Valor econômico, v. 17, n. 4235, 13/04/2017. Política, p. A6

Grupo ofertou R$ 300 mi ao PT e também doou para Temer e Aécio

Ricardo Mendonça
Graziella Valenti
Marsílea Gombata
Victória Mantoan
Letícia Arcoverde

 

Em delação premiada à Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário Marcelo Odebrecht relatou que, entre 2008 e 2015, disponibilizou R$ 300 milhões para que os então ministros Antônio Palocci e Guido Mantega gastassem conforme os interesses do PT. Os petistas atuavam nessa relação como representantes dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, disse. Em troca, Marcelo afirmou que conseguia encaminhar temas de seu interssse no governo. Entre eles, citou a criação de um Refis que beneficiou a Braskem, um aumento de crédito à exportação para Angola e a criação do Regime Especial da Indústria Química (ReiQ), norma que reduziu a alíquota de PIS/Cofins sobre matérias-primas do setor.

Para viabilizar esse esquema, Marcelo Odebrecht afirmou ter desenvolvido um sistema que funcionava como uma espécie de "conta corrente" controlada por ele. Por meio de planilhas batizadas de "Italiano", "Pós-italiano" e "Amigo", ele contabilizava créditos que disponibilizava aos petistas e débitos ou pagamentos que iam sendo feitos mediante indicações de Palocci ou Mantega.

Várias horas de depoimentos de Marcelo gravados em vídeo foram liberados ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O empresário relata que, por meio desse sistema, autorizou diversos tipos de pagamentos ao longo de sete anos. Os principais foram:

Doações registradas na Justiça Eleitoral para campanhas políticas, entre elas as presidenciais de Dilma em 2010 e 2014;
Doações via caixa dois a campanhas no Brasil e no exterior, entre elas as de Dilma, a de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo em 2012 e as de alados do PT no Peru e em El Salvador;
Quitação de dívidas do partido e do governo junto a terceiros, como o marqueteiro João Santana, apelidado de "Feira";
Custeio de outras despesas indicadas, como patrocínio para a "Revista Brasileiros", compra de um terreno que seria usado pelo Instituto Lula e outros benefícios ao ex-presidente. Alguns desses pagamentos, ressaltou, foram feitos com dinheiro em espécie.

"Ainda que não venha a ser possível estabelecer, em todos os casos uma vinculação direta entre os valores pagos e favores obtidos [...] é certo que havia, em âmbito geral, uma proporcional correlação entre as demandas do Grupo [Odebrecht] e as solicitações de pagamentoas oriundos do PT/Governo Federal", afirma trecho de um documento produzidos pela PGR a partir das delações.

Em outro trecho da delação, Marcelo afirmou que "tanto Lula quanto Dilma tinham conhecimento do montante" disponibilizado ao PT. "Não do valor exato, mas da dimensão de todo o nosso apoio ao longo dos anos". Mais adiante, ele deu mais detalhes de como era essa relação: "Conheci Dilma ainda quando era ministra, passei a ter interação constante. A relação com Lula nunca foi direta comigo, mas com Dilma, sim. A relação com Guido, inclusive, era reforçada por Dilma (...) Várias vezes, quando estava com ela e tinha algum tema, ela dizia 'é com ele [Mantega] que tem que resolver".

A conta "Amigo", segundo Marcelo, é a que financiava atividades de Lula. Nasceu em 2010, disse, com saldo de R$ 35 milhões. O empresário afirmou, no entanto, que Lula nunca solicitou dinheiro diretamente. "Combinei [a criação da conta] via Palocci. Ao longo de alguns anos ficou claro que [o dinheiro] era para o Lula", afirmou.

Em outro trecho, Marcelo relata contribuições para o Instituto Lula e diz que essa relação tinha "como referência" doações feitas pela Odebrecht anos antes ao Instituto Fernando Henrique Cardoso, atual Fundação iFHC. Segundo ele, era importante colaborar com o órgão que Lula estava montado após o mandato porque sabia que o petista continuaria sendo uma figura influente. "A gente tinha doado, não me recordo bem, acho que as [inaudível] empresas, uns R$ 40 milhões [a FHC]. Quando o Lula saiu, a gente sabia que a influência dele iria continuar", explicou. O ex-presidente afirmou que a doação à sua entidade não foi de R$ 40 milhões, mas de R$ 4 milhões.

Mais adiante, Odebrecht afirma que sua intenção era fazer uma doação única à instituição do petista, mas isso não foi possível porque membros do Instituto "ficavam desconfortáveis" com o que seria uma doação grande. Ele diz ainda que algumas retiradas foram feitas em espécie por Palocci com a justificativa de que iria para Lula, mas disse não saber se os valores foram efetivamente direcionados ao Instituto Lula.

Conforme a delação do empresário, doações ilegais da debrecht também beneficiaram o senador Aécio Neves nas eleições de 2014, quando o tucano disputou a Presidência. Segundo ele, o próprio Aécio o procurou na véspera do primeiro turno pedindo ajuda, pois precisava de "um fôlego". Marcelo diz que explicou ao senador que teria dificuldade de aparecer naquele momento doando a ele mais do que a Dilma. Combinaram então, segundo relatou, que Aécio indicaria aliados para receber da Odebrecht. Um desses foi o senador Agripino Maia (DEM-RN). "Era uma maneira de contribuir com Aécio", disse. "Eu não conheco nenhum político no Brasil que tenha conseguido qualquer eleição sem caixa dois", afirmou mais adiante.

O presidente Michel Temer também foi citado em delação de Marcelo. Ele disse que destinou R$ 10 milhões para Temer, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, em 2014. Desse valor, R$ 6 milhões foram parte de um acordo do próprio Marcelo com Skaf.

