Valor econômico, v. 17, n. 4234, 12/04/2017. Política, p. A5

Vazamento faz STF precipitar divulgação de lista

 

Luísa Martins
 

Depois de quase três horas de apuração desde o vazamento das decisões do ministro Edson Fachin sobre os pedidos de inquéritos feitos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que o relator da Operação Lava-Jato autorizou a abertura de 76 inquéritos contra 98 políticos e pessoas relacionadas a eles com prerrogativa de foro, oito deles ministros do governo Michel Temer. Deste total, baseado nos conteúdos das delações premiadas das empresas Odebrecht e Braskem, apenas dois permanecerão em sigilo - os outros 74 serão tornados públicos, conforme solicitado pelo procurador-geral, Rodrigo Janot.

Fachin atendeu a todos os 7 pedidos de arquivamento feitos por Janot. Outros 11 processos foram remetidos de volta à PGR para novas análises ou manifestações, como as ações contra o ministro Roberto Freire (PPS, Cultura) e contra a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP). Investigados na Lava-Jato sem direito ao chamado foro privilegiado tiveram ações - um total de 201 - enviadas a outras instâncias judiciais (o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, por exemplo, do PT, e o ex-prefeito do Rio, Eduardo Paes) ou adicionadas a outros processos já em curso no Supremo, caso da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Vinte e cinco petições vão permanecer em sigilo, conforme decisão do relator.

O vazamento dos pareceres de Fachin, aos quais o jornal "O Estado de S. Paulo" teve acesso, ocorreu ontem à tarde, em meio a uma semana em que o Judiciário está em recesso - o STF não tem sessões agendadas e vários ministros estavam em viagem, inclusive o próprio relator, que se encontrava no interior de Santa Catarina. Ao tomar conhecimento, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, ligou para Fachin do aeroporto, onde esperava para decolar de volta ao Brasil após participar de eventos em Washington, nos Estados Unidos. Oficialmente, o gabinete do relator afirmou desconhecer a origem da divulgação indevida dos conteúdos, que permaneciam sob sigilo.

Isso acabou alterando os planos do relator de comunicar suas decisões apenas na semana que vem. De acordo com fontes ligadas ao ministro, ele manifestava desejo de esperar Janot voltar ao país de uma viagem à Ásia - ele voltou ontem mesmo - e aguardar o fim do recesso de Semana Santa.

O STF também acabou por precipitar a publicação, em seu sistema interno, dos nomes dos políticos investigados no esquema de corrupção instaurado na Petrobrás. Antes, quem pesquisasse os números dos inquéritos encontraria a marca de "segredo de justiça".

A "lista de Janot" foi enviada ao Supremo em 14 de março, contendo 83 solicitações de abertura de inquérito, 211 declínios de competência, 7 arquivamentos e 19 outras providências. O procurador-geral também pedia, em nome da transparência e do interesse público, a retirada do sigilo de todos os processos. As aberturas de inquéritos atingem o grupo de poder mais alto do governo Michel Temer, envolvendo os ministros Eliseu Padilha (PMDB, Casa Civil), Gilberto Kassab (PSD, Ciência e Tecnologia), Moreira Franco (PMDB, Secretaria-Geral da Presidência), Bruno Araújo (PSDB, Cidades), Aloysio Nunes (PSDB, Relações Exteriores), Marco Antônio Pereira (PRB, Indústria e Comércio Exterior), Blairo Maggi (PP, Agricultura) e Helder Barbalho (PMDB, Integração Nacional).

Seis executivos da Odebrecht acusaram os principais auxiliares de Temer - Padilha e Moreira - de terem solicitado recursos em troca da manutenção de regras para concessão de aeroportos que seriam benéficas à empreiteira. "Há fortes elementos que indicam a prática de crimes graves, consistente na solicitação (...) de recursos ilícitos em nome do PMDB e de Michel Temer, a pretexto de campanhas eleitorais", diz a PGR, justificando a necessidade de abrir investigação contra eles - pedido deferido por Fachin.

Atualmente à frente do Itamaraty, Aloysio Nunes é suspeito de participar de um "ajuste de mercado" entre dez empreiteiras, entre elas a Odebrecht, para frustrar o caráter competitivo de processo licitatório associado à construção do Rodoanel Sul, em São Paulo. À época, o hoje ministro era chefe da Casa Civil daquele Estado.

Blairo Maggi, segundo a PGR, recebeu propina de R$ 12 milhões da Odebrecht para sua campanha eleitoral ao governo do Mato Grosso, em 2006. Alvo de outro inquérito, Kassab foi destinatário de R$ 20 milhões em repasses ilegais da empreiteira. Os demais ministros estão envolvidos em ilegalidades como corrupção e lavagem de dinheiro.

Temer afirmou que não vai se manifestar sobre a lista de investigados determinada por Fachin. No Palácio do Planalto, o entendimento é o de que está mantida a regra de que só serão afastados do governo ministros que se transformarem em réus perante o Supremo.

Um auxiliar de Temer observou que o fato de os ministros passarem a responder a inquéritos não necessariamente implica responsabilização por eventuais crimes, pois o destino da investigação pode ser o arquivamento. Anunciada há quase dois meses, a medida do Planalto prevê que, se houver denúncia do Ministério Público Federal, o ministro será afastado provisoriamente; a exoneração virá apenas se a denúncia for acolhida pelo STF.

Conforme o ritmo de análise de processos no Supremo, contudo, o andamento de um inquérito na Corte pode se arrastar por meses - em alguns casos, ultrapassa um ano. A expectativa de Temer é de que a divulgação das decisões de Fachin não impacte as votações em andamento, como a reforma trabalhista, cuja votação está prevista para o dia 18, mesma data da apresentação do relatório da reforma da Previdência na comissão. A data será um teste para medir a temperatura do Congresso quanto aos reflexos da Lava-Jato entre os parlamentares.

A lista de Fachin ainda atinge 24 senadores e 39 deputados federais, entre eles os presidentes das Casas, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), respectivamente. Os ex-presidentes petistas Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva e o tucano Fernando Henrique Cardoso tiveram petições encaminhadas a outros foros e tribunais, enquanto Fernando Collor (PTC-AL), hoje senador, é alvo de um dos inquéritos instaurados. José Sarney é citado em um inquérito remetido à primeira instância.

Estão envolvidos nas delações da Odebrecht, ainda, 12 governadores. Beto Richa (PSDB-PR), Fernando Pimentel (PT-MG), Flávio Dino (PCdoB-MA), Geraldo Alckmin (PSDB-SP), Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ), Marcelo Miranda (PMDB-TO), Marconi Perillo (PSDB-GO), Paulo Hartung (PMDB-ES) e Raimundo Colombo (PSD-SC) tiveram os pedidos remetidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro competente para julgar chefes dos executivos estaduais. Por terem sido mencionados junto a autoridades com foro privilegiado, Renan Filho (PMDB-AL), Robinson Faria (PSD-RN) e Tião Viana (PT-AC) serão investigados no STF.

Prefeitos e ex-prefeitos de norte a sul do país também tiveram inquéritos instaurados para apurar irregularidades, como a prefeita de Mossoró (RN), Rosalba Ciarlini, o chefe municipal de Blumenau (SC), Napoleão Bernardes e os ex-prefeitos do Rio Cesar Maia (DEM) e Eduardo Paes (PMDB).