internacional. É preciso atuar sobre as novas formas de doutrinação, intercambiar informações entre os diversos serviços de Inteligência, atuar sobre os mecanismos de financiamento das redes e prevenir o fenômeno dos combatentes retornados. Sem dúvida, superaremos essa ameaça, como temos superado outras no passado. Mas só poderemos fazê-lo com muita cooperação internacional.

O globo, n.30575 , 23/04/2017. Mundo, p. 37