A véspera 
Cleide Carvalho, Sérgio Roxo, Tiago Dantas e Eduardo Bresciani 
10/05/2017
 
 
Lula, que teve atividades de instituto suspensas, tenta adiar depoimento a Sergio Moro

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- A véspera do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro foi marcada por derrotas na Justiça e por tentativas de última hora de adiar a audiência. Depois de a Justiça Federal ter negado o pedido de adiamento e mantido o interrogatório do petista em Curitiba, a defesa de Lula recorreu ontem à noite ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) na tentativa de postergar, mais uma vez, o depoimento. Para completar, no mesmo dia, um outro juiz decidiu suspender as atividades do Instituto Lula, em São Paulo. Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, classificou a entidade como “local de encontro para a perpetração de vários ilícitos criminais”.

À noite, a defesa de Lula ajuizou, num intervalo de 59 minutos, três pedidos de habeas corpus no STJ, recorrendo de decisões do TRF-4 que contrariam solicitações feitas anteriormente pelos advogados. Os pedidos foram protocolados às 17h40m, às 18h04m e às 18h39m. O primeiro habeas corpus pede que o STJ considere o juiz federal Sergio Moro suspeito para julgar a ação penal. No segundo, a defesa argumenta pelo direito de gravar todo o depoimento de Lula com uma equipe independente. E, no terceiro, além de pedir o adiamento do depoimento no processo, os advogados pedem “pleno acesso aos documentos” e, após isso, 90 dias para a análise. Todos esses pedidos foram negados pelo TRF-4. Os três autos foram remetidos para a 5ª turma do STJ e serão relatados pelo ministro Félix Fisher.

O processo que suspendeu as atividades do Instituto Lula apura a acusação de que o ex-presidente teria tentado obstruir a Justiça buscando evitar a delação do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. A base da acusação é a delação do ex-senador do PT Delcídio Amaral, que afirmou ter tratado do tema com o ex-presidente em reuniões no instituto. O juiz destacou que, em seu depoimento no processo, Lula reconheceu tratar no instituto de temas que iam além da atuação na área social. A decisão atende a pedido do Ministério Público e é do dia 5 de maio, mas só foi divulgada pela Justiça Federal ontem. Caberá à Polícia Federal cumprir a medida.

O juiz observou que, além de Delcídio, o expresidente da OAS Léo Pinheiro mencionou ter tido reuniões com o ex-presidente no mesmo local em que teriam sido tratadas ações que visavam obstruir as investigações. Em depoimento ao juiz Moro, em outro processo, Pinheiro mencionou que o ex-presidente lhe orientou a destruir provas sobre repasses ilegais ao PT.

“Como o próprio acusado mencionou que no local se discutia vários assuntos, e há vários depoimentos que imputam pelo menos a instigação de desvios de comportamentos que violam a lei penal, a prudência e a cautela recomendam a paralisação de suas atividades. Há indícios abundantes de que se tratava de local com grande influência no cenário político do País, e que possíveis tratativas ali entabuladas fizeram eclodir várias linhas investigativas”, afirmou o juiz Ricardo Leite.

O magistrado destacou ainda o fato de ter ocorrido autuação da Receita Federal contra o Instituto devido a repasses de recursos para uma empresa que tinha um dos filhos do expresidente como sócio.

PREPARAÇÃO PARA O INTERROGATÓRIO

À tarde, antes da divulgação da decisão, Lula e Moro haviam decidido se fechar por algumas horas em suas salas. O petista, no instituto, quando ainda estava em funcionamento. O magistrado, em seu gabinete no prédio da Justiça Federal, em Curitiba. Numa espécie de concentração, os dois voltaram a analisar os fatos envolvendo a ação sobre o tríplex no Guarujá. O ex-presidente falou por telefone com seus advogados, enquanto Moro se dedicou à leitura de documentos e preparação de perguntas do interrogatório que começará às 14h de hoje. Ambos, porém, conseguiram manter a rotina: Lula teve reuniões com assessores próximos, e Moro ouviu testemunhas.

O ex-presidente passou a maior parte do tempo conversando com seus dois principais homens de confiança: Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, e Luiz Dulci, diretor da entidade e ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência. De Curitiba, seu ex-chefe de gabinete Gilberto Carvalho enviou ao ex-presidente relatos sobre o clima para o interrogatório e a mobilização dos militantes na cidade.

Na noite de segunda-feira, em palestra em Curitiba, Moro afirmou que o processo não é uma “batalha” e que, na audiência, tem basicamente “que ouvir e fazer algumas perguntas”. Para ele, a expectativa não se justifica porque nada é resolvido na audiência.

Este será o primeiro encontro entre Lula e Moro, tema que tomou conta das redes sociais nos últimos dias. Ontem, as hashtags #brasilcomlula, #institutolula e #lulaamoro estiveram durante boa parte da tarde entre as mais populares do Twitter no Brasil, acompanhadas de comentários a favor de Lula ou de Moro, reforçando o clima de expectativa. O juiz, no entanto, vem pedindo aos seus seguidores para que não reforcem o clima de embate entre Lula e Moro.