Segundo o executivo, o pedido de R$ 10 milhões foi feito por Padilha a Cláudio Melo Filho, ex-diretor da empresa. O pedido seguia a lógica que Marcelo chama de "a questão do cacique": "Era comum, em toda eleição os caciques dos partidos pediam recursos para seu grupo de apoio".

Nesse meio tempo, Marcelo foi procurado por Skaf, com quem diz ter uma relação pessoal, que lhe pediu R$ 6 milhões para sua campanha. Marcelo considerou a quantia "meio irrealista". A solução, disse, foi combinar com Padilha que R$ 6 milhões da quantia destinada a ele iriam para Skaf. O acordo foi fechado em um jantar no Palácio do Jaburu com Temer, Padilha, Marcelo e Cláudio. Marcelo diz que Temer nunca mencionou o valor a ele.

Lula, Dilma, Palocci, Mantega e o PT sempre negaram todos os relatos de crime feitos em delações premiadas. Aécio, Temer, Padilha e Skaf também dizem que não cometeram irregularidades.

 

 


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Para Emílio, petistas tinham goela muito aberta

Marta Watanabe
Marli Olmos
 

Emílio Odebrecht, filho de Norberto, fundador da empresa que leva o sobrenome da família, e pai de Marcelo, condenado a 19 anos de prisão pela operação Lava-Jato, mostrou, por meio de seus depoimentos ao Ministério Público, ser o principal canal de aproximação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para resolver os interesses do grupo empresarial e vice-versa. "O pedido de ajuda era de fato feito por ele [Lula], diretamente a mim, mas combinávamos sempre designar um representante de cada lado para negociar os valores e combinar os detalhes", relatou o empresário em depoimento ao Ministério Público.

Segundo o empresário, mesmo depois de deixar a presidência executiva do grupo era ele quem cuidava das relações da empresa com Lula. Emílio disse não ter tido a "oportunidade" de transferir essa relação a outra pessoa, mesmo depois de 2002, quando assumiu a presidência do conselho administrativo da companhia.

O papel de interlocutor do comandante da segunda geração da Odebrecht com o alto poder dos governos e com chefes de Estado extrapolou fronteiras. Segundo seus relatos, era ele quem cuidava das relações do seu grupo com o ex-governador Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007, e com o também falecido Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela, e com José Eduardo dos Santos, presidente de Angola. "Nunca tive com eles relação só de empresa", disse ele. "Sempre procurei ter com autoridades desse nível uma preocupação voltada aos interesses do país", destacou.

No sentido contrário, Lula também lhe fazia pedidos. "Apoiamos o ex-presidente Lula, quantitativa e qualitativamente, desde quando ele não era sequer candidato", disse. Nessas conversas, no entanto, não se tratava de dinheiro. Cada um designava um representante para tratar dessa questão. Segundo o empresário, inicialmente o presidente petista indicou o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci pelo lado dele e Emílio escolheu Pedro Novis, ex-presidente da Odebrecht. Em 2009 ele indicou seu filho, Marcelo, que acabara de assumir o comando da companhia.

Mais de uma vez, relatou Emílio, Marcelo pediu a ele para falar diretamente com Lula para informar ou esclarecer dúvidas a respeito de valores de contribuições acertados. Embora nenhuma das partes citasse valores, o empresário chegou a queixar-se dos exageros. No depoimento, ele lembrou de ter dito ao então presidente da república que o pessoal dele estava com "a goela muito aberta" e que estavam passando de "jacaré para crocodilo".

No minuto 19:16 do vídeo, Emílio diz que a postura de jacaré estava se tornando "de crocodilo":

Também em conversa com Lula, Emílio desabafou: "Presidente, seu pessoal quer receber o máximo possível e o meu pessoal quer pagar o mínimo possível. Já instruí meu pessoal a chegar ao melhor acordo e peço ao senhor para também conversar com o seu pessoal para aliviar a pressão".

As declarações de Emílio sugerem que os valores pagos eram alvo de intensa negociação. Em depoimento, o Ministério Público chegou a questionar o empresário sobre uma anotação de Marcelo Odebrecht: "MEET PR - 200 INCLUI 100. NÃO 300. OU 100 VAC". "Apesar de esta nota estar muito resumida, acho que me lembro do que se trata. Provavelmente se refere à confusão nas definições dos valores acordados por Marcelo com Antonio Palocci sobre doação para campanhas do PT", disse Emílio.

Em outra ocasião, em 2009, a pedido do filho Marcelo, Emílio procurou Lula para que ele ajudasse a transmitir ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega, o interesse da Braskem, petroquímica controlada pelo grupo Odebrecht, na aprovação de medidas provisórias que ficaram conhecidas como Refis da crise.

"Meu pai, se o presidente pudesse dar um alô a Guido para olhar o interesse das empresas...", pediu Marcelo. Lula, segundo o empresário, limitou-se, então, a dizer: "Vou falar com o Guido".

As medidas provisórias em questão são a MP 472/09 e MP 470/09 tratavam, respectivamente, de regime especial de incentivos para o desenvolvimento de infraestrutura da indústria petrolífera nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com redução de impostos, e permissão a empresas exportadoras para parcelar débitos decorrentes do aproveitamento indevido do crédito-prêmio do IPI.

Em um de seus depoimentos, o empresário disse que a prática política no Brasil segue um modelo antigo. "O que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco, dez anos atrás, estamos falando de 30 anos. Tudo o que está acontecendo é um negócio institucionalizado, era uma coisa normal, em função de todos esses números de partidos [...] Eles brigavam por orçamentos gordos, ali colocavam os partidos, seus mandatários com a finalidade de arrecadar recursos para os partidos. Isso se faz há 30 anos."