Comissão vai analisar restrições à imprensa pelo Poder Judiciário

André de Souza

04/05/2017

 

 

Para Cármen Lúcia, cerceamento ao trabalho dos jornalistas não é válido, mesmo em decisão judicial
 

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, anunciou ontem a instalação de uma comissão nacional, no âmbito do Poder Judiciário, para analisar eventuais restrições ao trabalho da imprensa. O órgão funcionará dentro do CNJ. A ministra destacou que qualquer forma de cerceamento à liberdade de imprensa, mesmo quando na forma de decisão judicial, não é válida. Ela ressaltou também a importância da liberdade de imprensa para que os cidadãos tenham informações e, assim, deixem de ser analfabetos políticos e possam fazer suas escolhas.

Segundo Cármen Lúcia, a comissão nacional foi uma ideia do ex-presidente do STF e do CNJ Joaquim Barbosa, mas não tinha sido instalada até o momento. A ministra afirmou que é preciso combater as restrições que ainda existem ao trabalho da imprensa, enquanto a Constituição é clara em dizer que qualquer tipo de censura é proibida. Ela participou, na manhã de ontem, do 9º Fórum Liberdade de Imprensa e Democracia, em Brasília.

— Hoje, 3 de maio, está pronta a portaria. Só não foi publicada, mas estou anunciando aqui. Está portanto instalada, no Conselho Nacional de Justiça, no Fórum Nacional de Liberdade de Imprensa, a comissão nacional para que a gente tenha o exame de quais problemas dizem respeito ao Poder Judiciário, quais as vertentes de críticas, as censuras judiciais que são ditas ou processos sobre jornalistas. Para que a gente dê prioridade, pelo menos no que concerne ao Poder Judiciário, supere isso e dê ampla eficácia à Constituição e à garantia de o jornalista trabalhar, de buscar suas informações, informar o cidadão — argumentou Cármen Lúcia.

Na avaliação da ministra é preciso uma imprensa livre para que haja democracia forte, fazendo com que eventuais tentativas para enfraquecê-la não passem de tentativas infrutíferas. Cármen Lúcia lembrou que o sigilo da fonte dos jornalistas é garantido pela Constituição e não pode ser quebrado na Justiça. E destacou a importância da imprensa para acabar com o analfabetismo político.

— O analfabetismo político se vence com a informação. Por isso a liberdade de imprensa é festejada no mundo todo, porque é a imprensa a maior fonte de informação para que se tenha o civismo de compromissos éticos e, no nosso caso, republicanos — disse Cármen Lúcia.

 

PERCEPÇÃO SOBRE LIBERDADE DE IMPRENSA

Para a ministra, o Brasil é “craque” em fazer leis, copiadas inclusive por outros países. Mas nem sempre é bom na hora de cumpri-las.

— Eu diria que temos uma lei de improbidade que o mundo inteiro acha uma das melhores do mundo. Nossa dificuldade é em cumprir as leis, não em fazer leis. Temos a Lei Maria da Penha e temos uma mulher estuprada a cada seis minutos no Brasil. A Lei da Maria da Penha é copiada no mundo todo e saudada como uma das maiores conquistas do início do século XXI. E, no entanto, continuamos a ter péssimas práticas — afirmou a ministra.

No evento foi divulgado resultado de pesquisa sobre liberdade de imprensa nas redações brasileiras em 2017. Segundo a pesquisa, os jornalistas sentem que a liberdade e a independência da imprensa diminuíram nos últimos dez anos. Questionados sobre os presidentes da República que mais interferiram no trabalho, a maioria apontou o atual, Michel Temer. Com mais da metade das respostas, ele está bem à frente do segundo colocado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula a Silva. O questionário foi respondido por cerca de 400 jornalistas em 2007, e 200 em 2017.

— Quando nós perguntávamos: os meios de comunicação são independentes? Nós tínhamos, em 2007, 42% (de respostas afirmativas) e caiu para 22%, quase pela metade. A liberdade de imprensa piorou nos últimos cinco anos. Essa era a opinião de 15% em 2007, subiu para 54%. É um grande salto. Tem total ou muita liberdade para trabalhar: era a verdade há dez anos para mais da metade dos jornalistas. Hoje caiu para menos da metade — resumiu a pesquisadora Adélia Franceschini.

O 9º Fórum Liberdade de Imprensa e Democracia foi promovido pela Revista e Portal Imprensa, com apoio do Grupo Globo, da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF, entre outros.

O globo, n.30586 , 04/05/2017. País, p. 7