A parte mais detalhada da preparação de Lula havia sido feita na segunda-feira, quando foi ao escritório do seu compadre e defensor, Roberto Teixeira, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Na reunião, Lula repassou pontos que a defesa considera falhos no processo que contra ele.

Ao mesmo tempo em que juiz e acusado acertavam detalhes da audiência, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) analisava pedidos feitos pela defesa do ex-presidente. No meio da tarde, os advogados perderam duas ações. O TRF negou o pedido da defesa de gravar o interrogatório do petista. A decisão foi do juiz federal Nivaldo Brunoni, para quem não havia lógica no pedido dos advogados. Pouco antes, o juiz federal, convocado para substituir o desembargador João Pedro Gebran Neto, havia negado o pedido da defesa pelo adiamento do depoimento. (Colaboraram Rayanderson Guerra e Gabriela Viana)

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Bumlai afirma que ideia de nova sede para instituto partiu de Marisa

Cleide Carvalho e Tiago Dantas

10/05/2017

 

 

Pecuarista diz que procurou Odebrecht para tentar resolver a situação

-SÃO PAULO- O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do expresidente Lula, afirmou ontem, em depoimento ao juiz Sergio Moro, que a ideia de fazer uma nova sede para o Instituto Lula foi da ex-primeira dama Marisa Letícia e que ela não queria que o marido soubesse. Bumlai prestou depoimento por videoconferência no processo em que Lula é acusado de receber benefícios da Odebrecht — a compra de uma cobertura vizinha à dele, em São Bernardo do Campo, e de um imóvel em Indianópolis, na capital paulista, que serviria de sede do instituto. A exprimeira-dama Marisa Letícia morreu no último dia 3 de fevereiro, depois de alguns dias internada devido a um AVC.

— A ideia surgiu de uma conversa com dona Marisa. Eu não sabia como solucionava isso aí, a não ser o que tinha sido feito pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso. Que dez empresários participassem do processo e levantassem o Instituto Lula, onde guardariam os presentes, uma espécie de museu. Eu não tinha a menor condição de arrumar dez empresários em São Paulo, nem a liberdade para chegar e expor — afirmou o pecuarista.

Segundo ele, a ex-primeiradama não queria que Lula soubesse da compra do terreno, embora nunca tenha lhe dito o motivo da surpresa.

Bumlai disse ainda que expôs a ideia a Marcelo Odebrecht, que teria apontado alguém da empresa para procurá-lo.

Bumlai afirmou ter recebido um único telefonema de uma pessoa indicada por Marcelo. Em seguida, uma corretora teria encontrado um imóvel em Indianópolis, mas, como havia muitas pendências jurídicas, o advogado Roberto Teixeira passou a ajudar na análise dos documentos. A escolha de Teixeira também teria sido feita por Marisa.

— Dona Marisa, quando apresentou a ideia, queria colocar mais uma pessoa. Era o Jacó Bittar, mas o Jacó Bittar ficou muito doente, sem possibilidade de ajudar em nada. O doutor Roberto (Teixeira) é o advogado da família há muitos anos, acredito que foi por ai.

Ainda durante o depoimento, o pecuarista deu sua versão para o motivo que levou seu primo Glaucos da Costamarques a comprar um apartamento vizinho ao do ex-presidente Lula em São Bernardo (SP). Ele disse que indicou ao primo os serviços de Teixeira. Segundo Bumlai, o primo procurava um advogado especialista na área imobiliária para ajudá-lo a fazer negócios em São Paulo:

— Glaucos vendeu um terreno em Campo Grande para uma firma mexicana, por um valor significativo. E aí quis adquirir imóveis: adquiriu um vizinho do presidente Lula, uma chácara vizinha ao Roberto Teixeira, deu sinal num apartamento na Alameda Lorena.

DEFESA DE LULA

A defesa do ex-presidente Lula afirmou que o depoimento de Bumlai deixou claro que seu cliente jamais solicitou a ele intervenção para compra do imóvel da Rua Haberbeck Brandão. “Mais ainda, Bumlai informou que lhe foi pedido que não comentasse esse assunto com Lula”, assinalou.

Dois depoimentos ontem reforçam as acusações contra Lula. Tatiana de Almeida Campos, herdeira e antiga proprietária da cobertura vizinha à de Lula em São Bernardo, disse a Moro que soube pelos advogados Lacier Pereira e Sérgio Barela — dela e da madrasta — que o apartamento estava sendo vendido ao ex-presidente Lula. Ela afirmou que não leu nenhum documento referente à transferência do apartamento, apenas confiou e assinou, porque a advogada era prima dela. Em nenhum momento foi dito, segundo ela, o nome de Costamarques.

O arquiteto Marcelo Carvalho Ferraz, contratado pelo Instituto Lula para projetar o Memorial da Democracia, também prestou depoimento a Moro. Ferraz contou ter visitado o terreno investigado com Clara Ant, colaboradora do Instituto. No local, teria dito a ela que o local seria impróprio para o museu que Lula planejava construir e guardar seu acervo. Na saída, teriam encontrado o ex-presidente.

 

O globo, n. 30592, 10/05/2017. País, p. 3