Trabalhista passa na câmara 
27/04/2017
 
 
Governo obtém vitória e aprova reforma por 296 votos a 177. Texto ainda vai para o Senado

-BRASÍLIA- O plenário da Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 296 votos favoráveis e 177 contrários, o texto base da reforma trabalhista, que prevê uma série de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Até às 23h de ontem, a intenção do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), era analisar todos os destaques que alteravam o projeto ainda na noite de ontem. Só depois disso é que a proposta poderia seguir para o Senado, o que deve ocorrer na semana que vem.

O presidente Michel Temer comemorou a aprovação e pediu “o mesmo grau de engajamento” dos parlamentares para que também aprovem o projeto no Senado. Por meio do porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, Temer disse que o resultado da aprovação mostra que a sociedade quer “adequar” as relações trabalhistas para o presente e o futuro. O presidente também agradeceu o esforço da base que sustenta seu governo.

— Uma vez em vigor, a nova legislação permitirá garantir os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição Federal e impulsionar a criação de empregos no país. Trata-se de mais um importante avanço para superar a mais profunda crise econômica de nossa História. O resultado obtido é expressão da opinião amplamente majoritária que se formou na sociedade brasileira em torno da necessidade de adequar as relações trabalhistas às realidades do presente e de preparar o nosso mercado de trabalho às exigências do futuro — disse Parola.

Fontes ligadas ao presidente, no entanto, admitiram que o placar foi preocupante em relação ao que é necessário para aprovar a reforma da Previdência — por se tratar de mudança constitucional, exige ao menos 308 votos. Além disso, analistas consideram a reforma da Previdência um tema muito mais difícil para aprovação.

— Teria sido melhor um placar maior, de mais de 308 votos. Isso mostra que a Previdência terá que ser discutida ainda em etapas — disse essa fonte ligada ao presidente.

‘NÃO CONSIDERO QUÓRUM BAIXO’, DIZ LÍDER

Para votar a reforma trabalhista, o Palácio do Planalto preferiu se garantir e exonerar antecipadamente quatro ministros, que retornaram à Câmara para votar. A atitude de Temer foi motivada, entre outras coisas, pelo temor de que o o PSB impusesse uma derrota ao governo na votação. O partido fechou questão contra as reformas trabalhista Sob pressão. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entre protestos contra a reforma, na votação da Câmara e previdenciária no início desta semana.

— Tivemos uma votação expressiva, com 296 votos. Não considero um quórum baixo de forma alguma — afirmou o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro.

Além do ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia), filiado ao PSB, voltaram ao Congresso ontem Bruno Araújo (Cidades), do PSDB, e Mendonça Filho (Educação), do DEM. Os dois últimos têm como suplentes deputados do PSB de Pernambuco — Severino Ninho e Creuza Pereira —, que já vinham demonstrando infidelidade ao governo.

Outro ministro exonerado, Ronaldo Nogueira (Trabalho), chegou de última hora para reassumir o mandato e, com isso, retirar do posto seu suplente, Assis Melo (PCdoB/RS). Melo é contrário à reforma e chegou a se vestir de operário de fábrica em um protesto na Câmara. A situação rendeu um bate-boca com o presidente da Casa, Rodrigo Maia, que disse que não autorizaria parlamentares sem terno e gravata no plenário:

— Só vai falar em plenário quem estiver vestido como os costumes dessa casa.

Assim que o relator da reforma trabalhista, deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), começou a ler o seu parecer para dar início à votação em plenário, diversos parlamentares da oposição subiram à mesa principal, onde fica sentado o presidente da Câmara, em protesto contra o texto. Eles seguravam placas com a foto de uma carteira de trabalho rasgada e frases como “Demissão em massa”, “Direitos legais derrubados” e “Teletrabalho sem hora extra”. A leitura do parecer continuou minutos depois, interrompida algumas vezes por gritos de “Fora Temer”.

— Esse discurso dos anti-imperialistas está superado. Sem capital, não se gera emprego. Temos consciência da nossa responsabilidade — rebateu o líder do PSDB na Câmara, deputado Ricardo Tripoli (SP).

— A demonstração de que o governo Temer está fraco é que ele mandou seus ministros filiados ao PSB para votar a reforma — disse o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

Uma das principais mudanças da reforma trabalhista foi a permissão para que o acordado entre empresas e sindicatos tenha força de lei. Isso só valeria para 15 itens, entre eles jornada, banco de horas e participação nos lucros. O texto, contudo, manteve uma lista de direitos considerados essenciais, como FGTS e salário mínimo, que não podem ser negociados com sobreposição à lei.

O projeto de lei aprovado altera vários itens do cotidiano do trabalhador. O empregado fica autorizado, pelo projeto aprovado, a parcelar as férias em até três vezes (desde que um desses períodos seja superior a 14 dias) e pode optar por não pagar mais a contribuição sindical.

Pela proposta, o imposto sindical, referente a um dia de salário por ano, torna-se opcional. Esse ponto, no entanto, deve ser alvo de destaques, que tentarão retirar ou modificar o texto. O Solidariedade já afirmou que apresentará destaque para tentar tornar o fim do imposto gradual.

O relatório também regulamenta um novo tipo de jornada, chamada de intermitente. Por esse tipo de contrato, o empregado poderá prestar serviços de forma descontínua, por alguns dias na semana ou algumas horas diárias, e receber por hora trabalhada. O texto aprovado também amplia o regime parcial de trabalho, que sobe das atuais 25 horas semanais para até 30 horas.

Mesmo em plenário, o relator, deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), ainda acatou algumas mudanças ao texto. Ele retirou do projeto, por exemplo, um artigo que tentava alterar o cálculo para as cotas de menor aprendiz dentro das empresas.

