Valor econômico, v. 17, n. 4234, 12/04/2017. Brasil, p. A3

Gasto com juros cai e dívida cresce mais devagar

 

Tainara Machado

 

Depois de uma alta de 16% em 2015, para 65,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a dívida bruta subiu 6,8% no ano passado, para 69,9% do PIB. Apesar do déficit primário em torno de 2,5% do PIB, a dívida bruta cresceu menos ao longo de 2016 por causa da queda da despesa do governo com juros no período. Segundo dados do Banco Central, o gasto nominal com serviço da dívida caiu de 9% do PIB em janeiro de 2016 para 6,5% do PIB em dezembro de 2016 e 6,2%, como proporção do produto, em fevereiro deste ano, considerando fluxos acumulados em 12 meses.

Para economistas, além da redução da Selic, que desde outubro do ano passado caiu dois pontos percentuais, alguns fatores contribuíram muito para redução dessa despesa. A valorização do real ao longo do ano passado, por exemplo, levou o Banco Central a registrar lucro com as operações de swap cambial em 2016, depois de grandes prejuízos em 2015. Além disso, o BNDES devolveu R$ 100 bilhões para o Tesouro, o que também acaba contribuindo para reduzir o serviço da dívida.

A avaliação de economistas é que o ciclo de afrouxamento monetário, com expectativa de quedas adicionais da Selic, pode levar a despesa com juros para algo mais próximo de 5% do PIB até o fim do ano. A melhora da dinâmica da dívida, contudo, não deve evitar que o endividamento público continue a subir, já que outros fatores determinantes para a dívida seguem adversos, como crescimento decepcionante e projeção de superávit primário apenas em 2020.

Para Fernando Rocha, da JGP Gestão de Recursos, com as quedas adicionais da Selic esperadas para os próximos meses, que devem levar a taxa de juros básica da economia para um dígito, a despesa com juros pode cair um pouco mais em relação ao nível atual, para algo até inferior a 5,5% do PIB.

Ele observa que quase toda a melhora do déficit nominal, que considera todas as despesas e receitas do setor público, inclusive com juros, observada no último ano foi resultado da redução da conta de juros. O rombo nas contas públicas chegou a 10,7% do PIB em janeiro de 2016, mas caiu para 8,5% do PIB no acumulado em 12 meses até fevereiro.

Para Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica, há duas velocidades de ajuste ocorrendo: enquanto o déficit primário subiu para 2,5% do PIB em 2016, a conta de juros caiu 3 pontos. Para ele, que é pesquisador do Ibre-FGV, além da queda da Selic, outros fatores têm contribuído para reduzir a conta de juros paga pelo país, como a devolução de R$ 100 bilhões em recursos do BNDES emprestados pelo Tesouro e ganhos de capital que o BC teve com as operações de swap devido à valorização do real. No ano passado, por exemplo, o ganho foi de R$ 87,8 bilhões, contra prejuízo de R$ 117,2 bilhões até janeiro de 2016.

Os economistas também chamam atenção para a trajetória mais favorável da taxa de juros implícita na dívida líquida, que considera débitos e créditos do setor público. Essa taxa passou de 31,9% em janeiro de 2016 para 15,8% em fevereiro deste ano, no acumulado em 12 meses. Para Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullet Prebon, essa queda é explicada principalmente pelo resultado dos swaps cambiais, embora a dívida indexada à inflação também tenha ajudado. A Selic ainda contribuiu negativamente, diz.

Em debate na semana passada, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, enfatizou as revisões de subsídios implícitos na dívida como instrumentos que devem melhorar a dinâmica do endividamento público. A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), em substituição à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), vai reduzir gradualmente esses subsídios.

Mauro Schneider, economista da MCM Consultores, vê esse debate com cautela. "A despesa com juros pode cair para algo como 5% do PIB, mas tenho mais dificuldade para prever quão rápida será a redução da taxa de juros implícita na dívida líquida", diz. Para ele, a despesa com juros ainda pode cair, por causa da expectativa de quedas adicionais da Selic, ainda que esse espaço seja limitado pelo crescimento do endividamento do governo.

Já a taxa de juros implícita na dívida líquida, comenta, depende de redução de subsídios para ter quedas mais expressivas. "Muito embora esse caminho esteja sendo trilhado, tudo que está ligado a essa cultura de seletividade ainda pode sofrer resistência. Acho que precisamos atravessar dois governos, observar manutenção dessas políticas, para ter mais confiança", diz.

No último ano, contudo, a trajetória da taxa implícita na dívida líquida e o custo da dívida mobiliária federal se aproximou. A diferença, que chegou a 15,5 pontos em janeiro do ano passado, caiu para 4,5 pontos em fevereiro de 2017, considerando sempre as taxas acumuladas em 12 meses.

A taxa de juros implícita na dívida pública é maior do que o custo médio mensal da dívida mobiliária porque o governo tem débitos (o dinheiro captado no mercado) remunerados pela Selic e ativos (como empréstimos aos bancos públicos) por taxas mais baixas, como a TJLP. Assim, o custo "efetivo" da dívida acaba ficando maior do que a taxa com que o governo consegue se financiar no mercado.

A redução de subsídios, diz Montero, da Tullet, pode aproximar mais essas duas taxas, mas o carregamento de reservas, remuneradas por taxas perto de zero no mercado internacional, devem manter certa diferença.

O cenário de redução do custo de financiamento da União, de qualquer forma, já melhorou a trajetória da dívida, na avaliação de Mansueto. Em debate, ele afirmou que, no ano passado, a dívida bruta ficou em 69,9% do PIB, quase cinco pontos abaixo da estimativa do mercado em abril, quando economistas chegaram a projetar dívida de 74,4% ao fim de 2016, considerando o relatório Prisma. Para 2017, no mesmo mês, as projeções eram de dívida de 80%. Hoje, os economistas consultados pelo Prisma esperam que a dívida só atinja esse nível no início de 2019.

Para Schneider, da MCM, a dívida bruta deve terminar este ano em 74% e 2018 em 76%. Ele pondera, contudo, que esses números podem ser revisados para cima, apesar do efeito positivo da redução do pagamento de juros, por causa da atividade fraca e da mudança de meta de déficit primário do governo para o ano que vem, de R$ 79 bilhões para R$ 129 bilhões.

Rocha, da JGP, avalia que a melhora da dinâmica da dívida deve tornar o crescimento do endividamento mais lento, mas não deve impedir a dívida bruta de alcançar algo como 85% a 90% do PIB em 2024, quando deve se estabilizar.