Previdência rural deve ter mudança, diz Padilha

Vera Rosa e Daiene Cardoso

23/03/2017

 

 

De acordo com ministro da Casa Civil, ‘não é justo’ que os trabalhadores rurais contribuam da mesma forma que os urbanos

 

 

Depois de excluir servidores públicos estaduais e municipais da reforma da Previdência, o governo prepara outras concessões para facilitar a aprovação da proposta, que enfrenta críticas não apenas da oposição, mas da própria base aliada e de centrais sindicais. A nova mudança atingirá os trabalhadores rurais, que podem ter direito a uma aposentadoria diferenciada.

“Não é justo que eles contribuam da mesma forma que os trabalhadores urbanos”, disse ao Estado o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. “Estamos estudando uma forma especial de contribuição para eles.” Uma das ideias do governo para que a proposta não enfrente tanta resistência no Congresso é adotar uma contribuição de, no máximo, 5% do salário mínimo para os agricultores. A alíquota para o setor privado varia de 8% a 11%. A idade mínima para a aposentadoria dos trabalhadores rurais também pode ser reduzida, de 65 para 60 anos. Hoje, é de 60 anos para homens e 55 para mulheres.

Questionado se concordava com a exclusão de servidores estaduais e municipais da reforma, o chefe da Casa Civil desconversou.

“Sobre coisa que presidente faz, ministro não opina.” Sob pressão até do PMDB, e também das corporações, o governo começou a promover “ajustes” na reforma da Previdência.

Deputados dizem que o Planalto precisa melhorar a comunicação da proposta. Preocupados com as eleições de 2018, parlamentares pediram a ele que arque com o ônus da reforma e vá à TV explicar por que a nova Previdência é necessária.

Pelas regras atuais, por exemplo, a aposentadoria dos trabalhadores rurais também é garantida para aqueles que não contribuem.

O projeto do governo, enviado à Câmara, prevê o mínimo de 25 anos de contribuição, quando hoje é de 15.

O líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), confirmou os pedidos por mudança nas regras da aposentadoria rural, mas, ainda assim, demonstrou esperança na aprovação do texto na comissão especial e até mesmo no plenário.

A confiança não é a mesma do líder do PR, Aelton Freitas (MG). “Vai ter mais mudanças.

Do jeito que está (a reforma) não passa”, afirmou. Freitas é um dos defensores da mudança no texto referente à aposentadoria rural. “Se prejudicar o produtor rural, eu estou fora.” Outros líderes da base aliada sustentam que os próximos “recuos” serão na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a deficientes e a idosos cuja renda familiar per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo.

Nos bastidores, deputados dizem que há muita resistência a esses pontos, principalmente nas bancadas do Norte e Nordeste.

Observam, ainda, que não há 308 votos no plenário para aprovar tais temas.

Na próxima semana, o relator da PEC, deputado Arthur Maia (PPS-BA), passará a se reunir com as bancadas. “Vamos discutir as resistências com cada bancada, item por item”, comentou.

 

O que fica. Ao falar sobre os principais pontos da reforma, em tramitação na Câmara, Padilha disse que a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, a regra de transição e aquela que veda o acúmulo de pensões por morte não serão mexidas.

“São a espinha dorsal da proposta”, insistiu, minimizando as divergências. “Essa emenda constitucional já está precificada.”

_______________________________________________________________________________________________________________________

Decisão de Temer surpreendeu governadores

Rafael Moraes Moura / Breno Pires / Beatriz Bulla / Daniel Weterman / Douglas Gavras

23/03/2017

 

 

Saída de servidores não foi discutida com os executivos estaduais, que terão de arcar com o ônus da reforma

 

 

Um dia depois de o presidente Michel Temer anunciar que a proposta de reforma da Previdência não vai mais incluir servidores estaduais e municipais, governadores se disseram surpreendidos com a decisão do Planalto. Eles admitem que agora terão de arcar com o ônus político para revisar as regras. Segundo o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), todos os governadores foram pegos de surpresa.

