Testemunha-chave da Operação Chequinho denuncia ameaças

Marco Grillo e Miguel Caballero 

15/05/2017

 

 

Elizabeth dos Santos teria sido coagida a não detalhar compra de votos em Campos

A testemunha-chave da Operação Chequinho — que, no ano passado, levou à prisão o ex-governador do Rio Anthony Garotinho e vereadores de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense — denunciou à Polícia Federal, na última semana, ter sofrido ameaças. A pressão seria para não dar detalhes, em depoimento, sobre o esquema que envolveria compra de votos em troca do cadastramento no programa Cheque Cidadão, da prefeitura local.

Elizabeth Gonçalves dos Santos, que trabalhou na Secretaria municipal de Desenvolvimento Humano e Social em 2016, foi presa em outubro acusada de participar do esquema e informou detalhes à PF e ao MP sobre como tudo funcionava.

Há uma semana, no dia 8 de maio, ela voltou a procurar a Polícia Federal para relatar as ameaças e dizer que está sendo perseguida desde que prestou o depoimento no qual admite sua participação e abre detalhes do esquema.

Elizabeth contou que, em dois dias diferentes, percebeu estar sendo seguida por um carro, um Astra preto, primeiro quando ia com o marido à igreja e, na outra ocasião, ao avistar o mesmo carro na esquina de sua casa. Depois, no dia 7 de abril, ela afirma ter sido perseguida por dois homens em uma moto, no Centro de Campos, até conseguir se refugiar dentro de um shopping. E que, no dia 4 de maio, aconteceu a ação mais direta.

“CALA SUA BOCA”

Elizabeth diz que estava num ponto de ônibus da Avenida 28 de março quando dois homens em uma moto sem placa subiram a calçada. Ao pensar que era um assalto, fez menção de entregar o celular, mas um dos homens perguntou se ela era a “Beth Megafone” e em seguida afirmou “Cala sua boca, porque assim como nós te achamos hoje, achamos você e sua família em qualquer dia, em qualquer lugar”. Em seguida, os dois saíram com a moto.

Além de Garotinho, vários vereadores de Campos ligados ao grupo político do ex-governador seriam beneficiados pelo esquema. No fim do ano passado, o juiz Ralph Manhães Júnior, da 100ª Zona Eleitoral, suspendeu a diplomação de seis parlamentares eleitos na cidade — Linda Mara (PTC), Kellinho (PR), Miguelito (PSL), Ozéias (PSDB), Thiago Virgílio (PP) e Jorge Rangel (PTB). Os cinco primeiros foram presos preventivamente durante as investigações.

As apurações da Polícia Federal e do Ministério Público foram corroboradas, entre outros indícios, por um outro depoimento de Beth, que teria dado início às ameaças. Ao juiz da 100ª Zona Eleitoral, ela deu sua versão de como as coisas ocorreram. Segundo ela, em maio ou junho de 2016, Garotinho determinou novo funcionamento do programa, orientando os candidatos a vereador aliados a buscar novos beneficiários. Beth diz que ficou responsável por captar beneficiários que se comprometessem a votar na vereadora Linda Mara e em Dr. Chicão, o candidato a prefeito do casal Garotinho. A determinação seria pedir voto e dizer que o programa acabaria se não fossem eleitos. E que os cartões do programa eram entregues já desbloqueados para uso, ao contrário da prática anterior.

Tanto o ex-governador Garotinho como os vereadores eleitos negam ter fraudado a eleição usando o Cheque Cidadão. Uma das medidas cautelares a que o ex-governador está submetido desde que sua prisão provisória foi revogada é não se pronunciar publicamente — decisão da qual ele está recorrendo. O advogado de Garotinho e dos vereadores eleitos que tiveram a diplomação impugnada é o mesmo, Fernando Fernandes, que minimizou o depoimento da testemunha:

“Quanto à afirmação de Beth à polícia de que foi ameaçada, é preciso esclarecer que ela não atribuiu a ameaça, no depoimento em juízo, nem a Garotinho nem a nenhum outro vereador. Além do mais, Beth já mudou seu depoimento, no decorrer do processo, seis vezes e foi considerada ‘indigna de fé’ pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É preciso responsabilidade das autoridades públicas, pois há relatos feitos ao juízo de que pessoas foram ameaçadas pelo delegado de polícia. Esperamos providências”, afirmou o advogado, em nota.

O caso da ameaça relatada por Elizabeth chamou a atenção também do vice-procurador-geral-eleitoral da República, Nicolao Dino. Na sessão da última quinta-feira, o TSE analisava três habeas copus impetrados pela defesa — um contra a proibição de Garotinho se pronunciar; outro pela diplomação dos vereadores; e um terceiro questionando a competência do juiz da 100ª Zona Eleitoral.

INSTABILIDADE EM CAMPOS

Ao se posicionar a favor da medida cautelar que proibiu a diplomação dos vereadores eleitos, Dino afirmou:

— O inquérito demonstra a capacidade de influência dos réus, o que justifica o afastamento dos vereadores. O juiz aplicou medida cautelar em atendimento à manutenção da ordem pública, que segue ameaçada. Fiz juntar aos atos cópia de depoimentos de testemunha que se sente ameaçada. Não estou atribuindo a conduta aos pacientes, mas ilustrando o grau de instabilidade em Campos, o que justifica a medida cautelar.

Os três habeas corpus apresentados pela defesa não foram julgados porque o ministro Tarcísio Vieira, recém-empossado no TSE em substituição a Luciana Lóssio, que relatava os casos, pediu vista.

 

O globo, n. 30597, 15/05/2017. País, p. 3