A multiplicação dos contratos

Cássia Almeida

12/05/2017

 

 

Reforma trabalhista prevê mais três tipos, aumentando para sete as formas de admissão

Os empregadores brasileiros poderão contratar trabalhadores de sete formas diferentes, se a reforma trabalhista, que já passou na Câmara e agora tramita no Senado, for aprovada. Atualmente, pode-se contratar por tempo indeterminado, por tempo parcial, para trabalho temporário e como aprendiz. Com a reforma, será possível admitir também por tempo intermitente, para teletrabalho ou virtual e, para aqueles que ganhem o dobro do teto do INSS (R$ 5.531) ou mais e tenham nível superior, a negociação será livre e individual.

O trabalho intermitente vai permitir que o empregador convoque o funcionário em dias e horários que precisar. Para isso, precisará avisar com três dias de antecedência, e o trabalhador terá um dia útil para dizer se aceita ou não. Não há salário ou jornada definidos, o trabalhador receberá por hora, calculada com base no salário mínimo ou na remuneração de empregado regular da mesma função.

Outra novidade da reforma é o teletrabalho (home office) ou virtual, em que será possível trabalhar de casa, com jornada flexível, sem o pagamento de horas extras. Equipamento usado e gastos para execução do trabalho devem estar definidos no contrato, e os cuidados para evitar acidentes e doenças ocupacionais serão informados ao funcionário, que assinará um termo de responsabilidade. Essa atenção com a saúde, que no trabalho na empresa fica com o empregador, passa a ser do funcionário.

A reforma também institui a livre negociação para quem ganha duas vezes o teto do benefício do INSS de R$ 5.531 ou mais e tem curso superior. Todas as cláusulas permitidas em negociação coletiva poderão ser acertadas individualmente.

Já o trabalho por tempo parcial, que já existe, aumenta de 26 horas semanais para 30 horas, ou 26 horas admitindo seis horas extras semanais. Hoje, há somente o de 26 horas sem previsão de hora extra. O trabalho temporário também já existia e foi mudado na recente lei de terceirização em vigor. O prazo passou a 180 dias prorrogáveis por mais 90, e incluiu o trabalho sazonal.

MODERNIZAÇÃO X PROTEÇÃO

Especialistas se dividem sobre os novos contratos. Para uns, é uma modernização necessária, já que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é de 1943, numa estrutura do mercado muito diferente da atual. Para outros, as formas de contratação reduziram a proteção embutida nos contratos padrão, por tempo indeterminado. O contrato que suscita mais discussão é o de trabalho intermitente.

— O trabalho intermitente é uma demanda de vários setores. Principalmente mulheres que buscam jornadas mais flexíveis e trabalho em tempo parcial. Esse contrato pode aumentar a taxa de participação feminina, que é baixíssima. Muita gente que está informal poderia ser formalizada — afirma o economista Gustavo Gonzaga, professor da PUC-Rio.

Juliana Bracks, professora da FGV Direito, vê lacunas na regulamentação do trabalho intermitente, como quantas vezes o trabalhador pode recusar a convocação do empregador:

— Não está claro também quando o trabalhador vai receber, se será por semana, em 15 dias, no fim do mês. É muito inseguro.

A desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RJ) Sayonara Grillo é frontalmente contra o contrato intermitente:

— O trabalhador não sabe qual vai ser o seu salário e sua jornada. O período de inatividade, quando estiver à disposição, não é remunerado. Vai criar um banco de empregados quase gratuitos para o empregador.

Ela critica também a fixação de multa se o trabalhador não comparecer depois de aceitar a convocação do patrão:

— É muito grave admitir multa para o empregado, algo que já tínhamos superado.

