Imprecisões e exageros nos discursos de Temer
Fábio Vasconcelos, Jan Niklas Jenkner, Luís Guilherme Julião e Marlen Couto 
15/05/2017
 
 
Checagem das falas do presidente identifica acertos, erros e dados incompletos nos 12 primeiros meses de governo

A equipe de checagem do GLOBO mapeou os 189 discursos feitos pelo presidente Michel Temer em seu primeiro ano de governo. Os 12 pronunciamentos escolhidos para verificação mostram que o presidente tende a exagerar e ser impreciso em suas falas. Opresidente Michel Temer tende a exagerar, apresentar imprecisões ou mesmo cometer erros de informação em seus discursos. Em um ano de governo, completado na última sexta-feira, o presidente fez 189 discursos sobre os mais variados temas da agenda nacional.

A equipe de checagem do GLOBO mapeou todos os discursos entre maio de 2016 e abril de 2017 e identificou pelo menos um em cada mês para verificar o conteúdo das falas do presidente. Em todos os casos, a checagem levou em consideração dados referentes ao período de cada discurso, já que muitas informações, como taxas de desemprego e inflação, mudaram entre o ano passado e agora.

Nesses 12 meses, Temer falou sobre crise econômica, educação, dengue entre outros assuntos. Cometeu imprecisões e erros como afirmar que aumentou os recursos para o Ministério da Cultura ou que pagou todas as emendas parlamentares de 2016.

*Estagiário sob supervisão de Fábio Vasconcellos

CRISE

As piores taxas de emprego e inflação?

No dia em que assumiu a Presidência, em 12 de maio de 2016, o presidente Michel Temer tratou da crise do país. “O Brasil, meus amigos, vive hoje sua pior crise econômica. São 11 milhões de desempregados, inflação de dois dígitos...”

NÃO É BEM ASSIM

Os dados do desemprego citados por Temer estavam corretos. Até então, o país tinha a maior taxa desde que a Pnad contínua passou a ser feita, em 2012. Hoje, o número de desempregados já chega a 14,2 milhões. A informação sobre inflação, porém, não procede. A taxa deixou de ficar em dois dígitos em março de 2016, antes do discurso do presidente, segundo dados divulgados pelo IBGE.

GASTOS

Governo reduziu número de cargos?

Com pouco mais de um mês de governo, Michel Temer afirmou: “Não só, vou dizer o óbvio, eliminamos ministérios, eliminamos mais de 4,2 mil cargos de livre nomeação, eliminamos mais de 10,2 mil cargos comissionados, eliminando portanto a comissão”. O discurso foi feito no dia 16 de junho de 2016.

NÃO É BEM ASSIM

Quando assumiu, em maio de 2016, Temer cortou apenas cinco dos nove ministérios prometidos. Ele, de fato, assinou decreto eliminando cargos de livre nomeação, mas os postos só começaram a ser extintos entre janeiro e abril de 2017. Dos 10 mil cargos comissionados, 8,9 mil foram eliminados.

EDUCAÇÃO

Mais 75 mil bolsas para estudantes?

Na reunião do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação, no dia 8 de julho de 2016, o presidente afirmou: “(...)Ele (Mendonça Filho, ministro da Educação) trouxe a mim um projeto aprovado pela área econômica, e nós anunciamos 75 mil novas bolsas de estudo para a universidade. Havia caído enormemente de um ano para o outro”

VERDADEIRO, MAS...

O governo de fato criou 75 mil bolsas, mas, desse total, 55,4 mil foram preenchidas. Mesmo com o adicional, o número de financiamentos caiu 29% em relação a 2015. Ao todo, 204 mil bolsas foram concedidas pelo programa no ano passado, o menor número desde 2012.

CONGRESSO

Três meses só de vitórias?

Temer demonstra satisfação com o apoio do Congresso Nacional, no dia 11 de agosto de 2016, e ressalta a aprovação de medidas propostas pelo governo: “(...)Embora tenhamos apenas três meses, o fato é que o Congresso Nacional nos deu um apoio. Estava paralisado há mais de dez, 12 meses. As matérias mais complicadas que lá estavam do Executivo foram prontamente aprovadas”.

NÃO É BEM ASSIM

Nos primeiros três meses de governo, Temer enviou à Câmara 34 medidas e/ou projetos: 15 foram aprovados, dois perderam eficácia e o restante ainda está tramitando. Nenhuma medida foi aprovada nesse período no Senado.

PREVIDÊNCIA

Déficit já chega a R$ 150 bilhões?

Durante um evento em São Paulo, no dia 30 de setembro de 2016, Michel Temer voltou a defender mudanças nas regras para a aposentadoria no país. Como argumento para a necessidade de reformar a Previdência, o presidente ressaltou que “o déficit do Regime Geral da Previdência atingirá R$ 150 bilhões. No ano que vem a previsão é atingir de R$ 180 a R$ 190 bilhões”

VERDADEIRO

Segundo o Ministério da Fazenda, a arrecadação da Previdência, em 2016, foi de R$ 364 bilhões, enquanto as despesas, R$ 515,9 bilhões. Déficit de R$ 151,9 bilhões. O déficit para 2017, por sua vez, está estimado em cerca de R$ 189 bilhões.

ECONOMIA

Empresários mais confiantes?

