Mais países barram a carne brasileira
Lu Aiko Otta
22/03/2017
Mais países anunciaram ontem restrições à importação de carne brasileira. Japão, Hong Kong e Suíça suspenderam as compras de produtos originários dos 21 frigoríficos colocados sob suspeita pela Polícia Federal. A Jamaica foi ainda mais longe: além de suspender as compras, apelou para que a população simplesmente não coma carne brasileira e ordenou que supermercados retirem de suas prateleiras os produtos bovinos. México e Egito também suspenderam as compras, mas a informação ainda não havia chegado ontem oficialmente ao governo.
Por outro lado, o Brasil recebeu o apoio do Uruguai e da Argentina, que consideraram suficientes as medidas já adotadas pelo governo para garantir a salubridade dos produtos. E a Coreia do Sul desistiu de bloquear as compras de produtos da BRF. Mais importante, a China deu indicações de que poderá suspender em breve a medida que atualmente proíbe o desembaraço (saída do porto) da carne brasileira exportada para lá.
Essas idas e vindas deverão continuar por algum tempo, disse o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luís Eduardo Rangel.
Ele considera natural que os 33 países que receberam produtos dos estabelecimentos investigados na Carne Fraca queiram explicações adicionais e já tem pronta uma resposta-padrão, que é adaptada para cada mercado.
Muitas vezes, disse, os governos adotam restrições até para dar uma resposta a seus consumidores.
“Se formos convincentes e rápidos, não teremos um bloqueio”, disse o ministro da Agricultura, Blairo Maggi. E repetiu a preocupação central do governo no momento: “Não podemos entrar numa lista negra.” Ele informou ter recebido “de alguém” uma estimativa pela qual uma redução das exportações de carne por causa das revelações da Carne Fraca poderão trazer prejuízo de US$ 5 bilhões nos próximos cinco anos. É uma conta por alto, segundo frisou.
Num outro cálculo rápido, ele estimou que, se as restrições resultarem em perda de 10% do mercado, a queda nas exportações será de US$ 1,4 bilhão.
Visita. Ontem, Maggi visitou a unidade da Seara, do grupo JBS, em Lapa, a 70 km de Curitiba. É o único estabelecimento alvo da operação que exporta para a China. Mas as vendas são elevadas.
No ano passado, foram embarcadas 60 mil toneladas.
A Carne Fraca revelou que os três fiscais que atuavam na unidade assinavam documentos sem vistoria. Para a Agricultura, o problema é particularmente grave porque eles autorizaram exportações sem fiscalizar. E a China só aceitam o produto brasileiro porque o governo lhe dá garantia de conformidade.
Na teleconferência de segunda- feira, os chineses pediram justamente garantia por escrito de que o produto processado naquela planta tem qualidade. Essa documentação seria enviada ainda ontem à China. Os técnicos acreditam que, com isso, em breve as importações do Brasil serão retomadas. / A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO GOVERNO
Corrida
“Se formos convincentes e rápidos, não teremos um bloqueio. Não podemos entrar numa lista negra.”
Blairo Maggi
MINISTRO DA AGRICULTURA
A REAÇÃO INTERNACIONAL
● Alguns países já suspenderam a compra de carne brasileira
UNIÃO EUROPEIA
Suspendeu a compra de carne dos 21 estabelecimentos sob investigação
SUÍÇA
Suspendeu importações originárias de 3 estabelecimentos
EUA
Vão inspecionar 100% das amostras
MÉXICO
País suspendeu importações de carnes brasileiras
JAMAICA
Suspendeu temporariamente a compra de carne enlatada e termoprocessada
CHILE
País determinou a suspensão temporária de todos os tipos de carne
EGITO
Suspendeu temporariamente as importações
ISRAEL
Enviou pedido de informação
RÚSSIA
Aguarda o movimento da União Europeia para decidir
CHINA
Determinou a suspensão do desembaraço aduaneiro de carnes braseileiras
HONG KONG
Decidiu ontem suspender temporariamente a importação de carne do Brasil
COREIA DO SUL
Voltou atrás na decisão de banir a importação de frango produzido no Brasil
JAPÃO
Suspendeu temporariamente as importações de frango e produtos das 21 empresas
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UE faz novas ameaças e deputados pedem freio com Mercosul
Jamil Chade
22/03/2017
Deputados europeus pressionam a Comissão Europeia para que freie as negociações com o Mercosul diante da fraude na carne brasileira, enquanto autoridades veterinárias de Bruxelas criticam de forma dura a gestão do governo de Michel Temer em relação à crise e fazem até novas ameaças.