Favorável às novas formas de contratação, o professor Helio Zylberstajn critica a mudança feita no trabalho temporário, que passou a admitir questões sazonais:

— O projeto muda o conceito de trabalho temporário. Ampliou o uso das regras para o trabalho sazonal, mais voltado à área da agricultura, com os chamados safristas, que trabalham de quatro a seis meses. Não dá para dizer que é uma questão imprevisível. Isso provavelmente foi pressão do setor agrícola, com a esperança de reduzir verbas rescisórias, o que não vai se concretizar. Quando o safrista é contratado, as verbas fazem parte do salário. Eles vão pedir mais salário. Essa regra demonstra pouco conhecimento de como funciona o mercado de trabalho.

Eduardo Soto, sócio de Trabalhista do Tauil & Chequer Advogados, elogia a livre negociação para quem ganha mais:

— Vai facilitar a vida das empresas. Não faz sentido a mesma proteção do trabalhador do chão de fábrica se aplicar ao diretor executivo.

Sayonara afirma que a medida vai atingir médicos, advogados, engenheiros:

— Nesse grupo há muitos profissionais absolutamente dependentes e subordinados. A alegação de que são somente diretores não é pertinente.

Como é cada um

INDETERMINADO.

É o contrato padrão no mercado de trabalho, com jornada máxima de 44 horas semanais, férias, décimo terceiro salário e todos os direitos previstos na CLT, podendo ser extinto a qualquer momento por patrão ou empregado.

TEMPORÁRIO.

Usado para cobrir férias, licença médica, licença-maternidade e outras atividades que tenham natureza intermitente, periódica ou sazonal. A contratação só pode ser feita por empresas de fornecimento de mão de obra temporária. Tem prazo de 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 dias, consecutivos ou não. Já está em vigor, incluído na lei aprovada no fim de março que permitiu a terceirização para qualquer atividade da empresa.

PARCIAL.

Pode ser de 26 horas semanais, com permissão de mais seis horas extras semanais. Ou de 30 horas, sem previsão de hora extra, com direitos e benefícios proporcionais. Atualmente, só é permitido para jornadas de 26 horas, sem previsão de horas extras.

INTERMITENTE.

Não há jornada determinada. O empregador pode solicitar a presença do trabalhador em dias e horários que considerar necessário. O empregado tem que ser avisado com três dias de antecedência, por qualquer tipo de comunicação, e tem um dia útil para responder. Não há salário determinado. O trabalhador receberá por hora, calculada com base no salário mínimo ou da remuneração de outro empregado da empresa que exerça a mesma função. Se aceitar a solicitação e faltar no dia marcado, o trabalhador terá que pagar multa de 50% da hora. O mesmo é válido para o empregador que dispensar o funcionário depois de convocá-lo. O trabalhador pode ter mais de um vínculo. Os direitos e benefícios serão calculados pela média mensal ou do período.

TELETRABALHO (HOME OFFICE).

É o trabalho fora da empresa, feito de maneira virtual e que não caracterize atividade externa. Pode haver mudança no contrato de presencial para teletrabalho desde que seja por acordo mútuo, mas o empregador tem o poder de alterar o regime para presencial novamente se quiser, avisando no mínimo com 15 dias de antecedência. A responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como o reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstos em contrato escrito. Sobre segurança e saúde do trabalho, o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

NÍVEL SUPERIOR E SALÁRIO MAIS ALTO.

Para o trabalhador que ganhe duas vezes o teto do benefício do INSS (R$ 5.531) ou mais e que tenha curso superior, a negociação domina, prevalecendo sobre a legislação. Deve negociar diretamente com o empregador jornada de trabalho, férias, salário e outros.

JOVEM APRENDIZ.

Tem duração máxima de dois anos e a jornada é de seis horas. Pode ser aprendiz quem tem entre 14 e 24 anos, desde que esteja cursando o ensino médio. Os direitos são os mesmos do contrato por tempo indeterminado, mas a empresa só recolhe 2% do salário para o FGTS, em vez dos 8% do contrato padrão. A remuneração é o salário mínimo hora.

 

O globo, n. 30594, 12/05/2017. Economia, p. 21