Maria Lima e Catarina Alencastro
27/04/2017
“As alterações promovidas representam uma vitória dos parlamentares moderados e merecem elogios”
Sergio Moro
juiz da Lava-Jato
Ao final de muita polêmica, com direito a uma reunião que varou a madrugada na casa do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), o plenário da Casa aprovou o texto que estabelece as novas penalidades para crimes de abuso de autoridade nos três poderes.
Com o projeto inicial de autoria do líder do PMDB, senador Renan Calheiros (PMDBAL), desidratado, e afastada a possibilidade do chamado crime de hermenêutica, o acordo firmado para aprovação unânime na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), pela manhã, levou à aprovação tranquila também no plenário.
Ao discursar em defesa do seu relatório e para rejeitar todas as emendas apresentadas no plenário, Requião disse, antes da aprovação, que o projeto é um avanço jurídico.
— A aprovação desse projeto será o maior avanço do garantismo jurídico em décadas no Brasil. Vai marcar a história do Senado na luta civilizatória em defesa do direito — afirmou Requião.
Renan minimizou o recuo de Requião e o acordo para retirar os pontos polêmicos criticados pelos procuradores e pelo juiz Sérgio Moro. Da reunião que foi até as 3 horas da manhã na casa de Eunício, participaram senadores do PMDB, PSDB e outros partidos.
Autor da emenda que extinguiu a possibilidade de crime de hermenêutica (no qual o magistrado podia ser punido por interpretar a lei), o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) disse que os negociadores fizeram um acordo histórico:
— Com tranquilidade, digo que afastamos o pior. Fizemos um acordo histórico, demos demonstração de convergência e sabedoria política. A emenda permitiu que o Senado convergisse num momento em que o Brasil está virado do avesso.
Os senadores Reguffe (sem partido-DF), Magno Malta (PRES) e Randolfe Rodrigues (RedeAP) também reconheceram que houve avanços no substitutivo, mas questionaram outros pontos mantidos, que, na opinião deles, podem também inviabilizar o trabalho da magistratura, Ministério Público e polícia.
É o caso do artigo 9º que diz: “Decretar a prisão preventiva, busca e apreensão, ou outra medida de privação de liberdade, em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. Nesse caso, a pena é de um a quatro anos de detenção. Os senadores argumentaram que essa “subjetividade” pode comprometer as investigações.
— Essas amarras para a prisão preventiva ou temporária também configuram crime de hermenêutica — disse Randolfe, que acabou votando pela aprovação do substitutivo.
O projeto agora chegará à Câmara. Deputados avisam que a questão do abuso de autoridade não será tratada de forma “açodada”.
O líder do PMDB na Câmara, deputado Baleia Rossi (SP), deixou claro que a prioridade são as reformas trabalhista e da Previdência:
— Chegando aqui, temos que discutir. Mas agora as reformas são prioritárias.
O coordenador da operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, avaliou que houve avanços no texto, como a mudança no artigo que permitia que qualquer cidadão pudesse processar juízes, procuradores ou delegados.
— Houve avanços com a retirada dos artigos que nos preocupavam — disse Deltan, no lançamento do seu livro sobre a operação intitulado “A luta contra corrupção”.
Sérgio Moro elogiou, em nota, as mudanças feitas pelo Senado. “As alterações promovidas na presente data representam uma vitória dos parlamentares moderados e merecem elogios. O texto aprovado ainda merece pontuais críticas, mas alguns receios mais graves foram afastados“, afirmou o juiz. (Colaboraram Cristiane Jungblut e Gustavo Schimitt)
Perguntas e respostas
– Do que trata a lei de abuso?
– O projeto lista 29 condutas de abuso, cometidas por autoridades, que devem ser criminalizadas. O abuso de autoridade só se configura quando há “finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si ou por capricho”.
– Quais foram as mudanças finais no texto aprovado?
– O relator extinguiu a possibilidade de punição à divergência na interpretação da lei, por parte de investigadores e magistrados. A versão final ficou: “A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”. A possibilidade de investigados processarem, privadamente, investigadores e magistrados só existe caso o Ministério Público não se manifeste em 60 dias.
– O que muda para quem é acusado de crimes?
– Acusados e investigados passam a contar com salvaguardas, como limitações ao uso de algemas e à divulgação de sua imagem. Também será passível de punição não dar ao preso em 24h de sua prisão o motivo do encarceramento, proibi-lo de conversar com seu advogado e negar ao acusado acesso aos autos de seu processo. Passa a ser crime antecipação de culpa do suspeito por parte do investigador. E quando for decretada uma prisão temporária, o preso terá de ser informado sobre a duração da reclusão e o dia de sua soltura. Se não houver prorrogação do prazo, o agente penitenciário terá de soltar o preso.
O globo, n. 30579, 27/04/2017. País, p. 4