A Comissão Europeia se reuniu nesta terça-feira com deputados do bloco e indicou que poderá ampliar o embargo contra produtos brasileiros. Em todos os portos do continente, autoridades estão colhendo amostras de carnes brasileiras e outros produtos que estejam entrando no mercado europeu. Se ficar provado que existem problemas sanitários nesses carregamentos, a UE deixou claro que “não hesitará em tomar novas medidas”.
“Se o Brasil não nos der garantias e se virmos que o problema é sistêmico, haverá consequência”, disse Michael Scannell, chefe do escritório de Veterinária da Comissão Europeia. Segundo ele, Bruxelas pediu que todos os governos do bloco elevassem os controles sobre todos os alimentos de origem animal importados do Brasil. “Pedimos maiores controles físicos e a inclusão de controles de higiene”, disse, indicando que o resultado desse esforço será conhecido na sexta-feira.
A pedido da Europa, o Brasil suspendeu as exportações de quatro estabelecimentos envolvidos na Carne Fraca. Mas, durante a reunião em Bruxelas, Scannell admitiu que, no passado, “fez auditorias no Brasil e encontrou problemas”. “No setor de carnes, continuamente temos alertado sobre problemas ao longo de anos”, disse.
Irregularidades. No setor bovino, só “um número pequeno de estabelecimentos” pode exportar hoje. No caso da carne suína, o chefe dos veterinários insiste que o Brasil “fracassou nas auditorias” e nenhum grama de carne entra. Mesmo entre as empresas brasileiras autorizadas a exportar, o bloco confirmou que registrou ao longo dos anos 47 casos de irregularidades.
“Insistimos que temos preocupações de que tal grau de corrupção dentro dos estabelecimentos e das agências de controle não tenha sido de conhecimento das autoridades”, disse. Esperávamos, francamente, que esses problemas tivessem sido detectados e que algo sério estivesse ocorrendo, sem ter de esperar pela polícia”, afirmou Scannell.
Tradicionalmente contrário a um acordo com o Mercosul, o lobby agrícola no Parlamento Europeu aproveitou a crise para deixar claro que não quer um acordo com o Brasil. “Temos um problema muito grave no Brasil”, declarou o eurodeputado e ex-ativista francês José Bové. “Se a fraude ocorreu em quatro estabelecimentos, tem uma falha de um sistema global de controle de fraude”, disse. “Não são apenas as quatro empresas que estão em questão. É o Brasil que está em xeque.”
“Não podemos fazer concessões a quem tentou enganar”, disse o parlamentar Eric Andrieu. “Temos de ser cautelosos com acordos. Quando é que vão anunciar o fim das negociações?”, questionou o deputado Philippe Loiseau. “Depois do que descobrimos, porque é que ainda estamos negociando um acordo com eles?”, criticou o deputado Luke Flanagan.
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Jamil Chade
22/03/2017
No Parlamento Europeu, não faltaram críticas ao Brasil. Para o eurodeputado John Agnew, existe “uma cultura da propina no Brasil”. “Se vamos continuar a importar do Brasil, a única forma é de enviar nossos inspetores até lá”, defendeu. “Onde existe uma suspeita sobre um produto, existe sobre todos”, disse a deputada Mairead Mc- Guinness.
Paolo De Castro, deputado italiano, qualificou o caso como um “escândalo muito sério” e exigiu que os padrões europeus sejam impostos ao Brasil se o país quer vender para o continente.
“É um escândalo grave que desestabiliza o consumidor”, disse o deputado Michel Dantin. “Os autores precisam ser condenados na Europa como no Brasil”, disse. Ao explicar aos deputados o que ocorria no Brasil, os negociadores abandonaram a diplomacia.
O Estado de São Paulo, n. 45081, 22/03/2017. Economia, p. B5.