“Nunca foi discutida essa proposta. Era um pleito de todos os governadores fazer (a reforma) casado com o governo federal.

Mas não vejo problema de a gente começar o pacto federativo pela reforma da Previdência. Agora, espero que ele se estenda também à parte tributária, à trabalhista.” “Achei lamentável”, afirmou o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). “A expectativa era que um tema como esse fosse tratado nacionalmente. O presidente sabe das dificuldades em se aprovar uma reforma mais ampla e caberá a nós, governadores, o desdobramento.

Os Estados deverão apresentar nas assembleias uma proposta semelhante à nacional.” “O ônus político passou para os Estados, mas vamos dialogar, ver a realidade e mostrar os números”, afirmou o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD).

Para o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), o movimento do Planalto foi “previsível”, diante das dificuldades do tema. “A tradição brasileira nesses temas da reforma da Previdência vai nessa direção: começa- se com um programa máximo e termina-se com um programa mínimo.” O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), por sua vez, disse que o momento atual é de “coragem” para implantar medidas que garantam o equilíbrio das contas públicas. “O ideal é que fosse tudo de uma vez só em Brasília. Eu fui surpreendido, mas vou reunir a equipe e ver que medidas adotaremos.” Segundo o secretário da Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Machado Costa, estimativas apontam que, em 2023, o Paraná terá um gasto maior com os servidores inativos do que com os ativos. “Imagina os outros Estados, com contas mais complicadas.

São medidas muito difíceis de serem aprovadas nas assembleias, ainda mais às vésperas das eleições de 2018.”

 

Sem efeito. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que no Estado já foi feita uma reforma, por meio da Fundação de Previdência Complementar do Estado (Prevcom). Segundo ele, o Estado só paga até o teto do INSS e a diferença é paga pela previdência complementar. “E não é mais benefício definido, é contribuição definida. Não tem déficit”, ressaltou Alckmin.

Questionado sobre o recuo do Planalto, Alckmin desconversou: “Temos de aguardar os desdobramentos”. Em evento em Porto Alegre, o governador gaúcho José Ivo Sartori (PMDB) disse que a mudança anunciada pela União não afetaria as contas do Rio Grande do Sul e que o governo estadual já fez mudanças em sua Previdência.

“Eu prefiro olhar o esforço que temos feito. O aumento da contribuição para 14% já foi feito e a previdência complementar estadual está em vigor.”

Reforma casada

“Nunca foi discutida essa proposta. Era um pleito de todos os governadores fazer casado com o governo federal”

Luiz Fernando Pezão

GOVERNADOR DO RIO DE JANEIRO

_______________________________________________________________________________________________________________________

Em SP, projeto propõe teto e previdência complementar privada

Adriana Ferraz

23/03/2017

 

 

Câmara municipal já discute um projeto da gestão Haddad e que tem o apoio de Doria; déficit está em R$ 3,5 bi

 

 

A Câmara Municipal já discute um projeto de lei que propõe uma ampla reforma no sistema previdenciário da Prefeitura. Elaborada ainda durante a gestão Fernando Haddad (PT), mas considerada importante também pela atual, a proposta estabelece um valor máximo para o pagamento de aposentadorias aos servidores públicos municipais e um plano de previdência privada como condição para a concessão do benefício no valor integral do salário.

A medida visa a reduzir o déficit do Instituto de Previdência Municipal de São Paulo (Iprem), que arrecada cerca da metade do que gasta. A diferença, que precisa ser suplementada pelo Tesouro Municipal todos os anos, passa hoje de R$ 3,5 bilhões, valor semelhante ao que o Município tem para fazer investimentos na cidade, como construir creches, hospitais ou recapear ruas e avenidas.

