Título: Chirac pega dois anos por corrupção
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Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2011, Mundo, p. 19

Ex-presidente, que desviou fundos quando era prefeito de Paris, cumprirá pena em liberdade

Nem a idade, nem a doença, nem mesmo o peso do nome de Jacques Chirac impediram o juiz Dominique Pauthe de condenar ontem o ex-presidente francês por crime contra o patrimônio público — acusação que vem do início dos anos 1990, quando Chirac era prefeito de Paris. A sentença surpreendeu até mesmo o promotor, que havia pedido o encerramento do caso por falta de provas. Aos 79 anos e sofrendo de demência senil, o ex-mandatário não irá para trás das grades. A decisão, no entanto, faz dele o primeiro presidente eleito da França a ser condenado pela Justiça.

Durante o julgamento, o advogado de Chirac fez um apelo para que o juiz se sensibilizasse e preservasse o político direitista. "Sua responsabilidade moral e política é imensa", disse Georges Kiejman. "Sua decisão será a última imagem que ficará de Jacques Chirac", completou, ao pedir a absolvição. Mas o magistrado apenas concedeu o benefício de comprir a pena em liberdade. Na frente do tribunal, a filha adotiva de Chirac, Anh Dao Traxel, lamentou o resultado. "O sistema de Justiça foi muito severo, mas esse é um sistema justo e independente. Para a família, é uma grande dor que precisamos aceitar", disse ela ao jornal britânico The Guardian.

O imbróglio do elegante líder com a lei se arrastou por 20 anos. Como tinha imunidade no cargo de presidente, ele só pôde ser processado após concluir o mandato, em 2007. A Justiça, então, acusou-o de implantar uma rede de remuneração de empregados-fantasmas para arrecadar ilegalmente fundos de campanha eleitoral. Em alguns casos, o desvio de recursos da prefeitura parisiense serviu apenas para o enriquecimento de Chirac e de seus correligionários na Reunião pela República (RPR), hoje rebatizado como União por um Movimento Popular (UMP). Os investigadores calculam que, entre 1990 e 1995, o esquema ajudou o ex-prefeito a embolsar 1 milhão de euros. Por anos, ele negou a acusação e nem sequer compareceu ao tribunal. Ontem, comunicou que não recorrerá da sentença.

O presidente Nicolas Sarkozy, que pertence à UMP e foi ministro de Chirac, não comentou o resultado. Em 1994, ele e o antigo "padrinho" tiveram um desentendimento político. "Mesmo que quisesse, Sarkozy não iria explorar essa fraqueza. Chirac é um homem velho e doente, por que dizer algo maldoso sobre ele? Seria deselegante e negativo", disse ao Correio Philippe Marlière, especialista em política francesa na University College London.

Líderes de oposição limitaram-se a comentar o papel da Justiça no caso. "A justiça foi feita, e ela deve ser feita para que não se instale um sentimento de impunidade", disse o socialista François Hollande, que enfrentará Sarkozy na eleição presidencial de 2012. A candidata ecologista, Eva Joly, reclamou da demora para a definição da sentença. "Se Jacques Chirac tivesse sido julgado nas mesmas condições de todos os franceses, após a descoberta dos fatos, os cidadãos passariam a ter mais confiança na democracia", afirmou.