Cumprimento da meta pode exigir mais cortes no futuro

Martha Beck

22/04/2017

 

 

Especialistas alertam para dificuldade em manter gastos no limite

A decisão do governo de adotar um teto para os gastos públicos e, ao mesmo tempo, uma meta de resultado primário endureceu o ajuste fiscal. Tanto que, segundo integrantes da equipe econômica ouvidos pelo GLOBO, o maior desafio para 2017 e 2018 não é imposto pelo teto, e sim pela meta. Um sinal disso é que, para cumprir o compromisso de fechar este ano com um déficit primário de R$ 139 bilhões, ou 2% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo teve de fazer um contingenciamento de despesas de R$ 42,1 bilhões e reonerar a folha de pagamento da maioria das empresas, a fim de reforçar o caixa. E especialistas não descartam que, para cumprir a meta nos próximos anos, o governo tenha de fazer novos cortes de despesas.

A dificuldade para fechar as contas também fez o governo mudar a meta fiscal de 2018, aumentando a previsão de déficit primário de R$ 79 bilhões para R$ 129 bilhões. Mesmo assim, os técnicos da equipe econômica defendem que os dois instrumentos são essenciais para o reequilíbrio fiscal e para a retomada da confiança dos investidores no mercado brasileiro. Esses técnicos afirmam que, se apenas o teto — regra pela qual, por um prazo mínimo de uma década, as despesas de um ano só podem crescer com base na inflação do período anterior — estivesse em vigor, o país demoraria de cinco a seis anos para voltar ao azul.

Na conta da equipe econômica, o limite de gastos, que entrou em vigor em 2017, tem condições de melhorar o resultado primário em 0,5 ponto percentual do PIB por ano. Como as contas públicas terminaram 2016 com um déficit de R$ 154 bilhões, ou 2,5% do PIB, esse resultado seria gradualmente revertido em cinco anos, chegando a zero em 2021. Essa projeção leva em consideração que a economia vai crescer 2,5% a partir de 2018.

No entanto, como o governo também precisa obedecer a uma meta de déficit primário, esse processo será acelerado. Com a meta fiscal, as projeções apontam que será possível reverter o resultado negativo mais rapidamente e já terminar 2020 com um superávit de R$ 10 bilhões. Isso acelera a trajetória de queda da dívida pública, que é o principal indicador de solvência observado pelos investidores.

— O mercado olha diretamente para o primário. O teto é uma medida estrutural que melhora a qualidade das despesas e quebra esse círculo no qual o governo aumentava a carga tributária para acomodar mais despesas — explicou um integrante do governo. — Mas a meta fiscal é um critério adicional de compromisso com a redução da dívida bruta, que saltou de cerca de 50% do PIB em 2013 para quase 70% em 2016.

Esse integrante destaca que o mercado já deu um crédito de confiança ao Brasil a partir de 2016, e a prova disso é que as taxas de juros cobradas pelos investidores para comprar títulos emitidos pelo governo caíram significativamente até agora. Uma NTN-B com vencimento em 2022, por exemplo, tinha taxa em torno de 7% ao ano no fim de 2016. Agora, esse valor está pouco acima de 5%.

 

PREVIDÊNCIA PODE AFETAR TETO

Especialistas, no entanto, ressaltam que a regra do teto e a meta fiscal deveriam estar mais próximos, o que não é o caso de 2017 e 2018. Para Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o compromisso fiscal deste ano obrigou o governo a fazer um contingenciamento duro, que compromete os investimentos, e, ao mesmo tempo, a buscar fontes de receitas extraordinárias que podem não se confirmar nos anos seguintes. Do total de R$ 42,1 bilhões cortados do Orçamento, R$ 10,5 bilhões serão no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Pires e os próprios integrantes da equipe econômica destacam que, a partir de 2019, o desafio fiscal virá do teto, que ficará mais difícil de cumprir. Como a correção das despesas virá da inflação, que está em queda, o limite ficará mais apertado, e o governo terá de enfrentar desafios como pressões por reajustes dos servidores e para liberar recursos para saúde e educação. Isso ficará especialmente difícil, dependendo de como a reforma da Previdência for aprovada no Congresso. O texto já sofreu diversas modificações, que reduziram em R$ 170 bilhões a economia projetada pelo governo em dez anos. Quanto mais suave ficar a reforma, maior será a pressão sobre os demais gastos ao longo do tempo.

Segundo Pires, um teto para os gastos seria suficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas no futuro. Isso, no entanto, só ocorrerá a partir do momento em que o Brasil voltar a registrar saldos primários positivos, e a dívida pública se estabilizar:

— Isso (adoção apenas de um teto) vai acontecer quando a casa estiver arrumada. A tendência é que isso ocorra naturalmente. Por enquanto, ainda há insegurança em relação a abrir mão de um resultado primário. Os analistas e formadores de opinião ainda querem ver isso. Mas já está claro que a convivência das duas regras é difícil.

 

CONTINGENCIAMENTO NECESSÁRIO

No primeiro relatório de acompanhamento das contas públicas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o diretor executivo do órgão, Felipe Salto, também apontou um descolamento grande entre o teto de gastos e a meta fiscal. De acordo com a entidade, mesmo com o teto, o governo terá de cortar despesas sistematicamente até 2024 para garantir o resultado primário.

O documento destaca: “Estão em vigência hoje duas regras. Ocorre que o ritmo imposto pela aplicação da regra do teto para as despesas públicas promoverá uma recuperação importante do resultado primário. Contudo, essa recuperação está desacoplada da política de metas de primário. A evolução do resultado primário mostra uma necessidade de contingenciamento muito expressiva.”

 

“Por enquanto, ainda há insegurança em relação a abrir mão de um resultado primário” Manoel Pires Pesquisador do Ibre

O globo, n.30574 , 22/04/2017. Economia, p. 16