Reforma eleitoral e produtividade na Câmara

Pablo Cerdeira, Danilo Moura e Fábio Vasconcellos 

15/05/2017

 

 

Será que mudanças nas regras do jogo da competição eleitoral impactam os trabalhos na Câmara dos Deputados? Entre os vários pontos propostos na atual reforma política discutida em Brasília, pouca atenção tem sido dada a essa questão. Talvez a sua importância seja de fato secundária quando está em debate, por exemplo, a lista aberta ou fechada ou mesmo o financiamento de campanha, aspectos que interferem diretamente nas eleições e na forma de escolha de representantes. Mas, uma vez modificadas as regras, quais os possíveis efeitos na forma, ritmo e volume de trabalho na Câmara?

Realizamos no Congresso em Números da FGV um teste para tentar responder a essa pergunta. A análise consistiu em verificar o volume e o ritmo de trabalho na Câmara em 2016, ano de vigência das novas regras da disputa eleitoral aprovadas um ano antes, no comparativo com os demais anos, com e sem eleição municipal e geral, desde a década de 90.

Vamos recapitular. Em 2015, a Câmara dos Deputados aprovou a minirreforma eleitoral que se transformou na lei 13.165. Como agora, o objetivo principal era tornar as campanhas no Brasil mais baratas, e uma das formas encontradas foi reduzir o seu tempo de 90 para 45 dias. Agora, discute-se uma nova mudança, com uma possível ampliação do tempo de campanha.

Os dados do Congresso em Números confirmam algo conhecido intuitivamente: a Câmara trabalha menos em anos eleitorais porque os deputados tendem a dedicar mais tempo a buscar votos nas suas bases. No entanto, em 2016, ano de disputa por mais de 5,5 mil municípios, os dados apresentam comportamento bem diferente. Com as novas regras da minirreforma de 2015, os deputados estiveram mais presentes e deliberaram como nunca em plenário.

O número de sessões em 2016 superou em 28% a média de sessões dos anos com eleições municipais, quando ainda não tínhamos as novas regras da minirreforma. Se comparada com as eleições gerais, a diferença em 2016 foi ainda maior: 62%. O total de sessões do ano passado superou, inclusive, a média dos anos sem eleições, contrariando um comportamento histórico da Casa.

Outros dados merecem atenção. Nos quatro anos de eleições municipais anteriores a 2016, o plenário da Câmara realizou, em média, 135 votações. No ano passado, o plenário votou 215 vezes, um aumento de quase 60% no comparativo com a média dos anos de eleições municipais.

Esses dados precisam, evidentemente, ser contextualizados. Como sabemos, o ano de 2016 foi atípico em muitos aspectos, com crises econômica e política, impeachment, entre outros fatores que podem ter mobilizado mais os deputados. Como esses são fatores mais difíceis de controlar na análise, os próximos anos, portanto, vão indicar o quanto as mudanças nas regras do jogo propostas confirmam ou não a inflexão identificada em 2016.

A despeito disso, os dados sugerem, por enquanto, duas conclusões. A primeira delas é que a produtividade da Câmara parece estar diretamente ligada ao tempo de campanha eleitoral. Quanto mais tempo dedicado à busca de votos, mais os deputados se ausentam das sessões, menos a Câmara delibera e vota. A segunda é que mudanças nas regras do jogo podem trazer também efeitos secundários não previstos originalmente na produtividade da Câmara.

*Pablo Cerdeira, Danilo Moura e Fábio Vasconcellos são pesquisadores do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, responsável pelo Congresso em Números

 

O globo, n. 30597, 15/05/2017. Artigos, p. 15