Lei de abuso de autoridade volta à pauta no Senado

Julia Lindner e Isabela Bonfim

23/03/2017

 

 

Após críticas à atuação da PF e do Ministério Público na Operação Carne Fraca, Edison Lobão afirma que proposta pode ser votada no fim de abril

 

 

Senadores encontraram ambiente favorável – após críticas à Polícia Federal na condução da Operação Carne Fraca – para inserir novamente na pauta de votações o projeto que modifica a lei de abuso de autoridade. A proposta foi criticada por procuradores e juízes, que afirmam que o texto poderia prejudicar as investigações. O relator do projeto, Roberto Requião (PMDB-PR), apresentou o parecer na tarde de ontem e, em seguida, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Edison Lobão (PMDB-MA), confirmou a inserção do projeto na pauta da colegiado. “Não pretendo colocar em votação agora. Vou conceder vista de uma semana e podemos votar na sessão seguinte, no fim de abril”, afirmou.

Nos bastidores, senadores de diferentes partidos da base e da oposição defenderam o projeto sob a justificativa de que as ações da Carne Fraca foram “exageradas” e “irresponsáveis”.

No plenário, não foram raras às críticas a PF, ao Ministério Público e às consequências da operação para o setor pecuário e as exportações brasileiras.

Lobão, entretanto, negou que a operação da PF tenha pautado o projeto.

“A proposta é anterior à operação da Polícia Federal, não há como ter uma relação, não foi uma premonição”, afirmou o senador.

 

Críticas. Mas ainda há no Senado pontos de resistência ao projeto e senadores que criticam a medida. “Se for aprovado como está, será o fim da Lava Jato. O Ministério Público vai ficar ferido em sua autonomia e praticamente impedido de conduzir qualquer investigação.

Pode fechar essa bodega, pois não terá mais sentido a existência do MP. Isso é um insulto às investigações em curso”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Randolfe disse ainda que há uma tentativa de fazer o projeto de abuso de autoridade tramitar na mesma época da proposta que acaba com o foro privilegiado para “amenizar” a situação do Senado com a opinião pública.

O projeto de abuso de autoridade define crimes cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções, abuse do poder.

O texto prevê punições administrativas e civis, mas também penais, por exemplo, a delegados estaduais e federais, promotores, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que ordenarem ou executarem “captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária”.

 

 

Proposta. Requião é o relator do projeto

 

 

PRINCIPAIS PONTOS

Exposição

O projeto prevê punição para membros do poder público ou agente da administração pública por divulgar gravação sem relação com a prova que se pretendia produzir, “expondo a intimidade ou a vida privada” do acusado ou do investigado. Pena é de 1 a 4 anos de detenção e multa.

 

Escutas

Há sanção prevista em caso de realização de interceptações ou escutas sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. A pena é de reclusão de 2 a 4 anos e pagamento de multa.

 

Ativos

Detenção de 1 a 4 anos e pagamento de multa é a punição prevista por decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte.

 

Prisão e buscas

Delegados, promotores, juízes e ministros de tribunais superiores que ordenarem ou executarem “prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária” são punidos com pena de 1 a 4 anos de detenção.

 

Provas

O texto prevê punição a quem obtiver provas, durante investigações, por meios ilícitos. A pena de detenção é de 1 a 4 anos.

 

PARA LEMBRAR

Renan quis aprovar texto

Então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) voltou a articular a votação de uma proposta para alterar a lei de abuso de autoridade. O texto de 2009 foi desengavetado por Renan em meados de julho como resposta à autorização de uma ação de busca e apreensão nas dependências da Casa. A proposta previa diferentes punições a ações policiais e do Ministério Público. Entidades ligadas ao Judiciário e ao MP criticaram a movimentação por considerar que o projeto seria uma ameaça à Lava Jato. Renan é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) e investigado em mais de dez ações. O plenário do Senado chegou a aprovar urgência para a votação, mas, em dezembro, Renan recuou ao perceber que a proposta não teria o apoio necessário para a aprovação e encaminhou o texto para discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45082, 23/03/2017. Política, p. A5.