Ao discursar sobre a situação da economia brasileira, na reunião dos Brics, na Índia, em 16 de outubro de 2016, Temer afirmou: “Com as primeiras medidas adotadas, posso assegurar que já podemos constatar sinais da volta de confiança (...) Os índices de confiança da indústria e do consumidor registram altas.”

VERDADEIRO, MAS...

O índice de confiança da indústria da FGV/Ibre avançou 2,1 pontos, em setembro de 2016, para o maior nível desde julho de 2014, mas recuou 1,6 ponto no mês seguinte. Já a confiança, medida pela CNI, caiu 1,4 ponto em outubro. O índice, porém, continuou mais alto que o da gestão Dilma.

CULTURA

Mais recursos para a área em 2017?

Na cerimônia de entrega da Ordem ao Mérito Cultural, em novembro de 2016, o presidente anunciou mais investimentos para o setor. “Aumentamos em mais de 40% o orçamento destinado ao Ministério da Cultura em 2017 (...) iremos renovar por mais cinco anos, até 2022, os benefícios da Lei do Audiovisual”.

FALSO

A proposta orçamentária de 2017 previa R$ 2,5 bilhões para o Ministério da Cultura, valor 8% maior que o destinado em 2016. A proposta foi alterada no Congresso para R$ 2,7 bilhões (15% maior que o de 2016). Não há registro de renovação dos benefícios da Lei do Audiovisual como prometido.

AEDES

Menos incidência de zika e dengue?

Temer participou da abertura do dia nacional de combate ao mosquito transmissor da dengue, zika e chicungunha, no dia 2 de dezembro de 2016. Na ocasião, disse “que, comparado com 2015, houve uma diminuição de 5% na taxa de incidência desses males: dengue, chicungunha e da zika”.

FALSO

O Ministério da Saúde não adota taxa única de incidência para dengue, zika e chicungunha. A taxa de dengue de fato caiu: de 826 casos a cada100 mil habitantes, em 2015, para 733,4 ,em 2016. Mas a taxa da chicungunha cresceu 600%. A incidência de zika foi de 105 para100 mil habitantes em 2016. Não há dados de 2015 para verificar se houve alta ou queda.

EMENDAS

Governo acertou todos os compromissos?

Em janeiro deste ano, o presidente foi taxativo. “(...) Nesse brevíssimo tempo, nós não só pagamos todas as emendas parlamentares, sem embargos das dificuldades econômicas que todos os senhores conhecem, mas não só pagamos todas as emendas de bancada, emendas parlamentares, como liquidamos todos os restos a pagar de 2007 para cá".

NÃO É BEM ASSIM

Segundo o Siga Brasil, do Senado, o governo pagou em 2016 mais emendas do que em 2015. Em 2016, havia, no entanto, uma previsão de cerca de R$ 9,1 bilhões em emendas. Desse total, apenas R$ 3,6 bilhões (40%) foram pagas, incluindo os restos a pagar de outros anos.

INFLAÇÃO

Qual foi o ritmo de queda dos preços?

Num evento organizado no Palácio do Planalto, no dia 15 de fevereiro deste ano, Michel Temer afirmou que “a inflação veio de 10,70% para 6,23% em seis meses apenas”. O presidente acrescentou ainda que “a inflação deste mês de janeiro foi a melhor registrada nos últimos 20 anos”.

NÃO É BEM ASSIM

O IPCA levou mais de seis meses para sair dos patamares citados por Temer, que também são imprecisos. A inflação estava em 10,71% em janeiro de 2016, antes de Temer assumir, e foi caindo até chegar a 6,29% em dezembro, 12 meses depois. Já o segundo dado está correto. Em janeiro, o IPCA teve o melhor resultado dos últimos 20 anos.

MULHERES

Elas ocupam muitos cargos de direção?

No dia 8 de março deste ano, o presidente errou ao se referir ao mercado de trabalho das mulheres. “(...) Mas a gente vê em muitas reportagens, das mais variadas, como a mulher hoje ocupa um espaço executivo de grande relevância. O número de mulheres que comandam empresas, diretorias, é imenso. O número de mulheres que hoje estão no Legislativo, tendo uma atuação extraordinária...”

FALSO

As mulheres ocupavam apenas 36,8% dos cargos de direção de empresas, segundo a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. No Congresso, elas são apenas 10% da Câmara. Dos 27 senadores eleitos em 2014, apenas cinco são mulheres.

APOSENTAR

Na maioria dos países, a idade mínima é de 65?

No dia 11 de abril deste ano, o presidente mencionou dados da idade mínima para se aposentar em outros países: “Eu até tive a curiosidade, recentemente, de verificar vários países onde a idade mínima nunca é inferior a 65 anos. Salvo um ou outro país, a grande maioria é de 65, 66, 67 até 70 anos”.

VERDADEIRO

Segundo a OCDE, 26 de 49 países pesquisados em 2014 tinham idade mínima abaixo de 65 anos. Após reformas, esse limite passou para 65 anos ou mais na maioria deles. Apenas nove países ainda têm limite inferior a 65 anos. A Pension Watch, em um universo de 102 países, identificou 36, além do Brasil, com idade mínima abaixo dos 65 anos de idade.

 

O globo, n. 30597, 15/05/2017. País, p. 6