 

Mudanças. Com a decisão do presidente Michel Temer, de retirar servidores estaduais e municipais da proposta que muda as regras da aposentadoria em todo o País, caberá aos Estados e municípios definir suas próprias reformas. Ontem, o prefeito João Doria (PSDB) afirmou que determinou a criação de um grupo de trabalho para estudar o impacto da decisão e demonstrou preocupação com o assunto. “É uma surpresa evidentemente”, disse o prefeito. “Eu apoio a reforma previdenciária. Mas entrega para os municípios e os Estados um grande problema. Agora nós temos que nos organizar. Vamos analisar quais são as consequências e a profundidade disso e definir a nossa reação, o que vamos fazer”, completou.

 

Projeto. A intenção da base aliada era apenas tratar desse assunto após a concretização da reforma previdenciária federal. Ontem, porém, o tema já foi abordado pelos parlamentares.

A justificativa da reforma é preservar as contas públicas. A capital ganha cerca de 6 mil novos aposentados por ano e uma estimativa oficial do Iprem diz que o déficit na Previdência vai crescer, em média, R$ 358 milhões por ano até 2020. Uma projeção feita pela Caixa Econômica Federal em 2013 apontou que, se o sistema não mudar, em 75 anos o déficit acumulado será de R$ 84,5 bilhões - quase duas vezes a soma de toda a arrecadação anual do Município.

Aderindo ao plano, as normas mudam: além da parcela de 11% do contribuinte e de 22% da Prefeitura, com base agora no teto no INSS, o servidor precisaria dar uma porcentagem extra, sobre o valor excedente ao teto e a Prefeitura complementar com um limite de 8,5% da parcela acima do limite.

Para alcançar o objetivo, o Iprem calcula que 45% dos servidores de São Paulo teriam de optar pelo plano privado complementar. A gestão do fundo seria feita pelo setor privado, contratado por licitação pública. 

 

GASTOS

● Previdência municipal passará por reformas

20%

do orçamento do Iprem é obtido com as contribuições previdenciárias dos servidores. O restante é assumido pelo Tesouro Municipal

 

125.318

servidores ativos têm a Prefeitura de São Paulo

 

70.513

são aposentados ou recebem pensão

 

16.774

servidores já têm condições de pedir aposentadoria

_______________________________________________________________________________________________________________________

Criaram um ‘privilégio novo’, diz economista

Alexa Salomão

23/03/2017

 

 

Para especialistas, reforma da Previdência tinha de ser para todos e houve retrocesso

 

 

Economistas especializados em gestão pública e temas previdenciários receberam com “preocupação” a decisão do governo de excluir Estados e municípios da Reforma da Previdência. No balanço geral, a União cedeu, mais uma vez, à pressão dos servidores públicos. Ao mesmo tempo, avaliam que faltou bom senso em relação à situação financeira dos Estados, fragilizada pelos gastos previdenciários. Criticou-se ainda o fato de o governo não levar em consideração que a mudança de rota vai ser mal recebida pelos trabalhadores da iniciativa privada.

O argumento apresentado pelo presidente Michel Temer ao anunciar a decisão não foi bem recebido pela maioria dos especialistas. Temer disse que a União excluiu servidores municipais e estaduais da reforma para “obedecer a autonomia” dos demais entes da federação.

A leitura geral, porém, é que o governo recuou para apaziguar parlamentares, que ameaçavam prejudicar a reforma após serem pressionados por servidores em suas bases, especialmente juízes e integrantes dos ministérios públicos. Não houve, porém, sensibilidade em relação ao efeito colateral sobre o restante da população.

“A decisão pode criar um conforto para os deputados votarem, mas tende a aumentar a revolta da sociedade contra a reforma: como é que você vai explicar para a Maria das couves, na área rural, que ela vai se aposentar aos 65 anos e a juíza da cidadezinha dela, aos 55?”, diz Leonardo Rolim, consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados e ex-secretário de Políticas de Previdência Social. Rolim ainda chama a atenção para o legado da medida: “O governo Temer, que se propôs a reduzir privilégios, vai criar um novo privilégio.”

