Valor econômico, v. 17, n. 4233, 11/04/2017. Opnião, p. A10

A economia não deve parar

Carlos Luque
Simão Silber
Roberto Zagha

 

Após 30 anos de crescimento excepcional, a partir de 1980 a economia brasileira parou. Episódios de crescimento alto: 8% em 1985-86, ou 7,5% em 2010, foram efêmeros. O que o país perdeu a partir de 1980 foi a capacidade de manter taxas altas por décadas. Esta capacidade permitiu ao país quadruplicar sua renda per capita entre 1950 e 1980. Tivesse esta capacidade se mantido, a renda do brasileiro seria hoje metade da americana, em vez de 12%. Perder esta capacidade não foi acidente. Foi consequência de políticas que desindustrializaram, desglobalizaram e descapitalizaram o país.

Nos anos 80 e 90 o país teve que lidar com uma dívida externa insustentável e episódios de hiperinflação. O longo prazo perdeu importância frente à necessidade de estabilizar a economia, somente conseguida em meados dos 90 com a reestruturação da dívida externa e do Plano Real. Em 1999, turbulências financeiras internacionais levaram o governo a introduzir o tripé da política macroeconômica que permanece até hoje: superávits primários, metas de inflação, e taxas de câmbio flutuantes, assim flexibilizando parâmetros rígidos do Plano Real.

Um controle sofisticado da demanda agregada, o tripé nunca foi nem pretendeu ser uma estratégia de crescimento. Superávits primários reduzindo investimentos em infraestrutura, metas de inflação através de taxas de juros altíssimas e taxas de câmbio apreciadas e instáveis, instrumentos poderosos para estabilizar a economia no curto prazo foram adotadas como políticas permanentes. E assim prejudicaram a indústria e as exportações de manufaturados, reduziram a capacidade produtiva do país e acabaram contraindo a oferta agregada. Boas políticas econômicas não são boas para sempre; as más de hoje são as boas de ontem.

Uma estratégia de crescimento rápido e sustentado exige reformas. Propomos dez, urgentes. O crescimento industrial orientado às exportações deve ser o alicerce de uma estratégia de crescimento acelerado de longo prazo. Os últimos anos são uma demonstração trágica do custo da dependência na demanda interna. O crescimento industrial orientado às exportações requer (1) uma taxa de câmbio real competitiva e estável. Seria desejável começar com uma taxa de câmbio suficientemente depreciada, reduzindo assim o risco de perda de controle do câmbio e criando um seguro contra choques externos seguida pelo compromisso do governo de manter a taxa competitiva em termos reais.

Este compromisso pode ser concretizado com (2) uma expansão no mandato do Banco Central, agora exclusivamente anti-inflacionário, para incluir o crescimento econômico e emprego, como é o caso dos bancos centrais dos EUA, China e Índia. Este mandato fará com o que o BC seja mais sensível ao nível da taxa de câmbio.

Será necessário (3) reduzir a taxa de juros, o que reduzirá idas e vindas de capital especulativo, causa de instabilidade da taxa de câmbio. Taxas de juros mais baixas trarão um alívio fiscal importante. Os juros são um item muito importante da despesa pública. Juros mais normais também permitirão (4) a eliminação gradual das linhas de crédito subsidiadas do BNDES e outros.

(...)

Mas será também necessário (5) tomar medidas diretas para limitar a entrada de capital especulativo. Como Delfim Netto nos lembrou numa coluna recente, o setor financeiro deve servir à economia real, não o contrário. A livre entrada de capital especulativo fez com que o Banco Central perdesse autonomia monetária e a taxa de câmbio se transformasse no preço de um ativo financeiro. O mundo financeiro pode absorver flutuações destrutivas da economia real.

Estas reformas permitirão uma melhor integração na economia mundial se complementadas por (6) um regime de importações mais transparente e aberto. Isso significa eliminar restrições quantitativas como exigências de conteúdo local, e reduzir tarifas de acordo com um programa pré-anunciado e gradual de maneira a chegar em 5-7 anos aos níveis de tarifas vigentes nos países mais abertos.

O Brasil precisa de infraestrutura. O programa de concessões é insuficiente em relação às necessidades. Na "regra de ouro" de finanças públicas, impostos financiam gastos correntes enquanto a dívida pública financia gastos que beneficiarão as gerações futuras (que pagarão essas dívidas). (7) A adoção desta regra, e taxas de juros internacionais baixas, criariam a oportunidade de um endividamento público dedicado à infraestrutura, que deveria ficar fora das metas fiscais. O risco cambial associado ao endividamento externo será reduzido por uma taxa de câmbio depreciada.

O país necessita corrigir a situação fiscal na base de avaliações técnicas de custo/benefício dos vários programas, não através da PEC 241 que não entra no detalhe dos gastos. E (8) introduzir metas fiscais ajustadas pelo ciclo econômico. Isto evitaria políticas fiscais contracionistas quando a economia está em recessão, o caso hoje, e políticas fiscais expansionistas quando a economia já está em expansão.

As regras determinando o salário mínimo estão divorciadas do comportamento da produtividade do trabalho. (9) Reduzir a inflação de custos requer alinhar os aumentos do salário mínimo real na base do aumento do PIB per capita, não do PIB como feito agora. Ajustes do salário nominal podem ser feitos na base da meta de inflação, corrigidos cada 2-3 anos pela diferença entre a meta de inflação e a realizada. Isto reduzirá a inflação de custos e também reduzirá a taxa de crescimento dos gastos da previdência, agora inflada por aumentos do salário mínimo divorciadas da realidade.

Estas 9 medidas aumentarão a oferta agregada mas é possível que no curto prazo também aumentem a taxa de inflação. Portanto (10) um alargamento durante os próximos 2-3 anos da banda ao redor da meta de inflação permitiria levar em conta a incerteza associada ao impacto de mudanças radicais.

Em março o ministro Henrique Meirelles fez uma apresentação sobre a PEC 241 e a reforma da Previdência, reiterando que estas reformas trarão o crescimento. A teoria e a experiência econômica o contradizem. O mais provável é que a economia brasileira continuará com taxas de crescimento medíocres e que a dívida pública em relação ao PIB continuará a aumentar. Esta dívida, 78% em 2016, vai chegar a 93% do PIB em 2021 de acordo com projeções do FMI. Uma nova abordagem é necessária.