Valor econômico, v. 17, n. 4233, 11/04/2017. Política, p. A8

Cármen Lúcia questiona reforma política

 

Juliano Basile
 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, avalia que, antes de se discutir uma reforma política, é preciso definir se será mesmo necessário fazer alterações na Constituição ou se o que os eleitores querem são outras pessoas ocupando os cargos públicos. "A pergunta que eu faço é se o povo quer outro Estado ou outras pessoas nesses cargos", disse ela durante debate no Wilson Center.

Para a ministra, há necessidade de mudar o sistema político, mas falta identificar a melhor forma de se fazer esse processo. "Cada pessoa tem uma reforma política na cabeça. Que é preciso mudar eu não tenho dúvida, pois há uma crise do processo representativo. A mim compete garantir o cumprimento da Constituição."

Quanto à proposta de uma constituinte, a ministra advertiu que a construção de uma nova Constituição "vem no fluxo de uma ruptura". "Quando é apenas transformação para aperfeiçoamento, isso se dá por reformas constitucionais, por emendas e por revisão constitucional. No Brasil, nós tivemos quase cem emendas constitucionais. É preciso saber para onde estamos indo."

Cármen Lúcia defendeu a decisão do STF que derrubou, em 2006, a cláusula de barreira à criação de novos partidos e funcionaria como uma espécie de reforma política. "Quando isso foi decidido, estava na iminência de uma eleição e tal como posta, a cláusula de barreira eliminava a existência de novos partidos e, assim, a minoria nunca teria a chance de chegar a maioria. O PT, que surgiu nos anos 1980, jamais teria tido a oportunidade de ser criado se aquela cláusula de barreira tivesse prevalecido", exemplificou.

A ministra também defendeu a tramitação do processo de impeachment. "A Constituição de 1988 garantiu a institucionalização democrática que já viu dois processos de impeachment de presidentes brasileiros levados a efeito nos estritos termos previstos constitucionalmente e com os poderes estatais atuando rigorosamente nos termos juridicamente previstos", disse. "As mudanças de governo passaram-se com a sociedade manifestando-se, as instituições exercendo suas funções ininterruptamente, os cidadãos trabalhando. O Brasil seguiu seu rumo", completou ela sem mencionar a ex-presidente Dilma Rousseff.

A presidente do STF alertou que caixa dois é crime e que desconhece as propostas para anistiar a prática no Brasil. "Sobre anistia a caixa dois eu não sei do que se trata isso. Eu vejo na imprensa. Caixa dois é um ilícito. Já falei isso em voto."

Quanto aos vazamentos de informações da Operação Lava-Jato, a ministra ressaltou que eles não podem servir para anular as investigações antes de uma apuração sobre o ocorrido. "O STF nunca foi aventado de vazamento de informações", afirmou. A ministra ressaltou que recebeu um "conjunto de documentos" da Lava-Jato, em 19 de dezembro, quando foram enviadas ao STF as informações de delações da Odebrecht. "Os documentos ficaram comigo até 28 de janeiro e ninguém, nenhum servidor e nenhum jornalista soube nada do que acontecia", recordou. "E olhem que fui filmada e fotografada. Como o meu gabinete é de vidro me filmavam de todas as partes, sabiam o que eu estava comendo, sabiam que eu uso caneta Bic. Agora, documentos de lá não saem."

Questionada pelo Valor se vê a possibilidade de assumir a Presidência da República por eventual saída de Michel Temer e dos presidentes da Câmara e do Senado ou através de candidatura no ano que vem, a ministra disse não considerar essa hipótese. "Eu vivo cada dia a sua agonia. A minha, hoje, são os processos."