NÃO FOI POR FALTA DE AVISO

Cleide Carvalho

14/05/2017

 

 

Lula recebeu alerta de suspeitas na Petrobras, embora tenha dito a Moro que nada sabia

 

CLEIDE CARVALHO

cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br

 

SÃO PAULO- Embora tenha afirmado perante o juiz Sergio Moro que demitiria toda a direção da Petrobras caso alguém o informasse sobre a existência de um esquema de corrupção na estatal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu importantes alertas, ainda no exercício do mandato, de práticas suspeitas na companhia, mas não agiu. No interrogatório da última quarta-feira, na sede da Justiça Federal em Curitiba, questionado pelo procurador Roberson Pozzobon, que perguntou se ele tinha conhecimento de corrupção na Petrobras e de repasse de dinheiro ao PT, Lula falou:

sma: preço muito acima do inicialmente orçado. Mas, no lugar de aceitar a decisão da Comissão Mista de Orçamento e determinar investigação na estatal, Lula vetou a inclusão das obras da Petrobras na lista e liberou os recursos.

Das quatro obras liberadas pelo veto de Lula, três foram flagradas na Lava-Jato. Uma é a Refinaria Abreu e Lima, uma espécie de ícone da corrupção na estatal: de um custo inicial de US$ 2,4 bilhões, já ultrapassou US$ 23 bilhões; mesmo que opere à plena capacidade durante toda sua vida útil, deve ser deficitária. As outras duas são o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. A quarta obra da lista era a implantação de um terminal em Barra do Riacho, no Espírito Santo, que, até agora, não apareceu nas investigações.

Em 2009, os investimentos da Petrobras alcançavam R$ 44 bilhões, quase 60% do orçamento do Ministério das Minas e Energia. Além do sobrepreço, o TCU apontou ainda valores de referência inflados e pagamentos questionáveis, como o custo determinado para equipamentos parados ou em serviço.

Não bastasse isso, o TCU registrou em seus relatórios de 2009 enorme dificulpoderiam dade de acesso aos documentos de licitações e valores contratados, que não foram fornecidos pela Petrobras. O órgão relatou obstrução dos trabalhos de fiscalização e chegou a convocar o então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, para tentar obter as informações.

Naquele ano, a Refinaria Abreu e Lima estava só no começo. Os contratos somavam R$ 2,77 bilhões, mas o TCU só conseguiu analisar quatro deles, uma amostra de apenas R$ 347 milhões. Ainda assim, o sobrepreço identificado foi de R$ 121,6 milhões. No relatório da obra, o órgão afirmou que, enquanto a estatal lhe informava que a refinaria custaria US$ 4,05 bilhões, no site do governo federal o investimento estimado chegava a US$ 23 bilhões.

No contrato da Repar, refinaria que estava sendo modernizada, o TCU descobriu que o “preço secreto” da Petrobras, que serve como referência para avaliar as ofertas nas licitações, havia sido inflado, contaminando todos os contratos. Em R$ 8,6 bilhões de contratos analisados, o sobrepreço alcançava R$ 4,04 bilhões. “O cálculo do sobrepreço permite concluir que esse valor (da obra) pode ser reduzido à metade. A economia da metade desse valor seria seis bilhões de reais”, afirmou em relatório.

Numa foto que mostra o Centro Integrado da Repar, anexa ao relatório, o TCU afirmava que o metro quadrado do prédio custou R$ 14 mil, enquanto um bom imóvel no centro de Curitiba custasse R$ 2 mil por metro quadrado. A Rodovia do Xisto, de acesso à refinaria, segundo o TCU, chegou a custar 164% a mais do que obras similares do DNIT, o departamento de obras rodoviárias do Ministério dos Transportes.

Entre os responsáveis pelas licitações, estavam Renato Duque, ex-diretor de Serviços da estatal condenado a 51 anos de prisão na Lava-Jato, e o exgerente Pedro Barusco, que se tornou delator e devolveu quase US$ 100 milhões que arrecadou em propina. Ambos atuaram para o PT, de acordo com suas delações. Outro citado nas auditorias foi Paulo Roberto Costa, o ex-diretor de Abastecimento que afirma ter arrecadado dinheiro para o PP.

No terminal Barra do Riacho, o TCU classificou a gestão da obra como temerária. Os quatro projetos da Petrobras foram parar na lista das obras com graves indícios de irregularidades, encaminhada ao Congresso, a quem cabe analisar o Orçamento da União.

Na reunião da Comissão Mista de Orçamento, que decidiria se as obras deveriam ou não receber recursos, senadores protestavam pois a Petrobras fez com a comissão o mesmo que fizera com o TCU: não levou à reunião as informações que indicar a existência de ilícitos.

— Nós precisamos que a Petrobras preste esclarecimentos não apenas ao TCU, mas, diante do que diz o TCU, preste esclarecimentos aos parlamentares nesta reunião porque nós precisamos tomar uma decisão — reclamou, à época, o ex-senador Almeida Lima (PMDB-SE), presidente da comissão.

Como não obtiveram informações detalhadas, os parlamentares acabaram incorporando o Comperj à lista inicialmente formada por somente três obras, todas com sobrepreços generalizados.

À época, o TCU apontava sobrepreço de R$ 140 milhões no Comperj. O pagamento por dias parados durante a terraplanagem alcançava R$ 151 milhões. O TCU chegou a afirmar que não era “de estranhar” que apenas 26,86% dos serviços tivessem sido executados porque o consórcio estava auferindo lucro muito maior com a verba indenizatória por paralisações do que pela execução da obra.

Todas as suspeitas, questionadas diretamente à empresa, não influenciavam o julgamento de Lula, que, em 2010, dizia conhecer bem as contas da companhia, a ponto de discursar, no batismo da plataforma P-57 da Petrobras, em Angra dos Reis.

— Houve um tempo em que a diretoria da Petrobras achava que o Brasil pertencia à Petrobras, e não a Petrobras ao Brasil. A ponto de ter presidente que dizia que era uma caixa preta. No nosso governo é uma caixa branca e transparente, nem tão assim, mas é transparente. A gente sabe o que acontece lá dentro e a gente decide muitas das coisas que ela vai fazer — afirmou o presidente.

A defesa de Lula não quis se manifestar. Luís Adams, chefe da AdvocaciaGeral da União na época, afirmou que as discussões com a Petrobras eram sempre difíceis, pois a estatal alegava sigilo comercial para não apresentar todas as informações, já que é empresa de economia mista. Além disso, também era questionada a tabela de preços de mercado usada pelo TCU, pois a empresa alegava que os preços variavam de acordo com o local da obra e tinha suas próprias tabelas de referência.

 

O globo, n. 30596, 14/05/2017,. País, p. 3