Valor econômico, v. 17, n. 4235, 13/04/2017. Política, p. A10
A saída pela tangente
 
 
Maria Cristina Fernandes

 

A presença de cinco ex-presidentes da República na lista do ministro Edson Fachin deu asas à imaginação daqueles que buscam uma saída pela tangente no furacão da Lava-Jato. Nenhum deles goza de foro privilegiado e dois já têm mais de 80 anos. Estão citados na lista por motivos diversos e com variados graus de envolvimento nos crimes investigados. Para todos eles, a prioridade é deixar uma biografia e não uma folha corrida. Cada um cuida do que está por ser escrito, mas a lista de Fachin pode tê-los colocado numa posição central na redação dos próximos capítulos da Lava-Jato.

Os ex-presidentes passaram a ser vistos como pivôs na busca de uma saída capaz de fazer a travessia para 2018 sem hecatombe. Sua convocação passará, necessariamente, pela capacidade de liderança e articulação do atual ocupante do Palácio do Planalto, que só não está no mesmo barco porque a investidura constitucional do seu cargo não o permite.

Temer precisa deste concerto para tentar salvar a reforma da Previdência, sem a qual seu governo perderá o selo que ainda o diferencia de José Sarney. Com sorte e jeito pode vir a pactuar o abrandamento das hostilidades em relação à reforma da Previdência, tendo em vista que qualquer um que vier a assumir o país, o fará com uma espada na cabeça se o texto for integralmente rejeitado.

A busca de uma saída política para a operação não o livrará de uma limpa no ministério. O núcleo de seu governo terá que se dividir entre a coordenação política e sua própria defesa judicial. Além disso, a base a ser negociada no Congresso pode vir a exigir uma nova configuração ministerial, uma vez que os presidentes das duas Casas, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, também devem perder capacidade de arregimentação, investigados que são pelo Supremo. E, finalmente, vai ser difícil convencer investidores de projetos de longo prazo a colocar dinheiro num país governado por oito ministros sob investigação.

A Câmara dos Deputados já tentou, em mais de uma oportunidade, saídas para os impasses gerados pela lista de (Rodrigo) Janot, hoje de Fachin. A motivação até parece legítima: separar aqueles que receberam caixa dois, um inequívoco crime eleitoral, daqueles que, em troca de propina, escancararam o erário a interesses privados.

(...)

O problema é que todas as vezes em que o Legislativo se envolveu no tema, o que se viu foi a busca de um salvo conduto generalizado. A mediação parlamentar sempre foi conduzida para anistiar quem foi pego com a boca na botija - em todas elas - e jogar as penalidades para as calendas. A experiência da tramitação das 10 medidas anti-corrupção, que foram desidratadas pela Câmara e acabaram devolvidas pelo Supremo Tribunal Federal, desgastou o Congresso e corroeu a legitimidade de seus porta-vozes.

Um outro nó para a separação entre joio e trigo foi a decisão do Supremo, liderada pelo decano Celso de Mello, com a oposição de três ministros (Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski), sobre a responsabilidade dos candidatos em relação à licitude do dinheiro recebido.

É difícil saber o que pode sair de um concerto formado por José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, mas a expectativa de futuros réus é que este time, ou pelo menos, uma parte dele, seja capaz de buscar interlocução com o Supremo Tribunal Federal, onde, em última instância, deve parar a modulação dos crimes da Lava-Jato.

Entre os ex-presidentes, é Lula quem pode mais fortemente impactar o futuro da Lava-Jato. Sua candidatura passou a ser vista por eventuais réus como a carona de que todos precisam para que o eleitor - e não a toga - chancele sua sobrevivência política. A bandeira da nau de investigados de Fachin é #somostodoslula. O ex-ministro dos governos FHC e Lula, Nelson Jobim, hoje diretor do BTG, está pessoalmente envolvido numa operação para que o ex-presidente possa se candidatar.

Há vários problemas nesta âncora-Lula. O primeiro é o de que o ex-presidente é réu sob os auspícios do independente Sergio Moro. Pelo trânsito que goza no Tribunal Federal da 4ª Região, o juiz não terá dificuldades de conseguir uma condenação em segunda instância até outubro do próximo ano, o que, pela Lei da Ficha Limpa, inviabilizaria sua candidatura.

Não é desprezível o risco de radicalização política em caso de prisão do ex-presidente. Essa possibilidade pode fazer com que o juiz gerencie os prazos do processo de modo a permitir a candidatura de Lula e pagar para ver uma rejeição que beira os 60% nas pesquisas vir a se traduzir em derrota eleitoral. Moro estaria livre, então, para condenar o ex-presidente, desta vez, na companhia das urnas.

Não se pode, no entanto, descartar a possibilidade de o ex-presidente vir a ser eleito, vez que lidera as pesquisas. Essa possibilidade arrisca a afastar o PSDB deste concerto. Se Lula se mantiver no jogo, o partido, que não se distingue pela solidariedade entre seus integrantes, pode rejeitar um acordo que se valha das eleições para depurar a lista.

Com esta opção, os tucanos deixariam sua trinca - Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin - sob fogo brando e acelerariam para 2018 na companhia de João Doria. O discurso antilulista do prefeito de São Paulo é uma demonstração de que ele se antecipou ao xadrez para forçar esta opção e firmar sua candidatura.

A condição de Lula como pivô deste concerto acendeu a luz amarela para Ciro Gomes. Na condição de pré-candidato que, até o momento, foi mantido a salvo da Lava-Jato, o ex-ministro defendeu ontem que a Lava-Jato diferencie a punição para os políticos que receberam caixa dois daqueles que assaltaram os cofres públicos.