Valor econômico, v. 17, n. 4234, 12/04/2017. Política, p. A7

Delações enfraquecem governo e embaralham sucessão de Temer

 
Raymundo Costa
 
 

Os inquéritos abertos pelo ministro Edson Fachin atingiram em cheio os principais presidenciáveis dos partidos e deixaram ainda mais imprevisível a sucessão de 2018. O futuro é incerto, mas o passado também não para em pé: cinco ex-presidentes eleitos desde a redemocratização foram de alguma forma arrolados nas investigações: José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O atual presidente Michel Temer, também mencionado nas relações, está foram dos inquéritos porque não pode responder por atos praticados antes do mandato. Os presidentes das duas Casas do Congresso, Rodrigo Maia (Camara) e Eunício Oliveira (Senado), também serão investigados. Dos antigos dirigentes da Câmara, um está preso (Eduardo Cunha) e outro (Renan Calheiros) é réu numa ação e carrega agora mais 13 inquéritos nas costas.

As delações da Odebrecht passaram uma régua no PSDB, partido de início poupado na Lava-Jato. Os três principais presidenciáveis do partido - Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra - vão responder a inquéritos que provavelmente não ficarão prontos até a eleição. Ou serão indiciados às véspera do pleito. O mesmo serve para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas para 2018. Lula já respondia a cinco inquérito e agora ganhou vários, baseado em delações dos 78 executivos da Odebrecht. Nem PSDB nem PT têm um Plano B para a sucessão presidencial. No PT fala-se em Ciro Gomes, que dificilmente será aceito pelo partido, e a estrela do prefeito João Doria cada vez mais brilha do PSDB.

Também ficou mais difícil para o Palácio do Planalto entrar na sucessão de 2018, como é sua intenção, apesar de todas as negativas e do fato de Michel Temer ser aprovado por somente 10% da população. A lista de Fachin atingiu em cheio o coração do governo, com exceção do ministro Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), cujo pedido de inquérito foi arquivado a pedido de Fachin. Como esperado, passam a ser investigados formalmente os dois mais importantes conselheiros do presidente Temer: o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o ministro da Secretaria-Geral, Moreira Franco.

O Planalto não reconhece, mas o governo ficou mais fraco: no total, nove ministros de Temer responderão a inquérito por terem recebido ou intermediado doações para campanhas eleitorais que o Ministério Público considerou criminosas (sete ex-ministros de Dilma estão na lista). O Palácio do Planalto não foi surpreendido com a divulgação do nome das pessoas que serão investigadas a partir das denúncias feitas pelos executivos da Odebrecht. Alguns ministros lamentaram apenas que ela tenha ocorrido quando o Supremo saiu em recesso da Semana Santa, o que impede os advogados de irem ao STF tomar conhecimento das acusações e dar entrevistas.

Havia até uma aparente tranquilidade nos corredores do palácio: a lista era a esperada e os nomes, conhecidos. A regra para o afastamento de ministros da Lava-Jato já está estabelecida. No total, 42 deputados e 29 senadores foram atingidos. Todos os partidos da base têm um ou mais de um investigado, além da oposição, como PT e PCdoB. Logicamente, o Planalto espera alguma turbulência no Congresso, mas diz que ela será perfeitamente administrável. Pelo sim, pelo não, preferiu reforçar a articulação para aprovar a reforma da Previdência. Nos planos de Temer para 2018, a reforma da Previdência é fundamental.

Nos cálculos de aliados de Temer, o governo vira 2017 inflação abaixo da meta, algum crescimento do PIB, o emprego logo deve a reagir e o presidente chegará ao ano da eleição em situação bem melhor que a atual de impopularidade. Talvez não tanto para reivindicar a reeleição - Temer, aliás, tem um compromisso com o PSDB de não disputar a reeleição -, mas se chegar a 15% ou 20% de aprovação, pode pensar em se tornar um eleitor importante (se chegar a 25% a conversa com o PSDB deve mudar). Estima-se que a máquina governamental possa assegurar até 20% de votos para um candidato, já na largada.

A melhora da aprovação do governo é importante não só para Michel Temer, mas para toda a aliança de partidos que o sustenta no Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recentemente verbalizou o que outros ministros e dirigentes partidários também diziam nos bastidores: o sucesso eleitoral futuro do grupamento partidário localizado entre o centro e a direita depende do sucesso do governo Temer. E este depende das reformas.

