Previdência vai à fase decisiva 
Geralda Doca e Bárbara Nascimento 
10/05/2017
 
 
Base governista derruba maioria dos destaques, e proposta de reforma segue agora ao plenário

-BRASÍLIA- O governo concluiu, ontem, a votação da reforma da Previdência na comissão especial da Câmara, sem alterações significativas. Depois de mais de nove horas de discussão, a bancada governista no colegiado derrubou com folga os destaques que alteravam o texto final da proposta, que segue agora a sua fase decisiva, de apreciação pelos 513 deputados que formam o plenário da Casa. A mudança constitucional precisa de 308 votos, com os quais o governo hoje não conta. Por isso, a reforma só será incluída na pauta quando o Palácio do Planalto estiver confiante de que tem a maioria necessária. Para alcançá-la, será preciso reabrir negociações.

Após a aprovação, o relator da proposta, deputado Arthur Maia (PPS-BA), admitiu que poderá haver modificação no plenário, mas afirmou que o texto defendido pela base e pelo governo é o que saiu ontem da comissão:

— Estou convencido de que vamos ter no plenário mais do que os 308 votos necessários.

Porém, dois importantes aliados do Planalto, o PSDB e o DEM, deixaram claro que defendem novas concessões quando a reforma for apreciada no plenário, como aposentadoria especial para agentes penitenciários e regras de transição para servidores públicos, que querem se aposentar sem ter que atingir idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres.

— Vamos encaminhar não (contra o destaque), mas na certeza de que o relator vai continuar negociando e que vamos chegar no plenário com uma fórmula consistente de transição — disse o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), ao encaminhar o voto do partido.

O próprio presidente da comissão, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), se comprometeu a defender o pleito dos agentes penitenciários e socioeducativos em plenário. Na semana passada, os servidores da categoria invadiram a sala da comissão e forçaram a suspensão dos trabalhos, depois que um destaque que lhes assegurava regras especiais foi retirado.

Para evitar novas ocorrências, a segurança ontem foi reforçada, e o Congresso Nacional amanheceu cercado. Além da Polícia Legislativa, a Polícia Militar do Distrito Federal e o Choque foram escalados para garantir a segurança dentro e fora do prédio. Um grupo de agentes penitenciários chegou a se concentrar na porta de um dos anexos do prédio, mas não conseguiu entrar. Durante todo o período em que eles estiveram no local, a entrada e a saída de servidores ficaram impedidas.

APENAS UM APROVADO

A restrição à entrada de pessoas não cadastradas no prédio foi alvo de críticas dos parlamentares da oposição e acabou atrasando os trabalhos na comissão.

— Acesso da população aqui é princípio. Aqui é a casa do povo, não é ditadura militar — afirmou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).

Marun reiterou diversas vezes que a invasão da semana anterior foi grave e forçou o Parlamento a tomar medidas “excepcionais”. Ele disse que existe um processo em andamento para apurar se houve incitação, por parte de parlamentares, à invasão dos agentes penitenciários na última sessão:

— Se chegarmos a essa conclusão, eu vou fazer uma representação. Não há dúvidas de que eu vou pedir o mandato de quem fez, se fez. Esse é um processo que vai andar.

Entre os dez destaques votados pela comissão, apenas um foi aprovado, com o aval do governo: uma emenda que permite que as ações contra o INSS sejam concentradas nas Justiças estaduais. Hoje, somente processos envolvendo acidentes de trabalho são tratados no âmbito dos estados. A intenção do governo era centralizar tudo na Justiça Federal, mas acabou cedendo à pressão para facilitar a votação na comissão. A ideia, no entanto, é reverter isso em plenário.

A comissão especial derrubou os demais destaques. Vários deles pretendiam mudar substancialmente o texto. Uma das emendas rejeitadas tentava manter o tempo mínimo de contribuição em 15 anos e não alterá-lo para 25 anos, como prevê o texto da reforma. Outro pretendia retirar da proposta os trabalhadores rurais. Outros dois tentavam manter as regras atuais para o cálculo das aposentadorias e da pensão por morte.

O governo conseguiu derrubar, inclusive, o destaque que retirava a idade mínima para que servidores possam receber aposentadoria integral. Os deputados sofreram grande pressão dos funcionários públicos nas últimas semanas para que o texto fosse mudado.

Hoje, os servidores que ingressaram antes de 2003 podem se aposentar com a integralidade do salário. Também é garantida a paridade com os reajustes concedidos aos servidores da ativa. O texto que vai a plenário, contudo, fixa uma idade mínima para esses benefícios, de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres.

OS PRINCIPAIS PONTOS

IDADE MÍNIMA E TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.

Acaba a possibilidade de aposentadoria exclusivamente por tempo de serviço no INSS (hoje, após 35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres), bem como a fórmula 85/95. A reforma institui dois parâmetros para a solicitação de aposentadoria após a sua promulgação: idade mínima e tempo mínimo de contribuição. A idade mínima será diferente para homens e mulheres e progressiva, ou seja, evoluirá como uma escadinha, levando em consideração uma combinação entre a idade do trabalhador e seu tempo de contribuição. Para os trabalhadores do setor privado (INSS) e servidores públicos, o tempo mínimo de contribuição será de 25 anos. A exceção são os trabalhadores rurais, que terão tempo mínimo de contribuição de 15 anos. Já a idade mínima começará aos 53 anos, para as mulheres, e aos 55 anos, para os homens. Essa idade vai subir em um ano a cada dois anos, tanto para mulheres quanto para homens, a partir de janeiro de 2020. Ao fim de 18 anos, encerrada a chamada transição, todas as mulheres só poderão se aposentar aos 62 anos. Já a transição para os homens será encerrada em 20 anos, quando todos terão de cumprir a idade mínima de 65 anos. Como as idades mínimas para aposentadoria vão subir ao longo do tempo e de forma diferenciada, os trabalhadores terão de se orientar pelas tabelas que combinam idade e tempo de contribuição para requerer o benefício.

