Lula diz que vai ser candidato, mas justuça pode barrá-lo 
Tiago Dantas 
11/05/2017
 
 
Petista diz não ter influência no PT e recua de ameaça a procuradores

“Eu não tenho nenhuma influência no PT, eu tenho influência na sociedade. Quando eu falo, me ouvem”

Lula

Ex-presidente

-SÃO PAULO- Em depoimento ao juiz Sergio Moro e no comício que fez em seguida, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a afirmar que será candidato à Presidência da República no ano que vem. Mas, a julgar pelo prazo das decisões na Justiça, ele corre risco de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa.

A média de tempo levada por Sergio Moro e pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) para julgar processos recentes indica que a condenação em segunda instância aconteceria perto da data limite estipulada pela Lei da Ficha Limpa, às vésperas da eleição do ano que vem, segundo levantamento feito pelo GLOBO.

Depois de ouvir o interrogatório dos réus, fase pela qual o ex-presidente Lula passou ontem, Moro levou, em média 128 dias para publicar a sentença. O levantamento foi feito pelo GLOBO em três casos de repercussão julgados pelo magistrado neste ano. O prazo variou entre 51 dias, no caso do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, e 196 dias, no processo em que os marqueteiros João Santana e Mônica Moura foram condenados.

Se houver uma condenação nos dois tribunais, a sentença do TRF-4 poderia sair entre julho — o que tornaria Lula ficha-suja — e setembro de 2018, o que não causaria interferência alguma em sua candidatura, porque o prazo para isso vai até o registro da candidatura.

Ontem, ao prestar depoimento para Moro, o ex-presidente voltou a dizer que será candidato, sem mencionar eventuais impedimentos legais:

— Se quisesse ser candidato, eu seria em 2014, mas, depois de tudo isso que está acontecendo, eu estou dizendo, em alto e bom som, que vou querer ser candidato à Presidência da República outra vez — disse Lula.

PRISÃO DE PROCURADORES

No depoimento, Moro perguntou a Lula se, com sua “influência” no PT, ele havia pedido investigações internas no partido depois que as denúncias vieram à tona. O petista, embora tenha sido e ainda seja a pessoa mais influente dentro do partido — tanto que conseguiu emplacar Dilma Rousseff como sua candidata à Presidência em 2010 — tentou negar.

— Sabe que essa influência dentro do Partido dos Trabalhadores é porque o Ministério Público não conhece o PT. Porque, se eles conhecessem o PT, eles não falariam isso. Eu não participo de uma reunião de dirigentes do PT desde que fui eleito presidente, em 2002. Até 2014, quando deixei a Presidência, que eu comecei a participar. Eu não tenho nenhuma influência no PT, eu tenho influência na sociedade, quando eu falo, as pessoas me ouvem, algumas ouvem.

No depoimento, Lula foi indagado por Moro sobre a declaração que o petista fez na semana passada, quando citava o noticiário, em que disse que mandaria prender quem diz mentiras sobre ele. Moro quis saber o que ele quis dizer com tal declaração.

— Eu quis dizer o seguinte. A história não para com esse processo, a história um dia vai julgar se houve abuso ou não de autoridade nesse caso do comportamento, tanto da Polícia Federal quanto do Ministério Público, no meu caso — disse Lula, interpelado em seguida pelo juiz.

— E o senhor pretende mandar prender os agentes públicos? — insistiu o magistrado.

— Como é que vou saber, nem sei se eu vou tá vivo amanhã — esquivouse Lula.

— Foi o que o sr. afirmou lá (no evento do PT) — disse Moro.

— Uma força de expressão. O dia que o senhor for candidato o senhor vai ter muita força de expressão — afirmou o ex-presidente.

— Acha apropriado um ex-presidente da República dizer isso? — seguiu Moro.

— Acho que não, acho que não — admitiu o ex-presidente.

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Carona do velho amigo 
Gustavo Schmitt, Luiza Souto e Marina Oliveira 
11/05/2017
 
 
Lula chegou em Curitiba em jatinho de Walfrido dos Mares Guia, ex-ministro de Lula e denunciado pelo esquema do mensalão tucano; prescrição o livrou de processo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva utilizou ontem um jato particular de propriedade da holding de seu ex-ministro Walfrido dos Mares Guia, ao se deslocar de São Paulo para Curitiba, onde prestou depoimento ao juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal. Mares Guia teve seu nome envolvido no esquema conhecido como “mensalão tucano”.

Lula embarcou pouco antes das 10h do aeroporto de Congonhas, na capital paulistana, na aeronave de modelo PRBIR, cuja utilização foi confirmada por policiais, citando a Força Aérea Brasileira (FAB). O jatinho está registrado em nome da Samos Participações Ltda, de acordo com a base de dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Mares Guia consta como sócio-administrador. Em 2007, a Polícia Federal (PF) chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a quebra do sigilo bancário e fiscal da holding.

Amigo pessoal do petista, o ex-ministro das Relações Institucionais e do Turismo foi acusado de peculato e lavagem de dinheiro no escândalo. Mares Guia havia sido denunciado por sua participação na campanha pela reeleição de Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas Gerais.

O esquema teria arrecadado mais de R$ 100 milhões à custa do desvio de dinheiro público e de estatais. Mares Guia teria sido o responsável por movimentar recursos da campanha de Azeredo, mesmo não sendo formalmente coordenador dela. Ele admitiu ter feito empréstimos a Azeredo, mas negou o esquema irregular que envolveu também o empresário mineiro Marcos Valério.

Ano passado, Mares Guia bancou o aluguel do Cessna prefixo LFT que levou Lula a uma viagem a Brasília. O ex-presidente também fez outros voos, entre eles para Belo Horizonte, no mesmo jato utilizado ontem.

Em nota, a assessoria de imprensa do empresário lembrou que a denúncia do mensalão tucano prescreveu em 2014 e que Mares Guia “compareceu a todas as audiências, depôs quando chamado e apresentou diversos documentos para comprovar seu não envolvimento”.

Sobre a aeronave, disse que o exministro a cedeu para o transporte do ex-presidente e que os dois mantêm relacionamento de amizade há mais de dez anos.

 

O globo, n. 30593, 11/05/2017. País, p. 7