A pré-candidatura Serra, nome que poderia ter a benção do Palácio do Planalto, já havia esvaziado quando ficou conhecido que sua campanha de 2010 recebeu R$ 23 milhões no exterior. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tentou manter distância do governo impopular Temer, um reduto de investigados pela Lava-Jato, mas agora também entrou na roda. Com a ascensão de Alckmin, Aécio imediatamente se aproximou de Serra, que deixara de ser ameaça. A candidatura de Dilma também corre riscos. Da elite de candidatos de 2014, só Marina Silva ficou de fora dos inquéritos abertos pelo ministro Edson Fachin - mas sua campanha, naquele ano, já foi citada em outras delações. A eleição de 2018 pode até não trazer um outsider da política, mas pode muito bem mostrar caras novas no lugar daquelas que se repetem, pelo menos, desde a eleição de 1994.

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Temer deve manter os oito ministros citados

 
Andrea Jubé
Fabio Graner
 

O presidente Michel Temer não demitirá nenhum dos oito ministros que responderão a inquéritos originários das colaborações premiadas de executivos da Odebrecht, abertos pelo ministro do STF, Edson Fachin. Temer sustentará a regra criada por ele e anunciada em fevereiro, de que só afastará auxiliares que se tornarem réus em processos relacionados à Operação Lava-Jato. A alegação é de que o inquérito é apenas o início de uma investigação, e que há presunção de inocência a ser observada.

Do rol de investigados, há dois ministros com assento no Palácio do Planalto: Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, e Eliseu Padilha, da Casa Civil. Fachin abriu inquérito também contra ministros que não fazem parte do chamado "núcleo duro" do governo, mas têm peso político relevante na coalizão aliada. São eles: Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia), Blairo Maggi (Agricultura), Aloysio Nunes (Relações Exteriores), Marcos Pereira (Indústria e Comércio), Helder Barbalho (Integração Nacional) e Bruno Araújo (Cidades).

Instado a se pronunciar sobre a abertura de inquérito, Moreira preferiu não se manifestar. Já o ministro Eliseu Padilha falou rapidamente com a imprensa ontem à noite, ao deixar seu gabinete. Ele disse que há poucos elementos para se manifestar, mas avalia que está tudo "dentro do quadro de normalidade" e que vai se defender nos autos do processo.

Padilha, que é um dos principais articuladores da votação da reforma da Previdência Social, não acredita que a divulgação da lista - que inclui 29 senadores e 42 deputados - inviabilize a análise da matéria no Congresso. "Não atrapalha", disse aos jornalistas, mesmo diante da inclusão do nome do relator da proposta, deputado Arthur Maia (PPS-BA), entre os investigados. A orientação no Planalto é a de tentar transmitir tranquilidade e controle da situação, além de não se atribuir nenhuma surpresa com a lista.

Temer mantém o discurso que já havia preparado no início do ano: inquérito não implica condenação, é apenas o início de uma investigação e alguns inquéritos podem até mesmo ser arquivados. Do contrário, se houver denúncia e o ministro se transformar em réu, será afastado. "Se houver denúncia, o que significa um conjunto de provas eventualmente que possam conduzir ao seu acolhimento, o ministro que estiver denunciado será afastado provisoriamente", disse o presidente no dia 13 de fevereiro. "Depois, se acolhida a denúncia, e aí sim, a pessoa se transforma em réu, isto eu estou mencionando os casos da Lava Jato, o afastamento é definitivo", concluiu. Um inquérito, contudo, pode arrastar-se por meses ou até mesmo anos.

Auxiliares de Temer disseram ao Valor não acreditar que a divulgação retarde as votações das reformas no Congresso. A esperança no Planalto é de que os parlamentares se empenharão nas votações de matérias econômicas, para gerar uma "pauta positiva" apta a disputar espaço no noticiário.

Entre os inquéritos abertos por Fachin, o ministro Gilberto Kassab aparece em dois. Em um, é apontado o recebimento de R$ 20 milhões no período de 2008 a 2014, "a pretexto da obtenção de vantagens pela sua condição de Prefeito Municipal de São Paulo/SP e, após, de Ministro das Cidades".

O inquérito contra Aloysio Nunes está junto com o do senador e seu antecessor na pasta, José Serra. "Os colaboradores também narram a ocorrência de solicitação de vantagem indevida, a pretexto de doação eleitoral, efetuada pelo então Chefe da Casa Civil do Governo de São Paulo Aloysio Nunes". O pedido teria gerado R$ 500 mil ao então candidato.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, teve inquérito aberto por conta dos depoimentos de dois delatores da Odebrecht, que "narram o pagamento de vantagem, no contexto de sua campanha eleitoral ao Governo do Estados do Mato Grosso, no ano de 2006". Os pagamentos a Blairo teriam somado R$ 12 milhões e teriam origem em liberação de recursos para pagamento de créditos em atraso do Estado com a Odebrecht, feita por um "agente público estadual".

O ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, teve seu inquérito aberto com base na acusação de pagamento de R$ 1,5 milhão em três parcelas para a campanha dele ao governo do Pará em 2014. "Os valores teriam sido solicitados pelo próprio candidato", diz o documento. "Esses repasses funcionariam como contrapartida a interesses do grupo Odebrecht no Estado do Pará, notadamente na área de saneamento básico".

O ministro das Cidades, Bruno Araújo, teve inquérito aberto com base em acusação de doações eleitorais de R$ 600 mil "não contabilizadas" entre 2010 e 2012. "Ainda se noticiou que, quando no exercício do cargo de deputado federal, agiu o parlamentar em defesa dos interesses da empresa no Congresso Nacional", diz o texto.

O ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Marcos Pereira, é alvo de inquérito no qual é acusado de receber pagamento de R$ 7 milhões destinado ao seu partido, o PRB, que compunha a aliança da campanha de Dilma Rousseff.

O nome do ministro da Cultura, Roberto Freire, também apareceu em pedido de inquérito sob acusação de receber R$ 200 mil em "vantagens não contabilizadas". O caso, no entanto, foi devolvido à PGR para avaliação sobre eventual "extinção de punibilidade".

 

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Congresso encerra as sessões após divulgação

Raphael Di Cunto
Fabio Murakawa
Marcelo Ribeiro
 

Pouco após se tornar pública a decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), de abrir 74 inquéritos contra parlamentares com base nas delações dos 78 executivos e ex-executivos do Grupo Odebrecht, Câmara e Senado encerraram suas sessões sem votar mais nada. Na Câmara, o plenário esvaziou logo após a divulgação da lista de investigados e o governo não conseguiu, de novo, votar o projeto de lei que cria o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acabou com a sessão após horas de obstrução da oposição. A base do governo teve muita dificuldade de rejeitar os requerimentos que visavam atrapalhar a votação e, após cinco horas de discussões, a sessão foi encerrada as 17h30, sem quórum suficiente e com vários deputados avisando que iriam voltar para os Estados.

"Não faz sentido ficar arrastando isso até tarde. Essa é uma semana complicada, com o feriado, e o quórum estava baixo desde ontem", disse o líder do governo, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Ao sair do plenário, Maia disse que a decisão de adiar a votação do projeto pela quarta vez nada teve a ver com a lista. "O quórum já era muito baixo às 14 horas. Estávamos enfrentando dificuldades desde cedo nos requerimentos, o que inviabilizaria qualquer votação", avaliou Maia, que descartou que a lista atrapalhe a votação da agenda de reformas.

Com o encerramento precoce da sessão, o Conselho de Ética da Câmara foi instalado no final da tarde de ontem. Venceu a disputa o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), aliado de primeira hora do presidente da Câmara, alvo de um dos inquéritos e citado por cinco delatores da Odebrecht. Ele diz que as acusações se provarão mentiras.

Assim como ocorreu na Câmara, os trabalhos foram concluídos no Senado poucos minutos após tornar-se pública a lista. As maiores bancadas de senadores, PMDB e PSDB, também são as legendas da Casa com o maior número de parlamentares que passarão a serem investigados com base na nova rodada de delações. O ministro Edson Fachin determinou a abertura de inquérito contra nove ministros do governo do presidente Michel Temer, 29 senadores e 42 deputados federais, segundo informação do jornal "O Estado de S. Paulo".

O PMDB tem o maior número absoluto. Nove de seus 22 senadores (40,9% da bancada) serão alvo de inquérito, entre eles o presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), seu antecessor Renan Calheiros (AL) e o líder do governo, Romero Jucá (RR).

DEM e PSDB, contudo, são as siglas com o maior percentual de implicados. O DEM, que tem uma bancada menor, de apenas quatro senadores, tem metade deles - Agripino Maia (RN) e Maria do Carmo (SE) na lista. Já os tucanos contam com sete de seus 11 senadores em exercício (63,6% do total) entre os implicados. A conta não leva em consideração o caso de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), senador licenciado que é o atual ministro de Relações Exteriores. Ele também está na lista.

Os cálculos desconsideram casos como do PCdoB e do PTC, ambos com apenas um senador (Vanessa Grazziotin e Fernando Collor, respectivamente) e que são alvos de inquérito. No PT, quatro de seus 10 senadores estarão sob investigação. PP e PSB (2 cada) e PSD (1) completam a lista de senadores, com 29 nomes - ou seja, 35,8% dos 81 parlamentares que compõem o Senado Federal.

Na Câmara, a lista atingiu os líderes do PT, Carlos Zarattini (SP), e da oposição, Décio Lima (PT-SC), além de outros 42 deputados.