Conforme já havia anunciado, Marinho também alterou o artigo que prevê que gestantes e lactantes poderão trabalhar em locais insalubres. Pelo texto aprovado, fica vedado trabalho em atividades consideradas insalubres em grau máximo enquanto durar a gestação. Para atividades de grau médio ou mínimo de insalubridade, a gestante deverá ser afastada quando apresentar um atestado de saúde emitido por um médico de confiança. glo.bo/2pjTqGI

ALGUMAS MUDANÇAS PROPOSTAS

Acordado sobre o legislado

COMO É: Não está previsto na CLT mas, na prática, isso já ocorre. Algumas empresas e sindicatos chegam a acordos diferentes do que está previsto na legislação trabalhista e os homologam na Justiça. Mas esses acordos são constantemente questionados pelo Ministério Público.

COMO FICA: O acordado entre sindicatos e empresas passa a ter força de lei para uma lista de 15 itens, entre eles jornada, participação nos lucros e banco de horas. São exceções direitos essenciais, como a salário mínimo, FGTS, férias proporcionais e décimo terceiro salário.

Contribuição sindical

COMO É: O imposto sindical é obrigatório. No caso do empregado, a contribuição equivale a um dia de trabalho por ano. Já o empregador deve recolher o tributo no mês de janeiro, e seu valor é estabelecido a partir de uma alíquota proporcional ao capital social da empresa.

COMO FICA: O texto retira a obrigação de contribuir tanto para patrões como para trabalhadores.

Parcelamento de férias

COMO É: Pela CLT, as férias têm de ser concedidas em um só período. Somente em casos excepcionais, o trabalhador pode dividir as férias em duas vezes, uma delas não podendo ser inferior a dez dias.

COMO FICA: O relatório permite a divisão das férias em até três períodos, com a concordância do empregado. Um deles, no entanto, não pode ser inferior a 14 dias. Os outros dois restantes têm de ter mais de cinco dias corridos, cada. O texto também veda o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

Jornada

COMO É: A jornada diária pode ser ajustada, desde que não ultrapasse dez horas por dia, mediante acordo escrito entre empregador e funcionário, ou por acordo coletivo.

COMO FICA: Continua podendo ser ajustada, desde que a compensação se dê no mesmo mês e se respeite o limite de dez horas diárias. Esse item, no entanto, poderá ser negociado entre empresas e empregados com força de lei, podendo diferir do que está na CLT. O texto também regulamenta a jornada de 12 horas de trabalho, desde que seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso.

Intervalo intrajornada

COMO É: Para jornada diária acima de seis horas, é obrigatório intervalo para repouso ou alimentação de, no mínimo, uma hora. O descumprimento acarreta pagamento da hora cheia dobrada.

COMO FICA: Sindicatos e empresas poderão negociar intervalos de almoço menores do que uma hora. Em caso de descumprimento, o empregador pagaria dobrado pelo período restante. Por exemplo, se a definição de almoço é de uma hora e o empregado fez 50 minutos, a empresa teria de pagar os dez minutos restantes dobrados. Da forma como é hoje, uma súmula do TST obriga o pagamento triplicado.

Mudanças no regime parcial

COMO É: O regime parcial tem 25 horas e não admite horas extras. O empregado tem um regime diferenciado de férias e não pode vender parte desses dias.

COMO FICA: O contrato parcial pode ter até 30 horas, sem permissão de horas extras. O empregador também pode optar por um contrato de 26 horas, com até seis horas extras. O trabalhador sob esse regime terá o mesmo direito a férias do que os contratos por tempo determinado.

Inclusão da jornada intermitente na CLT

COMO É: Não existe esse tipo de jornada na CLT. Há uma orientação do TST que reconhece o pagamento por hora em alguns casos específicos de jornada reduzida.

COMO FICA: Esse tipo de contrato permitirá a prestação de serviços de forma descontínua, em dias alternados ou apenas por algumas horas na semana. O trabalhador tem de ser convocado com, pelo menos, cinco dias de antecedência. A única exceção para esses casos são os aeronautas, que não podem ser contratados pelo regime intermitente de trabalho

Terceirização

COMO É: A lei que regulamenta a terceirização foi aprovada há algumas semanas e permite que ela valha para qualquer função da empresa. Faltavam, no entanto, algumas salvaguardas para proteger o trabalhador.

COMO FICA: Há duas salvaguardas à lei da terceirização. A primeira tenta impedir a “pejotização”, com um artigo que proíbe que o trabalhador seja demitido e contratado como pessoa jurídica ou funcionário de empresa terceirizada em um período inferior a 18 meses. A outra salvaguarda garante que terceirizados tenham acesso aos mesmos benefícios — como ambulatório, refeitório e transporte — dos empregados da “empresa-mãe”.

Gestantes

COMO É: As gestantes e lactantes devem ser afastadas de qualquer atividade insalubre, devendo exercer suas atividades em local salubre.

COMO FICA: O projeto proíbe que gestantes e lactantes trabalhem em atividades consideradas insalubres em grau máximo enquanto durar a gestação. Para atividades de grau médio ou mínimo de insalubridade, a gestante deverá ser afastada quando apresentar um atestado de saúde emitido por um médico de confiança.

Demissão em comum acordo

COMO ERA: A CLT diz que, havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão do contrato de trabalho, a Justiça reduzirá pela metade a indenização.

COMO FICA: Por esse mecanismo, a multa de 40% do FGTS é reduzida a 20%, e o aviso prévio passa a ser restrito a 15 dias. Além disso, o trabalhador tem acesso a 80% do dinheiro na conta do Fundo, mas perde o direito a receber o seguro-desemprego.

 

O globo, n. 30579, 27/04/2017. Economia, p. 23