Fraude envolvia até papelão em salsichas

Fausto Macedo/ Julia Affonso/ Fabio Fabrini/ Fábio Serapião/ André Ítalo Rocha/ Anne Warth

18/03/2017

 

 

Segundo investigação, para lucrar mais, empresas chegavam a usar carne podre na fabricação de embutidos, como linguiças

 

 

A Operação Carne Fraca, deflagrada ontem pela Polícia Federal, trouxe grandes preocupações ao consumidor, ao revelar que as empresas investigadas utilizavam uma série de artimanhas para “encorpar” os produtos que levavam ao mercado. Na lista dos ingredientes irregulares usados em produtos como salsichas e linguiças estão cabeça de porco, ácido ascórbico, papelão e aditivos, de acordo com a PF.

Não há, no entanto, dados sobre a dimensão dessas fraudes, e quais produtos que estão no mercado poderiam ter alguma irregularidade. O governo tentou evitar um clima de pânico generalizado. “Queremos evitar que haja um desconforto geral. Isso de modo algum trará riscos à vida da população brasileira”, afirmou o secretário executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki. Segundo ele, o sistema brasileiro de vigilância sanitária é aprovado por órgãos internacionais e “é um dos mais respeitados do mundo”. “Não fosse isso, não estaríamos em mais de 150 países.”

Carne podre. As irregularidades encontradas na investigação da PF, porém, impressionam. Em 2014, por exemplo, uma médica veterinária, responsável técnica pelo controle de qualidade do frigorífico Peccin, relatou aos investigadores eram usados “outros produtos mais baratos para substituir a carne na fabricação dos produtos agropecuários”. Segundo ela, sequer chegou a existir a entrada real de carne na empresa, exceto os carregamentos de carne estragada que presenciou a empresa receber.

Segundo a testemunha, a Peccin também comprava notas fiscais falsas de produtos com SIF (Serviço de Inspeção Federal) para justificar as compras de carne podre, e usava ácido ascórbico para maquiar as carnes estragadas. A PF também capturou uma conversa entre os sócios do frigorífico “acerca da utilização de carne de cabeça de porco, sabidamente proibida, na composição de embutidos”.

Laudo da PF, “ao examinar produtos da Peccin vendidos em estabelecimentos comerciais de Curitiba (salsichas e linguiças), concluiu que a sua composição está em desacordo com a legislação brasileira, extrapolando os valores máximos para analito amido e nitrito/nitrato, e com aditivos não previstos pela legislação e não declarados no rótulo das amostras”.

Papelão. Os investigadores também descobriram que a organização criminosa lançava mão do prosaico papelão para “robustecer” salsichas e congêneres. Tiras do material eram esmagadas e adicionadas ao produto. Também foi identificada a absorção de água em frango superior ao índice permitido e reembalagem de produtos inadequados para a venda.

 

OPERAÇÃO CARNE FRACA

- Polícia Federal fez ontem a sua maior operação da história em 6 estados (SP, PR, SC, RS, MG e GO), além do DF

 

DIÁLOGO

IDAIR - Ah, manda vir 2 mil quilos (de cabeça de porco) e botamos na linguiça ali, frescal, moída fina.

NAIR - Na linguiça?

IDAIR - Mas é proibido usar carne de cabeça na linguiça...

NAIR - Tá, seria só 2 mil quilos para fechar a carga. Depois da outra vez dá para pegar um pouco de toucinho, mas por enquanto ainda tem toucinho (ininteligível).

IDAIR - O toucinho, primeiro, tem que ver que tipo de toucinho que ele tem.

NAIR – Sim. 100 quilos de toucinho para ver que tipo de toucinho é o dele.

IDAIR - É, manda ele botar, vai descarregar aonde?

NAIR - Em Jaraguá.

(...)

NAIR - E dessa vez pego os 2 mil quilos de cabeça então?

IDAIR - É, pega , nós vamos fazer o quê?

NAIR – Em Jaraguá tem mil quilos de sangria, essa serve para quê?

IDAIR - Para calabresa.

Mesmo cientes da proibição, Nair e Idair Piccin, donos da Peccin, compram cabeça de porco

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45077, 18/03/2017. Economia, p. B3.