Valor econômico, v. 17, n. 4235, 13/04/2017. Política, p. A12

Edison Lobão teria recebido R$ 5,5 mi para atuar em Jirau

 

Claudia Safatle
Daniel Rittner

 

O depoimento do ex-presidente da Odebrecht Energia Henrique Valladares é um roteiro detalhado de como foi a compra de apoio político em uma das maiores brigas empresariais do setor elétrico nos últimos anos. Ele disse que o senador Edison Lobão (PMDB-MA) recebeu R$ 5,5 milhões em propina para defender os interesses da empresa na disputa em torno da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Lobão era ministro de Minas e Energia em 2008, quando o pagamento foi realizado, segundo a delação de Valladares.

"Com certeza foi caixa 2", disse o executivo. A empresa queria que Lobão fizesse contraponto à Casa Civil, então comandada pela ministra Dilma Rousseff e pela secretária-executiva Erenice Guerra, para reverter a derrota do consórcio Odebrecht-Furnas no leilão de Jirau. O pagamento teria ajudado Lobão a financiar sua campanha ao Senado em 2010. "Ele sinalizava que iria nos ajudar e precisava da nossa ajuda, através de propina", afirmou.

Valladares conta, em detalhes, como eram as reuniões no gabinete do ex-ministro. Lobão pedia que o assunto fosse tratado antes da entrada de seus assessores - a quem chamava de "fiscais" - na sala. Atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Lobão era identificado nas planilhas da Odebrecht como Esquálido.

A distribuição de dinheiro começou antes da derrota no leilão de Jirau. O consórcio, que tinha participação minoritária da Andrade Gutierrez, já havia arrematado a concessão da hidrelétrica vizinha de Santo Antônio, mas enfrentava dificuldades na concorrência pela segunda usina licitada no rio Madeira.

O empresário Marcelo Odebrecht destacou R$ 50 milhões, sendo 60% da Odebrecht e 40% da Andrade, e incumbiu Valladares a procurar o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em busca de apoio político para neutralizar a ofensiva da Casa Civil que buscava um outro vencedor para Jirau.

Segundo o delator, Cunha lhe informou que ficaria com R$ 20 milhões para distribuir entre os deputados que lhe eram leais. Dos R$ 30 milhões restantes, seriam R$ 10 milhões para o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), R$ 10 milhões para Romero Jucá (PMDB- RO) e outro tanto para Sandro Mabel (PMDB-GO).

Altair Alves Pinto, funcionário de Eduardo Cunha no Rio, ficou encarregado de cuidar, junto à empreiteira, da programação dos pagamentos. Com ele eram decididos todos os passos: quanto, quando e onde seria feita a entrega do dinheiro.

O contato com Romero Jucá ficaria por conta de Cláudio Mello, diretor de relações institucionais, com quem o deputado mantinha relação "constante e intensa", conforme havia explicado Marcelo Odebrecht a Valladares.

"Não encontrei, na empresa, ninguém que conhecesse Arlindo Chinaglia, um aliado importante porque era presidente da Câmara e do PT", disse Valladares em seu depoimento. Ele descobriu que o deputado era muito amigo de Léo Pinheiro, da OAS, e foi até ele para que intermediasse um encontro de ambos. O primeiro contato do presidente da Odebrecht Energia com o petista foi no hotel Grand Hyatt, em São Paulo, na presença de Léo Pinheiro. Vários outros ocorreram, desde então.

"Arlindo quis conhecer o Marcelo (Odebrecht). Eu levei o Marcelo uma noite para conversar com o deputado na residência oficial da presidência da Câmara", relatou o delator. Também nessa reunião, Léo Pinheiro estava presente. "Depois Arlindo quis conhecer o Emílio (Odebrecht). Marcou o dia e fomos novamente na residência oficial. O deputado ficou encantado com o Emílio."

Em nenhum momento, nessas conversas, tratou-se de dinheiro. "Eu entendi que o Eduardo Cunha já havia pavimentado o caminho". Após a aproximação, Valladares passou a tratar com Chinaglia sobre a defesa do consórcio, que via-se na iminência de perder Jirau por "ilegalidades" no processo que estava sendo conduzido por Erenice Guerra e Dilma Rousseff, segundo o delator. Era parte dessa defesa a indicação do novo diretor de construção de Furnas, área que não poderia cair nas mãos de algum "infiltrado" da Casa Civil. Essa operação foi bem sucedida, pois a diretoria foi ocupada por um dos "da casa" (funcionário de Furnas) sugeridos pela Odebrecht.

Sobre os pagamentos, Eduardo Cunha recebeu os R$ 20 milhões; para Sandro Mabel, Valladares não sabe quem operacionalizou o pagamento mas diz ter certeza de que foi feito; e o de Romero Jucá ficou por conta de Cláudio Mello, disse.

"Arlindo Chinaglia não tinha nenhum trejeito, nenhuma intimidade, para lidar com esse tipo de assunto", disse o delator. "Como vou receber esse dinheiro?", perguntou-lhe o presidente da Câmara. "Como o senhor quiser", respondeu o executivo. "Não sei. Nunca fiz isso", disse o deputado.

Valladares lhe indicou um especialista em operação de pagamento de propina, Valter Annichino, que havia sido secretário de Saneamento no governo de Collor de Mello. "Um dia o Arlindo me disse que não estava satisfeito com o Annichino e não queria mais o serviço dele. Suspeito que estava cobrando caro", contou o delator. "Ele me disse, também, que não queria ter contato com ninguém da Andrade Gutierrez" que, como sócia do consórcio com 40%, era encarregada de pagar R$ 4 milhões dos R$ 10 milhões acordados.

Valladares passou para Cláudio Mello a tarefa de fazer chegar ao deputado do PT o produto daquele acerto. Eduardo Cunha, então amigo de Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, resolveu o segundo problema: a Odebrecht pagava a parte da sua sócia e Azevedo a reembolsava.