Valor econômico, v. 17, n. 4235, 13/04/2017. Política, p. A5

Temer tratou de pagamento ao PMDB

 

Murillo Camarotto

 

Executivos da Odebrecht disseram em delação premiada que participaram de uma reunião com o presidente Michel Temer para tratar do pagamento de US$ 40 milhões ao PMDB. O encontro ocorreu no escritório do então candidato a vice-presidente, em São Paulo, no dia 15 de julho de 2010 e teve a participação de dois ex-presidentes da Câmara dos Deputados: Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha.

O relato foi feito por Márcio Faria, ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial. Segundo ele, a reunião foi convocada para oficializar o pagamento de um pedágio de 5% sobre um contrato que seria assinado entre a Odebrecht e a Petrobras para serviços de segurança e meio ambiente nas subsidiárias da estatal no exterior. Valor do contrato: US$ 825 milhões.

A parcela destinada ao PMDB, que comandava a diretoria internacional da Petrobras, seria inicialmente de 3%, mas pouco antes da assinatura do contrato o valor subiu. O lobista João Augusto Henriques procurou a Odebrecht e avisou que a cúpula do PMDB exigia uma contribuição "expressiva" para que o contrato fosse assinado: 5%.

Faria foi, então, convidado para a reunião no escritório de Temer, localizado no número 470 da Avenida Antonio Batuíra. "Chegando lá eu soube que se tratava do escritório político do senhor Michel Temer, à época candidato a vice-presidente da República", conta o delator.

Durante a reunião, Temer permaneceu à cabeceira da mesa. Após as apresentações e uma longa sessão de amenidades, Faria perguntou sobre as preocupações de Temer em ser vice de Dilma Rousseff. O pemedebista, apontando para Cunha e Alves, respondeu: "Se acontecer qualquer coisa, esses rapazes aí vão resolver tudo pra mim lá".

Sobre a negociação da propina, a pauta foi tocada por Cunha. Disse que a Odebrecht estava em vias de assinar um grande contrato com a Petrobras e que se isso realmente acontecesse haveria uma contribuição "muito importante" para o partido. "Eu fui lá apenas para abençoar esse compromisso", explicou Faria.

Ele explicou que o contrato foi direcionado para a Odebrecht desde o início. Após um acerto inicial de propina, a empresa começou a receber informações privilegiadas sobre o projeto e até se reuniu com as empreiteiras concorrentes para combinar os lances que seriam ofertados.

Faria não entrou em detalhes sobre a distribuição do dinheiro. Disse apenas que metade seria para a Eduardo Cunha. Parte dos recursos seriam depositados em contas no exterior e outra parte seria pago em espécie no Brasil. A operacionalização seria feita pelo Departamento de Operações Estruturadas.

A reunião no escritório de Temer foi confirmada por outro delator da Odebrecht. Rogério Araújo, que era subordinado a Márcio Faria, era quem mantinha os contatos com a diretoria internacional da Petrobras. "Nessa reunião, conduzida por Eduardo Cunha, ele comentou que o contrato seria adjudicado em favor da companhia e que o PMDB contaria com ajuda financeira para campanha política, o que foi concordado por Temer", disse Araújo em depoimento.

Logo após o acerto, problemas começaram a aparecer. Os executivos da Odebrecht foram procurados por pessoas ligadas ao PT que estavam reivindicando uma parcela do dinheiro. A empreiteira se recusou a dar mais dinheiro, mas o PMDB concordou em ceder 1% de sua parte aos petistas.

Todos esses pagamentos também constam da delação de Marcelo Odebrecht. Ele revelou aos procuradores que teve uma grande briga com Graça Foster, ex-presidente da Petrobras, por conta do contrato. Segundo o empresário, Graça o procurou para questionar os pagamentos.

Segundo Marcelo Odebrecht, ela queria saber quais as lideranças do PMDB que tinham recebido o dinheiro, mas o empresário relatou que não sabia os detalhes. "Quando eu disse que o PT também tinha recebido o comportamento dela mudou na hora", afirmou ele. Mesmo assim, a Petrobras tocou uma investigação interna, processou alguns executivos e o valor do contrato foi reduzido pela metade.

Marcelo, então, procurou Dilma. A ex-presidente, disse ele, também demonstrou muita curiosidade nos nomes dos políticos que teriam embolsado o dinheiro. Para o empresário, Dilma queria mesmo saber se Temer estava entre os beneficiários. Ainda assim, ela tentou botar panos quentes e pediu para os então ministros Guido Mantega (Fazenda) e José Eduardo Cardozo (Justiça) intermediassem uma trégua entre Marcelo e Graça.

Odebrecht ainda tentou alertar Temer sobre a "curiosidade" de Dilma. Em depoimento, o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Claudio Melo Filho disse que foi orientado pelo chefe a procurar o ministro Moreira Franco e, por meio dele, dar o recado ao vice-presidente.

Em nota encaminhada pela Secretaria de Comunicação Social do Planalto, Temer negou ter tratado de valores com Márcio Faria. "A narrativa divulgada não corresponde aos fatos e está baseada em uma mentira absoluta. Nunca aconteceu encontro em que estivesse presente o ex-presidente da Câmara, Henrique Alves, com tais participantes".

"O que realmente ocorreu foi que, em 2010, na cidade de São Paulo, Faria foi levado ao presidente pelo então deputado Eduardo Cunha. A conversa, rápida e superficial, não versou sobre valores ou contratos na Petrobras. E isso já foi esclarecido anteriormente, quando da divulgação dessa suposta reunião", completou a assessoria de Temer. (Colaborou Bruno Peres)