REGRA DE TRANSIÇÃO.

Além da idade mínima e da contribuição por ao menos 25 anos, os trabalhadores terão de adicionar ao seu cálculo para aposentadoria um pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição que falta para requerer o benefício pelas regras atuais. Mas, no momento em que os segurados completarem o pedágio, eles precisam olhar a idade mínima definida na tabela. Um homem que tem hoje 52 anos e 33 anos de contribuição, pelas regras atuais poderia se aposentar por tempo de contribuição em dois anos, aos 54 anos. Porém, terá de pagar pedágio de 30% sobre esses dois anos, ou seja, terá de trabalhar cerca de 8 meses adicionais. Mas, mesmo após cumprir o pedágio, ele ainda estaria abaixo da idade mínima de 55 anos, piso para todos os homens, e teria de esperar mais quatro meses para solicitar a aposentadoria.

SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL.

Também serão submetidos à regra de transição da reforma, com pedágio de 30%, idade mínima progressiva e tempo mínimo de contribuição. Os pontos de partida, porém, serão diferentes, porque já há idade mínima para os servidores federais, atualmente de 55 anos, para mulheres, e de 60, para homens. A escadinha, portanto, começará aos 55 anos para as servidoras e aos 60 anos para os servidores. Tanto para as mulheres como para os homens haverá aumento de um ano na idade mínima a cada dois anos, a partir de 2020. Dessa forma, para os servidores, a transição estará completa em 2028: a partir dessa data, eles só poderão se aposentar aos 65 anos. No caso das servidoras, a transição se encerrará em 2032, quando elas só poderão se aposentar aos 62 anos.

SERVIDORES ESTADUAIS E MUNICIPAIS.

O relatório final prevê que as novas regras criadas para os servidores públicos federais, incluindo professores e policiais, valham também para o funcionalismo dos estados e municípios. Para ter regras diferenciadas, governadores e prefeitos terão de aprovar reformas nos seus regimes próprios em um prazo de até seis meses. Se não o fizerem nesse período, não poderão mais fazer.

VALOR DA APOSENTADORIA.

Para conseguir a aposentadoria integral, serão necessários 40 anos de contribuição. O valor inicial do benefício, após 25 anos de contribuição, será de 70% de todos os salários desde 1994. Para incentivar o trabalhador a ficar mais tempo na ativa, ele ganhará uma parcela a mais por cada ano adicional de contribuição. Do 26º ao 30º ano de contribuição, cada ano adicional aumenta o valor do benefício em 1,5 ponto percentual. Ou seja, quem contribuir por 27 anos vai receber 73% do valor do benefício. Se contribuir por 30 anos, garante 77,5%. Do 31º ao 35º ano, cada ano adicional aumenta o valor do benefício em dois pontos percentuais. Quem contribuir por 33 anos terá direito a 83,5% do benefício cheio e, aos 35 anos, alcança 87,5% do benefício. Do 36º ao 40º ano, cada ano adicional aumenta o valor do benefício em 2,5 pontos percentuais. Quem contribuir por 37 anos terá direito a 92,5% da aposentadoria integral. Aos 40 anos, chega aos 100%.

BENEFÍCIO DO SERVIDOR PÚBLICO.

Para os servidores públicos federais admitidos após 2003, vale a mesma regra do INSS: aposentadoria inicial de 70% com ganhos adicionais por ano a mais de contribuição. Quem entrou até 2003 terá que atingir idade de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher) para ter acesso aos benefícios da integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmos reajustes do pessoal da ativa). Quem quiser se aposentar antes terá o benefício calculado com base em 100% das contribuições realizadas, limitado ao teto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

ACÚMULO DE BENEFÍCIOS.

Trabalhadores poderão acumular aposentadoria e pensão, no limite de dois salários mínimos. O trabalhador terá a opção de optar pelo benefício de maior valor, caso a combinação de aposentadoria e pensão supere o limite. Trabalhadores que já acumulam aposentadoria e pensão atualmente têm direito adquirido, portanto nada muda.

TRABALHADORES RURAIS.

As regras vão mudar para trabalhadores do campo sem carteira assinada, agricultura familiar e pescadores artesanais. Hoje, basta ter 55 anos (mulher) e 60 anos (homem) e comprovar 15 anos de atividade rural. Agora, a idade mínima de 55 anos das mulheres subirá um ano a cada dois anos, a partir de 2020, até que ela se aposente aos 57 anos. Para os homens, a idade mínima não muda. Porém, será criada, em até dois anos, uma contribuição previdenciária, com tempo mínimo de 15 anos de recolhimento. Será um percentual sobre o salário mínimo, tão ou mais baixo que o do MEI (de até 5% sobre o salário mínimo).

BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS.

Pessoas com deficiência e idosos de baixa renda continuarão a ter direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujo valor permanecerá sendo reajustado pelo mesmo percentual de aumento do salário mínimo. Nada muda para os deficientes. Para os idosos, a idade mínima de solicitação começará nos atuais 65 anos e subirá um ano a cada dois anos a partir de janeiro de 2020, até chegar aos 68 anos.

 

O globo, n. 30592, 10/05/2017. Economia, p. 19