Na avaliação do economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, o governo fortaleceu grupos de pressão. “Vi a mudança com preocupação: no meio dessa crise, quando a sociedade é chamada para arcar com sacrifícios, a elite dos servidores, que não pode ser demitida, que já teve aumento salarial, agora vai ficar fora da reforma da Previdência”, diz Lisboa.

Os especialistas lembram que a crise financeira dos municípios e, especialmente, dos Estados vem da folha da pagamento, mas prefeitos e governadores têm dificuldade em impor reformas. Basta ver o caos causado no Espírito Santo com a paralisação da PM.

A visão é que a decisão pode mais atrapalhar do que ajudar os Estados. “Estão dando rasteiras nos Estados: primeiro, tiraram os militares, e é um grande problema para os Estados mexer na polícia militar. Agora, tiraram os civis”, diz Raul Velloso, especialista em contas públicas. Segundo ele, basta olhar as projeções de déficits, que vai subir perto de R$ 40 bilhões até 2020, para saber o tamanho do problema. A falta de dinheiro para pagar salários e aposentadorias, realidade no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, pode se espalhar pelo País.

 

Discurso e prática

“O governo Temer, que se propôs a reduzir privilégios, vai criar um novo privilégio.”

Leonardo Rolim

CONSULTOR DE ORÇAMENTO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

O PESO DA PREVIDÊNCIA PÚBLICA

● Segundo especialistas, a despesa previdenciária, em proporção a receita corrente líquida*, de alguns Estados pesa mais do que o INSS para a União, mesmo o INSS tendo um número maior de aposentados e pensionistas

 

INSS em relação a União

28,3 milhões

16,4% DA RECEITA COMPROMETIDA

 

União

681 mil / 15,6%

 

São Paulo

337,5 mil / 19,9%

 

Rio de Janeiro

213,8 mil / 26,1%

 

Minas Gerais

274,3 mil / 34,5%

 

Rio Grande do Sul

181,1 mil /  36,1%

 

*Em relação a 31 de dezembro de 2015

**Civis, em dezembro de 2016

_______________________________________________________________________________________________________________________

Líder do governo nega recuo e diz que decisão foi ‘estratégia’

Daiene Cardoso

23/03/2017

 

 

Estratégia transfere a pressão de categorias mobilizadas aos Estados; Planalto quer eliminar parte das 164 emendas

 

 

Rechaçando o termo "recuo", o líder do governo na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse que a decisão do Executivo de retirar servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência foi uma estratégia do governo para eliminar parte das 164 emendas apresentadas à Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Outros aliados do governo também admitiram que a mudança faz parte dessa estratégia política.

O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), contou que a decisão do Palácio do Planalto foi uma estratégia para transferir a pressão de categorias organizadas e mobilizadas, como professores e policiais, para as esferas regionais, de forma a obrigar governadores e prefeitos a encamparem a defesa da reforma previdenciária.

“Não foi recuo, foi estratégia política de deslocar os pontos de tensionamento para os Estados”, afirmou o deputado.

De acordo com o líder do governo, as sugestões de alteração ao projeto ficam prejudicadas porque tratavam das categorias do serviço público estadual e municipal, como professores e policiais.

 

Emendas. A liderança do governo estima que 17% das emendas tratam sobre professores e policiais civis, mas nem todas poderiam ser descartadas porque abrangem também servidores federais destas categorias.

A maioria das 164 emendas foi, inclusive, proposta por parlamentares da base de governo. Ribeiro admite que a mudança ajuda a quebrar parte das resistências dos deputados à reforma, uma vez que a decisão do governo trata de categorias com significativa representação no Congresso Nacional. Os parlamentares já sofrem a pressão do eleitorado.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45082, 23/03/2017. Economia, p. B4.